Médica Renata Baptista
Médica Renata Baptista. Crédito: Arte Geraldo Neto| A Gazeta

“Muitas vezes, chega paciente com uma gripezinha. Em 5 minutos, precisa intubar”, diz médica

Renata Baptista, de 39 anos, é médica e abriu mão do consultório para atuar na linha de frente de combate ao novo coronavírus em dois prontos-socorros do Sul do ES. Desde março, ela não entra na casa dos pais

Publicado em 04/08/2020 às 08h19
Atualizado em 04/08/2020 às 08h21

Em março, Renata Baptista, de 39 anos, decidiu que paralisaria as atividades no consultório. Preferiu dedicar-se à tarefa que lhe exigia maior doação: o trabalho em dois prontos-socorros e em uma empresa de remoções, todos na linha de frente de combate à Covid-19. Dermatologista, ela atua como médica emergencista no pronto-socorro da Santa Casa de Cachoeiro de Itapemirim, e no pronto-socorro de Jerônimo Monteiro, no Sul do Estado. A rotina foi completamente alterada. 

“Mudou praticamente tudo. A rotina no hospital mudou, porque viramos um centro só de Covid. A abordagem com o paciente é totalmente diferente. Já muda desde a roupa que a gente usa, não é só jaleco, tem EPI, luva, touca. É outro tipo de atendimento. Muda a rotina de como você olha o paciente, de como olha o outro, a equipe. A gente sempre teve muito cuidado, mas não como é hoje. Antes eu trabalhava nesses lugares e ainda tinha meu consultório, que eu atendia três vezes por semana, e meus ambulatórios. Isso tudo está parado. Abri mão de consultório, de ambulatório, para ficar na linha de frente”, conta.

O trabalho na emergência de um hospital não é novidade para ela. Renata faz isso há 15 anos, desde que saiu da faculdade de Medicina. Mas, apesar da experiência, os dias de trabalho têm sido especialmente difíceis e cheios de surpresa.

Renata Baptista

Médica

"A gente nunca sabe como vai receber o paciente. Muitas vezes, chega um paciente normal, só com uma gripezinha e, em cinco minutos, precisar intubar. Às vezes, você precisa intubar um paciente lúcido, com ele conversando com você. E precisa explicar para ele que precisa intubar antes dele entrar em insuficiência respiratória"

UM PARTO EM MEIO AO CAOS

Mas os dias dedicados à emergência também incluem boas surpresas. Em um dos plantões no pronto-socorro de Jerônimo Monteiro, Renata ajudou Miguel a chegar ao mundo. Era perto das 4 horas da manhã, quando a mãe chegou ao local já para dar à luz. O procedimento padrão é avaliar a paciente e transferir para o hospital de Cachoeiro de Itapemirim, mas não havia tempo. Não dava para esperar.

Renata Baptista

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"Em tempos de Covid, vamos para o hospital para vencer uma batalha por plantão. Em meio a esse turbilhão, Deus me permitiu ter outra experiência emocionante. Quando me chamaram na emergência, não era para intubar ou estabilizar algum paciente grave, e sim para trazer à vida esse molecote, que não aguentou esperar a mamãe chegar ao hospital referência. A mãe chegou já ganhando o bebê, ele nasceu dentro do carro"

"Fizemos os primeiros procedimentos e, logo que amanheceu, ele foi para Cachoeiro. Lidando com tanta tristeza, tanta morte, com tanta notícia ruim para dar, foi bom para dar uma renovada na energia. Estar na linha de frente tem me tornado mais forte e, ao mesmo tempo, mais médica e humana”, diz.

O MEDO CONSTANTE

Estar na linha de frente significa conviver diariamente com o medo. Para proteger a família, Renata passou a adotar uma rotina rígida de cuidados. “Desde o início, eu tiro a minha roupa antes de entrar em casa. É só a roupa que eu uso no trajeto do hospital para a casa. A roupa que uso no hospital fica lá. Tenho uma área do lado de fora de casa, com um tapete onde botei cloro e álcool. Limpo meu carro todo dia com paninho de álcool. Na porta de casa também tem álcool. Não entro em casa de calçado, e isso eu já fazia antes mesmo da pandemia. Coloco a roupa na sacola e depois boto para lavar separado das outras roupas. É uma rotina nova.”, conta.

O mais próximo que Renata chega dos pais é no quintal da casa deles, ou na janela do carro, para um papo rápido e de longe. Ela está desde março sem ter contato físico com os pais e os amigos, e mantém o isolamento social acompanhada da esposa e da enteada. “Ninguém aqui sai, está todo mundo trancado. O namorado da minha enteada ficou 20 dias preso aqui em casa, porque ou ele ficava ou eles não iriam se ver. E ele optou por ficar. A única coisa que a gente faz é abastecer o carro, ir ao banco ou ao supermercado. Virou regra: se alguém desce para pegar alguma coisa no portão, tem que estar de máscara, e depois higienizar as mãos e o que veio da rua”, detalha.

Renata Baptista

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"A gente tem muito medo de se contaminar. Às vezes, nem por mim, mas pelos que convivem comigo. Não tenho visto meus pais desde março. Passo de carro na frente da casa deles, dou um tchauzinho para eles não ficarem com muita saudade, e é só. Meus amigos também não vejo faz o mesmo tempo. É angustiante"

VAI PASSAR?

No começo de junho, Renata voltou a atender no consultório. As consultas acontecem uma vez por semana e são marcadas com intervalo de uma hora “para dar tempo de higienizar tudo”. Apesar disso, ela teme que as coisas piorem ainda mais, porque “está todo mundo saindo, querendo viajar, ir à praia”.

Incansável e sem medo de ser chamada de chata, a médica repete o alerta: “Fique em casa, sempre que puder”. “As pessoas devem estar me achando insuportável, mas eu vou continuar falando. Está todo mundo refém da doença. A gente lida com o sentimento de impotência. Depende muito mais de quem está do lado de fora, fazendo isolamento, se protegendo, do que da gente”, acredita.

Na rotina onde os dias difíceis são maioria, Renata comemora o reconhecimento dos profissionais de saúde pela população: “da tia da limpeza ao médico”. E diz que todos têm a oportunidade de “sair dessa situação mais humanos”.

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"Se cada um fizer sua parte, isso vai passar. A gente sozinho não consegue. Se as pessoas não se conscientizarem que não é só uma gripe, isso não vai passar. Se cada um cumprir a sua meta, a gente vai sair dessa mais rápido"

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