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Publicado em 15 de setembro de 2025 às 20:30
Por decisão liminar da Justiça, moradores de uma área conhecida como Quilombo Itaúnas, em Conceição da Barra, no Norte do Espírito Santo, devem deixar a ocupação nesta terça-feira (16). O terreno, que fica às margens da rodovia ES 010 e a poucos quilômetros da Vila de Itaúnas, é alvo de uma ação de reintegração de posse movida pela empresa multinacional Suzano. >
Segundo Luiza Faresin, coordenadora do Coletivo Terra do Bem, que assessora o Quilombo Itaúnas em questões sociais e ambientais, a área na Região Norte começou a ser ocupada há mais de 300 anos. Ela relata que, há pelo menos 15 anos, famílias voltaram a plantar e a construir casas para viver na região. O local, porém, ainda passa por um processo de reconhecimento junto à Fundação Cultural Palmares para ser incluído no grupo de comunidades quilombolas com direito a demarcação de terra no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). >
“Essa é uma comunidade ancestral, formada por mais de cinco gerações de quilombolas. Há indícios de que Zacimba Gaba (princesa de Angola trazida ao Espírito Santo no período da escravidão) tenha ajudado a criar esse quilombo. Agora, pela especulação imobiliária na região, não há diálogo com a comunidade para um projeto para a área. A Suzano passou a tratar os moradores como invasores e oportunistas”, relata Luiza Faresin.>
Em meados de 2015, segundo Luiza, a Suzano se apresentou como proprietária do terreno e abriu uma ação judicial para reintegração de posse. Após 10 anos do entrave judicial, a 1ª Vara do Juízo de Conceição da Barra determinou, em março deste ano, a saída dos moradores do terreno. O cumprimento da decisão judicial, marcada para terça-feira (16), prevê ações de oficiais de Justiça com apoio da Polícia Militar para a retirada de cerca de 200 famílias que vivem em 128 construções na região.>
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Por meio de nota, a Suzano disse que não há pessoas oficialmente reconhecidas como quilombolas na área que é objeto da reintegração, conforme informações apresentadas pelo Incra e pela Fundação Cultural Palmares, mas que prestará suporte às famílias que terão de deixar o local (veja a manifestação completa da empresa mais abaixo no texto).>
Na manhã desta segunda-feira (15), um protesto dos quilombolas chegou a interditar a ES 010 com barricadas e queima de pneus na rodovia. Outro grupo também promoveu manifestações a favor do quilombo na Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales), em Vitória.>
Com a situação, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) chegou a emitir uma nota se manifestando contra a reintegração de posse. O órgão diz que a ação requerida pela Suzano é uma ameaça a um espaço de resistência, memória e ancestralidade.>
“Ali vivem diversas famílias, incluindo crianças, mestres da cultura popular e guardiões de tradições que fazem parte do patrimonio cultural brasileiro. A possível expulsão dessas famílias, somada à derrubada de mais de 130 casas, configura um crime social e cultural, um ataque frontal ao direito constitucional dos povos quilombolas à terra, à dignidade e à preservação de seus modos de vida”, destaca a Conaq.>
O Incra, que é o órgão responsável pela demarcação de terra, e a Fundação Palmares, que faz o reconhecimento de áreas apontadas como quilombo, foram procurados por A Gazeta, mas não responderam à demanda da reportagem sobre a situação atual do Quilombo Itaúnas.>
Em nota enviada à reportagem, a Suzano argumenta que a área é de propriedade da empresa e que a reintegração segue decisões judiciais que reconhecem os direitos da organização. A fabricante de celulose divulga ainda que elaborou um plano humanizado de reintegração aprovado pela Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. >
“O plano prioriza a segurança e a dignidade dos envolvidos, especialmente pessoas em situação de vulnerabilidade, por meio de diversas ações de gestão social. A companhia reforça ainda que mantém diálogo contínuo com associações comunitárias e comunidades quilombolas, reconhecendo a importância dessas relações nas regiões onde atua, bem como o respeito aos direitos legalmente constituídos. Esclarece, no entanto, que não há pessoas oficialmente reconhecidas como quilombolas na área objeto da reintegração, conforme informações apresentadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e da Fundação Cultural Palmares”, informa a Suzano.>
A empresa ainda divulga que prestará suporte como auxílio para mudança; aluguel social de R$ 1 mil por um período de seis meses para famílias com CadÚnico atualizado; oferta de cestas básicas; ajuda de custo para contas de água, luz e alimentação; além de outras medidas de suporte no período que antecede a reintegração.>
A coordenadora do Coletivo Terra do Bem salienta, no entanto, que o plano de desocupação não garante segurança de moradia para as famílias e que a situação da área não deve ser tratada na esfera dos órgãos nacionais, mas sim estaduais, já que ainda não há reconhecimento oficial da Fundação Cultural Palmares.>
“O plano [da Suzano] apresentado prevê 15 dias pagos em hotel e um pagamento mensal de R$ 1 mil durante seis meses, mas Itaúnas não tem imóveis para aluguel neste valor. É fora da realidade do quilombo”, salienta Luiza Faresin.>
Luiza destaca que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata sobre povos indígenas e tribais, prevê que comunidades tradicionais tenham suporte para manutenção dos direitos ligados à preservação da identidade cultural. >
Nesse caso, o assunto ficaria sob responsabilidade do Ministério Público do Espírito Santo (MPES). Em nota, o órgão afirma que acompanha a situação envolvendo a comunidade do Quilombo Itaúnas. Destaca que a Procuradoria-Geral de Justiça chegou a apresentar recurso para suspender a decisão de reintegração de posse. O pedido, porém, ainda não foi analisado.>
“Na última sexta-feira (12), o MPES peticionou nos autos da ação de reintegração requerendo a suspensão parcial da decisão, diante de alegações das comunidades sobre cerceamento de defesa (ausência de citação) e litispendência processual (ações idênticas tramitando ao mesmo tempo) com outro processo, que trata de áreas de possível interesse do Incra e no qual já houve decisão de suspensão. Esse pedido ainda aguarda decisão em primeira instância”, aponta o Ministério Público Estadual.>
O MPES diz, ainda, que está atento à situação e que vai continuar adotando as medidas jurídicas cabíveis, se verificadas violações de direitos, visando assegurar a proteção das famílias e a preservação da cultura e das tradições.>
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