> >
Decisão judicial obriga famílias a deixarem área no Norte do ES nesta terça (16)

Decisão judicial obriga famílias a deixarem área no Norte do ES nesta terça (16)

Área conhecida como Quilombo Itaúnas, em Conceição da Barra, é alvo de ação de reintegração de posse movida por empresa. No final da noite de segunda (15), uma decisão do STJ  suspendeu a retirada das famílias

João Barbosa

Repórter / [email protected]

Publicado em 15 de setembro de 2025 às 20:30

Área fica às margens da ES 010, a poucos quilômetros da Vila de Itaúnas
Área alvo de reintegração de posse fica às margens da ES 010, a poucos quilômetros da Vila de Itaúnas Crédito: Reprodução/Google Maps
Atualização
16/09/2025 - 10:13hrs
No final da noite de segunda-feira (15), uma decisão do STJ suspendeu a retirada de quilombolas de área em Itaúnas - confira aqui a matéria sobre a liminar

Por decisão liminar da Justiça, moradores de uma área conhecida como Quilombo Itaúnas, em Conceição da Barra, no Norte do Espírito Santo, devem deixar a ocupação nesta terça-feira (16). O terreno, que fica às margens da rodovia ES 010 e a poucos quilômetros da Vila de Itaúnas, é alvo de uma ação de reintegração de posse movida pela empresa multinacional Suzano.

Segundo Luiza Faresin, coordenadora do Coletivo Terra do Bem, que assessora o Quilombo Itaúnas em questões sociais e ambientais, a área na Região Norte começou a ser ocupada há mais de 300 anos. Ela relata que, há pelo menos 15 anos, famílias voltaram a plantar e a construir casas para viver na região. O local, porém, ainda passa por um processo de reconhecimento junto à Fundação Cultural Palmares para ser incluído no grupo de comunidades quilombolas com direito a demarcação de terra no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

“Essa é uma comunidade ancestral, formada por mais de cinco gerações de quilombolas. Há indícios de que Zacimba Gaba (princesa de Angola trazida ao Espírito Santo no período da escravidão) tenha ajudado a criar esse quilombo. Agora, pela especulação imobiliária na região, não há diálogo com a comunidade para um projeto para a área. A Suzano passou a tratar os moradores como invasores e oportunistas”, relata Luiza Faresin.

Em meados de 2015, segundo Luiza, a Suzano se apresentou como proprietária do terreno e abriu uma ação judicial para reintegração de posse. Após 10 anos do entrave judicial, a 1ª Vara do Juízo de Conceição da Barra determinou, em março deste ano, a saída dos moradores do terreno. O cumprimento da decisão judicial, marcada para terça-feira (16), prevê ações de oficiais de Justiça com apoio da Polícia Militar para a retirada de cerca de 200 famílias que vivem em 128 construções na região.

Por meio de nota, a Suzano disse que não há pessoas oficialmente reconhecidas como quilombolas na área que é objeto da reintegração, conforme informações apresentadas pelo Incra e pela Fundação Cultural Palmares, mas que prestará suporte às famílias que terão de deixar o local (veja a manifestação completa da empresa mais abaixo no texto).

Na manhã desta segunda-feira (15), um protesto dos quilombolas chegou a interditar a ES 010 com barricadas e queima de pneus na rodovia. Outro grupo também promoveu manifestações a favor do quilombo na Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales), em Vitória.

Manifestantes protestam contra reintegração de posse de uma área onde vive comunidade quilombola
Manifestantes protestaram na Assembleia Legislativa contra reintegração de posse da área Crédito: Ricardo Medeiros

Com a situação, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) chegou a emitir uma nota se manifestando contra a reintegração de posse. O órgão diz que a ação requerida pela Suzano é uma ameaça a um espaço de resistência, memória e ancestralidade.

“Ali vivem diversas famílias, incluindo crianças, mestres da cultura popular e guardiões de tradições que fazem parte do patrimonio cultural brasileiro. A possível expulsão dessas famílias, somada à derrubada de mais de 130 casas, configura um crime social e cultural, um ataque frontal ao direito constitucional dos povos quilombolas à terra, à dignidade e à preservação de seus modos de vida”, destaca a Conaq.

O Incra, que é o órgão responsável pela demarcação de terra, e a Fundação Palmares, que faz o reconhecimento de áreas apontadas como quilombo, foram procurados por A Gazeta, mas não responderam à demanda da reportagem sobre a situação atual do Quilombo Itaúnas.

O que diz a Suzano?

Em nota enviada à reportagem, a Suzano argumenta que a área é de propriedade da empresa e que a reintegração segue decisões judiciais que reconhecem os direitos da organização. A fabricante de celulose divulga ainda que elaborou um plano humanizado de reintegração aprovado pela Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

“O plano prioriza a segurança e a dignidade dos envolvidos, especialmente pessoas em situação de vulnerabilidade, por meio de diversas ações de gestão social. A companhia reforça ainda que mantém diálogo contínuo com associações comunitárias e comunidades quilombolas, reconhecendo a importância dessas relações nas regiões onde atua, bem como o respeito aos direitos legalmente constituídos. Esclarece, no entanto, que não há pessoas oficialmente reconhecidas como quilombolas na área objeto da reintegração, conforme informações apresentadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e da Fundação Cultural Palmares”, informa a Suzano.

A empresa ainda divulga que prestará suporte como auxílio para mudança; aluguel social de R$ 1 mil por um período de seis meses para famílias com CadÚnico atualizado; oferta de cestas básicas; ajuda de custo para contas de água, luz e alimentação; além de outras medidas de suporte no período que antecede a reintegração.

A coordenadora do Coletivo Terra do Bem salienta, no entanto, que o plano de desocupação não garante segurança de moradia para as famílias e que a situação da área não deve ser tratada na esfera dos órgãos nacionais, mas sim estaduais, já que ainda não há reconhecimento oficial da Fundação Cultural Palmares.

“O plano [da Suzano] apresentado prevê 15 dias pagos em hotel e um pagamento mensal de R$ 1 mil durante seis meses, mas Itaúnas não tem imóveis para aluguel neste valor. É fora da realidade do quilombo”, salienta Luiza Faresin.

Luiza destaca que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata sobre povos indígenas e tribais, prevê que comunidades tradicionais tenham suporte para manutenção dos direitos ligados à preservação da identidade cultural.

Nesse caso, o assunto ficaria sob responsabilidade do Ministério Público do Espírito Santo (MPES). Em nota, o órgão afirma que acompanha a situação envolvendo a comunidade do Quilombo Itaúnas. Destaca que a Procuradoria-Geral de Justiça chegou a apresentar recurso para suspender a decisão de reintegração de posse. O pedido, porém, ainda não foi analisado.

“Na última sexta-feira (12), o MPES peticionou nos autos da ação de reintegração requerendo a suspensão parcial da decisão, diante de alegações das comunidades sobre cerceamento de defesa (ausência de citação) e litispendência processual (ações idênticas tramitando ao mesmo tempo) com outro processo, que trata de áreas de possível interesse do Incra e no qual já houve decisão de suspensão. Esse pedido ainda aguarda decisão em primeira instância”, aponta o Ministério Público Estadual.

O MPES diz, ainda, que está atento à situação e que vai continuar adotando as medidas jurídicas cabíveis, se verificadas violações de direitos, visando assegurar a proteção das famílias e a preservação da cultura e das tradições.

Este vídeo pode te interessar

  • Viu algum erro?
  • Fale com a redação

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais