Haroldo Corrêa Rocha, secretário-executivo da Educação de SP
Haroldo Corrêa Rocha, secretário-executivo da Educação de SP
Haroldo Corrêa Rocha

"A tipografia  multiplicou o conhecimento, mas o digital torna ele infinito"

Secretário-executivo da Educação de São Paulo e ex-titular da área no Espírito Santo, o economista também avalia que, com a crise sanitária, as desigualdades do ensino no país ficam mais evidentes

Haroldo Corrêa Rocha, secretário-executivo da Educação de SP
Publicado em 19/07/2020 às 08h00
Atualizado em 19/07/2020 às 08h01

A disseminação do coronavírus no Brasil está sendo devastadora, não apenas na saúde, mas também na educação. O setor público, sobretudo, enfrenta ainda mais desafios para conter o avanço das desigualdades na aprendizagem. Haroldo Corrêa Rocha, secretário-executivo da Educação de São Paulo e ex-titular da área no Espírito Santo, aponta as medidas que deverão ser adotadas para reduzir os impactos negativos, mas ressalta que a Educação deve estar na agenda não apenas de gestores, mas de toda a sociedade. Para ele, agora, na pandemia, e também depois, a tecnologia vai ser uma ferramenta indispensável nesse processo. 

Como o senhor avalia o momento atual para a educação?

Essa é uma crise que não é individual. É um momento desafiante, com algum nível de sofrimento, e as mortes são o ponto mais dramático. Vivenciamos um cenário muito diferenciado no mundo, em que todas as atividades humanas estão sendo afetadas. Mas a educação tem características em que o uso da tecnologia, em comparação a outras atividades, tem um atraso significativo. A educação é essencialmente uma relação humana e não é simples introduzir a tecnologia.

Mas os recursos tecnológicos têm sido fundamentais agora?

As pesquisas têm mostrado que, de 10% a 15% dos educadores, sentem-se habilitados a usar a tecnologia na educação. Não se trata mais da educação presencial que tem sido feita ao longo dos últimos 200 anos e que, quando alguém avança na conquista do conhecimento, vira professor e ensina outros. O advento da tecnologia digital muda muito isso. Não há dúvida que a tipografia fez multiplicar o conhecimento, mas o digital torna o conhecimento infinito. Qualquer pessoa com acesso à internet vivencia isto. A escola também vinha mudando, porém, de maneira mais lenta. A pandemia acelerou o processo de uso de tecnologia no ambiente escolar.

Como o senhor observa essa experiência durante a crise sanitária?

Há a escola que conhecemos, presencial, mas hoje há outro tipo que adotamos em São Paulo: a escola de educação remota. É uma escola diferente do modelo a distância. Na remota, alunos e professores estão em casa e se comunicam por aplicativo, sobre aquela formação planejada para aquela série, para aquele aluno. Temos aulas ao vivo e crianças do Estado inteiro, que estão matriculadas, podem acessar. Selecionamos os melhores professores, os mais bem formados, e eles vão para o estúdio dar a aula. O professor da turma fica no aplicativo e os alunos podem interagir. Incluímos uma nova funcionalidade, e agora a comunicação também pode ser feita com áudio e vídeo.

Essa estrutura foi desenvolvida em função da pandemia?

O centro de mídias estava na nossa programação desde o ano passado. Vínhamos trabalhando nisso, planejando cada etapa. Era um projeto para ficar pronto até o final deste ano, mas tivemos que acelerar o passo e colocá-lo para funcionar. O Estado do Amazonas foi o primeiro a ter um centro de mídias para atender parte da população que vive muito dispersa. O professor está na sala de aula, tem o equipamento que recebe o sinal e faz a conexão para transmitir a programação pela televisão. Tem um professor tutor que supervisiona, organiza. Por lá, funciona há 13 anos e o uso do smartphone não é difundido. O centro de mídias de 2020, que Estados colocaram de pé, usaram outras tecnologias e tem mais flexibilidade. Em São Paulo, começou com estúdio e transmissão, e as crianças dispersas. Evoluímos e já enturmamos os alunos com seus professores dentro do centro. O nosso nasceu para atender a emergência da pandemia, com foco no smartphone, através de aplicativo e internet patrocinada no momento que se conecta. O centro de mídias tem a ver com a biografia do secretário Rossieli (Soares da Silva), que foi secretário no Amazonas e implantou lá, e também quando esteve no Ministério da Educação (MEC) e levou para outros locais; no Espírito Santo, chegamos a usar em três escolas. Mas a experiência em Manaus e do ministério é da primeira geração. Em São Paulo, começamos a segunda geração porque é por aplicativo.

Como foi o processo para implantação e como está sendo a adesão?

Em abril, colocamos o centro de mídias no ar. Oficialmente, em uso, a partir do dia 22 só com os professores e, no dia 27 de abril, entramos com as crianças. Quando veio a pandemia, a primeira decisão foi de que, já que tem que parar as escolas, vamos antecipar férias e deixar professores e crianças em casa para acelerar o processo de montagem. Do contrário, os alunos ficariam no abandono do ponto de vista pedagógico. Aquilo que vinha sendo construído de forma planejada, acelerou tudo. Quando terminou o mês de férias, no dia 22, os professores fizeram o planejamento e, já na semana seguinte, os alunos estavam assistindo às aulas. Havia um atraso no uso da tecnologia. Isso não quer dizer que os sistemas de ensino não estivessem atentos, mas a pandemia acelerou o processo. Se o centro de mídias fosse colocado no ar num período sem pandemia, claro que o processo de engajamento seria mais longo porque o professor estava em sua área de conforto. O que a pandemia fez foi tanto acelerar a construção quanto o engajamento.

E como está a participação dos alunos?

Estamos desde o final de abril, mas principalmente agora, com a estratégia mais refinada no mês de junho, fazendo a busca ativa daqueles que não se conectaram nem uma vez, ou só de vez em quando. A rede está em mobilização total. Mas tem coisas extraordinárias acontecendo, mesmo entre as crianças que não têm smartphone. Ou assiste pela TV, ou, pelo telefone do pai e da mãe, a criança recebe a atividade, faz, depois fotografa e manda de volta. A pandemia está possibilitando à educação, não só no Brasil, o uso intenso da tecnologia para a aprendizagem. E isso não tem volta. As escolas públicas não serão mais as mesmas depois da pandemia porque o uso da tecnologia, com a qual estamos avançando por necessidade conjuntural, vai continuar conosco.

O centro de mídias é um modelo que poderia ser adotado no Espírito Santo?

Desde o princípio, pensamos em construir algo que pudesse ser utilizado pela rede estadual de ensino (5,1 mil escolas, 3,5 milhões de estudantes e 190 mil professores), mas que também fosse um instrumento para uso das escolas públicas municipais de São Paulo. Somos um setor público e o que for útil, qualquer outra rede pública que desejar, vai ter acesso gratuitamente. No ES, a Sedu colocou de pé um projeto, mas não consigo mais acompanhar tão de perto. Seguimos à disposição de qualquer Estado brasileiro. O próprio Espírito Santo, se tiver necessidade de tecnologia ou videoaula, tudo é intercambiável gratuitamente, mediante algum documento de cooperação técnica.

Apesar dos investimentos, em São Paulo, no Espírito Santo ou outro Estado, é certo que educação pública vai ser mais afetada por essa pandemia. Quais são as perspectivas?

Já tínhamos consciência que o Brasil é um país desigual. Se tem algo bom que a pandemia mostrou, é o tamanho dessa desigualdade. Não penso só na criança que não tem o smartphone para as aulas, mas nas crianças que moram numa residência tão precária que não têm um canto para estudar. O processo de aprendizagem demanda concentração, disciplina e condições ambientais. Lembro de uma foto que uma diretora mandou de uma criança que estava deitada no chão de bruços, de uns 6 ou 7 anos. Chão de terra, forrado com um pano, e ela com o livro, lendo e escrevendo. Situação totalmente inadequada e a criança num esforço para aprender. A pandemia escancarou o problema da desigualdade no país e, com certeza, após esse período vai estar mais na agenda do que já esteve. Não significa que as pessoas ignoravam, mas até agora uma parcela importante da sociedade estava desconectada do problema. Agora, mais do que nunca, precisa estar na agenda.

São Paulo está planejando o retorno das atividades presenciais para setembro, mas já existem alguns movimentos contrários. O que o senhor tem a dizer?

Muitas pessoas estão reagindo como se fosse na semana que vem. Setembro foi uma data de referência que o comitê de contingência, com uma equipe de 16 especialistas que acompanham diariamente a situação, conseguiu nos autorizar. O quadro vai continuar sendo avaliado e, se não houver condições, vamos para outra data mais à frente. Ou, se melhorar e puder ser antes, o retorno pode ser antecipado. No mundo inteiro, praticamente, as escolas foram as últimas a retornar. Em São Paulo, a educação representa um terço da população. A decisão de colocar um ⅓ que está em isolamento para circular nas vias públicas e se aglomerar nas escolas tem que ser muito bem planejada. Estudamos a experiência de 30 países na volta às aulas para definir a nossa. Pelo planejamento, serão três etapas: no primeiro momento, até 35% dos alunos; depois, melhorando, até 70%; e por fim, 100%. Essa fase de transição vai resultar em uma nova escola, que não será mais só presencial, mas híbrida: a física e presencial, e a virtual pelo centro de mídia. A questão da Covid é sanitária, tem decisões das instituições públicas, mas dependo muito também da atitude das pessoas, da consciência de que, por exemplo, se não colocar a máscara, vai contaminar um monte de gente.

Quais são os desafios da Educação para o futuro próximo?

A volta às aulas presenciais e esse modelo de ensino híbrido vai ser um grande desafio para todos; avançamos muito na tecnologia, mas não está tudo vencido. Agora, um país desigual não se resolve em passe de mágica. Tem uma coisa inegável: a pandemia aprofundou a desigualdade em termos de aprendizagem, e como vamos lidar com isso no preocupa. Temos três mecanismos para quando as crianças retornarem: elas vão ser submetidas a uma avaliação diagnóstica para verificar o que aprenderam, o que vai nos dar indicações do que cada um conseguiu desenvolver; teremos um programa de recuperação de aprendizagem; e o que está no centro da nossa preocupação, que tentamos conter por todos os meios, o abandono. Com a pandemia, as redes públicas podem perder em torno de 30% dos alunos. Por isso, a busca ativa para fazer o engajamento.

Como o senhor avalia a atuação do MEC neste período de pandemia e o que esperar do futuro gestor?

Estamos há exatamente um ano e meio sem ministério. Tivemos dois ministros muito distantes da realidade da educação e mais preocupados com temas que não são da educação. O nível de diálogo era muito precário com as redes. O cidadão que acompanhou as falas, os tuítes, as aparições públicas observou que não dialogavam com a educação. Isso, com certeza, nos fez muita falta, inclusive agora, porque não temos uma coordenação durante a pandemia. Tivemos que fazer muito investimento e tudo o que fizemos em material didático, formação, centro de mídia, recursos para alimentação das crianças, adicional e indispensável por conta da pandemia, foi com recursos próprios. E assim cada Estado teve que fazer, ao passo que, se houvesse coordenação do MEC, todos faríamos com menos sacrifícios e mais otimização de recursos. O MEC é importante para dar as grandes diretrizes. Em que pese essa falta, as redes públicas estaduais e municipais são tocadas por Estados e municípios, mas poderíamos ter feito mais e melhor, se o MEC tivesse apoiado. Agora, a grande expectativa é que o presidente da República (Jair Bolsonaro) reflita sobre o que faltou no ministério e faça uma escolha de alguém que consiga entender o que é educação no Brasil, num país tão desigual, que não seja só focado em guerra cultural porque a educação brasileira tem uma agenda. Temos uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para implantar, temos o desafio de tornar o conhecimento acessível. Toda criança tem que ter smartphone, com conexão. A educação, daqui para frente, prescinde disso, se não continuará sendo excludente. O MEC tem papel de complementar financiamento, de tornar mais econômico o uso da tecnologia, de coordenar a produção de conteúdos de altíssimo nível. O governo federal não pode insistir no caminho que estava; a equipe do MEC tem que ser capaz de traçar diretrizes, alocar recursos , apoiar técnica e financeiramente  os outros entes. Precisamos de uma reflexão madura de que a experiência vivida até aqui não foi boa para a educação brasileira, é preciso definir novos caminhos. Não tem política na educação, tem que ter política de educação.

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