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José Padilha: 'Lula preso não derrubaria só o PT. Eles sabem disso'

José Padilha: "Lula preso não derrubaria só o PT. Eles sabem disso"

Diretor de "Tropa de Elite" lança "O Mecanismo", série inspirada na Lava Jato, e explica porque é tão difícil fazer diferença na política do Brasil

Publicado em 16 de março de 2018 às 21:57

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José Padilha, diretor de filmes como "Tropa de Elite"e criador de "Narcos" e "O Mecanismo", série que conta a história da operação Lava Jato. (Alexandre Loureiro/Netflix)

José Padilha é prolixo, como você, leitor, poderá perceber na entrevista que ocupa esta capa e a página 3. Atualmente morando em Los Angeles, onde trabalha sua carreira como cineasta internacional, o cineasta carioca veio ao Brasil para lançar “O Mecanismo”, série da Netflix inspirada na operação Lava Jato. Além de criar a série, Padilha dirige o primeiro episódio e dá o tom dos outros 7 que estarão disponíveis a partir de sexta-feira (23) no serviço.

Flamenguista doente, o cineasta conversou com a reportagem na última quinta-feira (15), no Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, um dia após a festa de lançamento da série e também da vitória do Flamengo sobre o Emelec, do Equador, pela Libertadores da América, com show do garoto Vinicius Jr. A última quarta (14) também foi marcada por um assunto muito mais sério: a brutal execução da vereadora Marielle Franco (PSOL) no centro do Rio de Janeiro. Uma infeliz coincidência visto que em filmes como “Ônibus 174” (2002) e “Tropa de Elite” (2007) Padilha sempre mostrou a violência em sua cidade natal. “O que aconteceu foi terrível. Entra governo e sai governo e a gente vê a repetição deste fenômeno. Isso tem tudo a ver com as coisas que a gente faz (filmes e séries)”, ponderou o cineasta.

Confira a entrevista em que José Padilha fala sobre política, violência e dá uma aula sobre a estrutura política do Brasil.

Você estava na festa de lançamento e não viu o Vinicius Jr. ontem, né?

Não, mas fiquei sabendo (risos). Que que aconteceu? Eu resolvi botar o pé na água ontem porque eu não boto o pé no Oceano Atlântico faz tempo, mas caiu uma tempestade em mim. Aí nesse andor eu fui até o Cervantes (restaurante em Copacabana) comer um sanduíche de abacaxi com queijo, que eu não como faz tempo, aí lá eu encontrei a torcida do Flamengo.

Durante o processo de roteirização, os desodobramentos da Lava Jato modificavam a série?

A gente não tá mudando porque a gente demarca onde começa e termina a temporada. Começa lá no Banestado e vai terminar num certo ponto. Tudo isso já tinha acontecido, então nada vai mudar isso. Quando saiu a fita do Joesley, a gente comemorou que o Temer tinha dançado. Imagina se eu tivesse botado isso na série? Tá aí o Temer, meu amigo.

A série tem o elemento da narração, que é muito seu. Ele ajuda a contar uma história específica?

Enrique Diaz e Selton Mello em "O Mecanismo". (Karima Shehata/Netflix)

Ajuda, mas a narração em off não é uma coisa minha. Scorsese tem um monte de filmes narrados em off, “Blade Runner” (1982) é narrado em off, “Forest Gump” (1994), posso citar trocentos filmes fantásticos com o recurso. Ele normalmente é utilizado quando você precisa que o personagem explique para você uma realidade muito complexa para você passar pela dramaturgia, senão o diálogo fica expositivo.

O que você conseguiu fazer nessa série que não tinha feito ainda?

Cara, eu consegui trabalhar com o Selton Mello. Eu sempre quis. Consegui trabalhar com o Enrique Diaz. Então foi isso... trabalhar com esses atores com quem eu não tinha tido chance de trabalhar antes. É difícil inventar câmera, efeito especial numa série como essa. Se eu estivesse fazendo o “Gravidade” seria outra coisa (risos).

E como surgiu o projeto?

Foi uma sugestão nossa para eles. Eles tinham feito o “Narcos” comigo e a série fez muito sucesso. O número de assinantes da Netflix cresceu muito logo depois do lançamento do “Narcos”, não tô dizendo que foi por causa dela, mas cresceu de uma maneira exponencial, então a Netflix passou a me atribuir poderes sobrenaturais (risos).  “Narcos” é a série mais vista em muitos países europeus. Então eu aproveitei para enfiar “O Mecanismo”.

E a segunda temporada?

Se estiver garantida eu não posso te dizer (risos).

É impossível não fazer ume relação com o “Tropa de Elite”. No “Tropa” o sistema sobrevive. Aqui, o mecanismo sobrevive?

Primeiro a gente tem que entender o que eu estou chamando de mecanismo; ele é uma coisa generalizada. Nos EUA, na Alemanha ou na França existem casos de corrupção, mas no Brasil ela estrutura a política. A corrupção é a norma. Os partidos são financiados por empresas que prestam serviços ao Estado ou com interesses em criação ou alteração de leis, por exemplo. Essas empresas financiam todos os grandes partidos. Nos EUA, por exemplo, a Amazon dá dinheiro para os democratas, mas não para os republicanos. Aqui a Odebrecht financiou todos os grandes partidos. O que é maluco. Deixa claro que nada tem a ver com ideologia. É o que coloca as pessoas em cargos chaves da administração pública. Cargos que controlam grandes orçamentos. Essa colocação é o que movimenta os acordos políticos e a formação de blocos partidários no Legislativo e também a indicação de ministros no Executivo. Tudo isso é corrupção. Uma vez que os cargos são distribuídos e a base está montada no Congresso, o mecanismo começa a ser operado. Cada um tem seu quinhão da sua empresa pública, cada um administra o inchamento do orçamento que o Estado contrata. Esse dinheiro sobra nas prestadoras (que financiaram os políticos), é lavado pelos doleiros e distribuído pra políticos em forma de caixa dois. É assim em todos os municípios, Estados, no Governo Federal, no Legislativo e no Executivo. Isso é o mecanismo. Ele é subjacente a grande parte das mazelas do Brasil. O fato da segurança pública não funcionar tem a ver com isso, com a educação também. O que é interessante é que o mecanismo não tem ideologia. Ele existe nos governos de esquerda e nos de direita. Os formadores de opinião é que têm ideologia e ficam debatendo como se fizesse diferença.

A Lava Jato conseguiu punir uma perna desse mecanismo: as empresas. A próxima empresa à lá Odebrecht vai pensar cinco vezes antes de fazer o mesmo que ela fez. É uma conquista.

Alguns políticos foram punidos, mas não todos...

Os tribunais superiores são formados por indicações de políticos, evidentemente eles são comprometidos. Se eu estiver certo, e eu acho que estou, os tribunais não julgam isentamente. A gente olha o comportamente de alguns juízes do STF e vê o que eles estão dispostos a fazer pra livrar a cara de determinado político. Agora a segunda instância e o julgamento fora do foro privilegiado vão dizer pra gente o quão profunda vai ser a Lava Jato.

A série está sendo lançada numa época que coincide com o definição da prisão ou não do presiente Lula. Foi uma coincidência?

Essa primeira temporada eles verão de casa, mas a segunda, se houver, eles verão na cadeia. A prisão do Lula

Aspas de citação

Então tem uma grande movimentação política de todos os partidos para que o Lula não seja preso. Isso não derrubaria só o PT

José Padilha
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 tem uma valor simbólico para todos brasileiros. Ele é claramente um populista que operou o mecanismo. Ele montou uma estrutura, e não tem como negar, da mesma forma que o PSDB. Todos operaram desde o primeiro governo pós-Diretas Já. Mas não sei se ele vai preso porque ele é muito popular. Se a Lava Jato prender o Lula é muito difícil que não sobre para outros. Nessa autofagia ideológica a esquerda vai exigir a punição dos outros. Ao invés de defender o Lula e o PT, eles vão se virar para atacar o Temer, o Aécio. Evidentemente eles entenderam isso. Então tem uma grande movimentação política de todos os partidos para que o Lula não seja preso. Isso não derrubaria só o PT.

Você já disse que é um erro criticar a Lava Jato, mas há de se fazer a crítica de políticos do PSDB, por exemplo, não terem sido presos. Como tratar isso em tela?

Por que os políticos do PMDB e do PT foram punidos primeiro? O Cunha foi pra cadeira. Tudo começou mesmo no Mensalão. Nossa série começa em 2003, com a história do (Alberto) Youssef. A lei era diferente da lei atual. Ela não permitia acordo de delação premiada a não ser para crime de tráfico. Era impossível você fazer uma investigação. O doleiro nunca entregava o político que era o chefe dele. Isso não acontecia. Uma senadora do PT (Serys Slhessarenko), que tava condenada na operação Sanguessuga (a máfia das ambulâncias), pra ficar bem, apresentou um projeto de lei que alterava a delação premiada. Ela praticamente copiou a legislação americana e apresentou no Senado. O projeto ficou parado lá 10 anos, por aí, parado. Aí o Dirceu, o Lula e o PT fizeram um mutirão para aprovar emendas e, nesse mutirão, votaram tudo junto, sem ler o que estavam fazendo. Aí eles aprovaram e colocaram esse vírus na legislação brasileira e a Lava-Jato pegou isso quando o PT tava no governo. Então ela pegou o Paulo Roberto Costa, indicado pelo PT e pelo PMDB... era óbvio que eles seriam pegos primeiro. A investigação continuou e pegou o PSDB. Porém, quando chega no Supremo Tribunal Federal... Isso não é a Lava-Jato. Se o STF fosse justo, o Aécio e o Renan estariam em outra situação.

Então o Supremo vai ser um personagem da série? Gilmar...

Gilmar pra mim era um goleiro do Flamengo (risos).

(risos) “Um grande acordo nacional, com o supremo e tudo...”

O importante não é prender um ou outro, mas desmontar tudo. Prefiro que desmontem os partidos. O sacudiria o mecanismo é a desestruturação dos partidos políticos que operaram ele. PT, PSDB e PMDB podem ser processados pela legislação atual por conta dos caixa dois.

A série começa com um vídeo...

Esse dinheiro com esse vídeo é uma história verídica do Banestado. A gente esquece, mas o Banestado remeteu 32 bilhões. Isso não era governo do PT. Eu não sei como as pessoas não percebem isso. São todos os grandes partidos!

Uma vez você falou que o “Tropa de Elite” tinha ajudado a tirar um “óculos ideológico” na intelectualidade brasileira e hoje era mais fácil ver determinados filmes sem esse viés. Você acha que é possível fazer uma série como “O Mecanismo”, que tem um conteúdo político, sem ser visto com um viés no Brasil de 2018.

Vamos falar sobre ideologia. No mundo, existem duas ideologias dominante: uma tem origem marxista e a outra, que a gente chama no Brasil de liberal, tem origem com Adam Smith etc. Uma delas diz que o Estado tem que ser pequeno, não tem que interferir na economia, e tem uma estruturação teórica de por que isso seria melhor. Outra diz que a economia livre iria gerar monopólio, oligopólio, e tem também sua estrutura teórica. Meu problema é que quando eu leio Milton Friedman ou outro liberal, eu não acredito no que estou lendo. Eu vejo um milhão de buracos. E quando eu leio Marx ou Engels, eu também não acredito e vejo um milhão de buracos. Eu entendo que se o mercado estiver livre, vai haver formação de oligopólio e esses oligopólios vão influenciar a política com dinheiro, então o mercado não vai ser livre. E também entendo que se você botar o governo do proletário com muito poder, os governantes vão abusar desse poder. É histórico. Eu não compro nem a esquerda nem a direita. O máximo que a gente consegue fazer é ajustar alguma coisa no meio e ficar sempre tentando melhorar. 

Mas o Brasil tem um histórico. O Brasil teve uma ditadura de direita, então a cultura é de esquerda. Na União Soviética, que tinha uma ditadura de esquerda, a cultura era de direita. No Brasil então, a ideologia dominante no meio cultural é a do marxismo. Então o herói do filme brasileiro tem que ser o excluído. O Sandro, do “Ônibus 174” é um herói que funciona pro marxismo. Eu posso contar a história dele do jeito que contei e mostrar a violência dele no ônibus que não tem problema para a intelectualidade brasileira. O (capitão) Nascimento não é excluído, ele é o inimigo do excluído. Então um filme como o “Tropa de Elite” é uma polêmica instantânea porque eu estou indo contra a posição ideológica. Tanto é assim que no Brasil não tinha um filme sobre policial antes do “Tropa”.

A Lava Jato tem valor heurístico (risos), ela revela alguma coisa. É claro que ela tem erros, é impossível criar um processo desse tamanho sem erros, mas ela provou que o mecanismo não tem ideologia. No entanto eu vejo formadores de opinião se posicionarem em relação à Lava Jato com viés ideológico. Isso é parte da tragédia do Brasil.

Mas como você lida com isso?

O Cacá Diegues, que é um sujeito extremamente inteligente, criou o termo “patrulha ideológica”. Existe. Se eu tenho o Lula ou uma pessoa inspirada no Lula na minha série, vai ter uma patrulha ideológica porque o Lula tá lá. É normal e inevitável, mas é trágico! Porque essas pessoas estão lutando pela escravidão achando que estão lutando pela liberdade. E eu estou roubando essa frase do (Baruch) Espinosa (n.e: a frase correta é “Lutamos por nossa servidão achando que lutamos por nossa liberdade”). A longo prazo o Brasil vai se livrar da intensidade dessas amarras ideológicas que impedem as pessoas de verem as coisas com clareza. O que é a direita no Brasil? A direita no Brasil é horrorosa, um horror! Mas a esquerda também é, infelizmente.

Então não existe político honesto?

Claro que existe, mas não existe uma massa de políticos honestos. Porque para você se eleger ou eleger uma bancada significativa, você precisa de fazer uso de caixa dois. Pra você entrar na política e ter chance de ganhar, você precisa aceitar o jogo. E se você aceita, meu amigo, eu já começo a desconfiar da sua honestidade. Tenho certeza que o Marcelo Freixo (PSOL) é um político honesto (n.e: Padilha criou o personagem Fraga, de "Tropa de Elite 2" baseado em Freixo), mas políticos honestos nunca têm a massa necessária para fazer a diferença e nem vão ter enquanto o mecanismo não for desmontado. 

Por que um foco na Polícia Federal?

Na verdade é porque é o policial federal que investiga, faz o grampo... a informação 90% das vezes chega primeiro a ele. Aí ele vai à procuradoria e tenta montar um caso. No Brasil o policial federal pode fazer a delação premiada, sozinho, mas não foi assim que eles fizeram em Curitiba. O procurador monta o caso e vai ao juiz, que toma decisões a partir do material que é apresentado a ele. Então o juiz, de certa maneira, é passivo na investigação. Ele não foi lá e descobriu qual o telefone que tem que grampear, ele autoriza o grampo. Se eu fizesse uma série sobre um cara sentado numa cadeira com uma caneta e papel tomando decisões, o público ia ficar bastante entediado. A série tem uma característica... É muito fácil explicar polícia e ladrão, mas fazer uma série sobre lavagem de dinheiro é muito mais complicado. A gente tem que explicar bastante no começo, mas ela vai acelerando.

A série está sendo lançada em 190 países. Você acha que as pessoas desses outros países terão interesse por uma história de corrupção no Brasil?

Acho que na América Latina, em geral, as pessoas vão entender. Inclusive a Odebrecht tá enfiada no Peru. Jornalistas do Peru já me perguntaram se farei uma temporada só do Peru (risos). Já me perguntaram também da Venezuela... As pessoas vão entender porque a lógica da política do Brasil não é tão diferente da do México. A diferença aqui é aquele vírus que a Serys colocou na nossa legislação. E a Dilma que assinou esse negócio. Ela assinou, ela não leu o que ela assinou.

E o que você achou do impeachment da Dilma?

Tenho a impressão de que a forma como ele aconteceu e a necessidade dele não foram abordadas do jeito que a história ocorreu. Eu acho que a Dilma Roussef era uma presidente extremamente arrogante e não me parece ser muito inteligente, simplificava muito o mundo em volta dela. Essa combinação de arrogância e falta de inteligência colocou na presidência da república alguém que não conseguiria parar a Lava Jato, ela não tinha traquejo político pra isso. Ao que tudo indica, ela não estava operando o mecanismo da mesma forma como o Lula operava. Mas a operação começou a passar de PT para PMDB e começou a ficar claro que alguém tinha que parar aquela operação. Colocar o Lula na Casa Civil tinha esse intuito, mas a Lava Jato vazou aquele áudio e ele não virou ministro. Aí, desesperadamente, os políticos olharam a falaram: “se a gente não tirar essa mulher daqui eles vão pegar todo mundo”. Então houve essa movimentação dos bastidores para colocar alguém para parar a Lava Jato. Por que eles não podiam impichar a Dilma por Pasadena ou por uso de caixa dois de campanha? Porque todos políticos que participavam dali fizeram o mesmo. Isso foi de um cinismo incrível.

(O jornalista viajou a convite da Netflix)

Confira o trailer de "O Mecanismo"

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