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Com 13 indicações ao Oscar, 'A Forma da Água' encanta o público

Com 13 indicações ao Oscar, "A Forma da Água" encanta o público

Filme de Guillermo del Toro conta história de amor entre um de seus "monstros" e uma mulher muda

Publicado em 31 de janeiro de 2018 às 00:15

A Forma da Água Crédito: Fox Films/Divulgação

Quando subiu ao palco para receber o prêmio de Melhor Diretor no último Globo de Ouro, o mexicano Guillermo del Toro estava emocionado. “Desde a infância eu tenho sido fiel aos monstros. Eu fui salvo e absolvido por eles. (...) Por 25 eu anos criei essas pequenas fábulas feitas de movimento, cores e sombras. E essas fábulas salvaram minha vida”, disse o diretor antes de pedir para abaixarem aquela inconveniente música que expulsa os premiados do palco.

Fato é que del Toro fez carreira com seus monstros – de “A Espinha do Diabo” (2001), passando por “O Labirinto do Fauno” (2006) até “A Forma da Água”, que chega amanhã ao Estado com 13 indicações ao Oscar, os monstros sempre foram os protagonistas das obras do mexicano.

Eu seu novo filme, del Toro volta aos anos 1960, Guerra Fria, para contar a história de Elisa Esposito (Sally Hawkins), uma zeladora muda que trabalha em uma agência de segurança do governo. Lá, um belo dia, ela se depara com a nova “descoberta” americana, uma criatura (Doug Jones. Confira entrevista com o ator na página 3) tirada do rio Amazonas, onde era tratado como uma espécie de deus pelos locais. De alguma forma os americanos planejam utilizar a descoberta na corrida espacial... Guerra Fria, né?

Com o contato diário, Elisa desenvolve um fascínio pela criatura com quem se comunica, aprende e a quem ensina. O problema é que tanto americanos, representados pelo vilão Richard Strickland (Michael Shannon), quanto soviéticos têm planos diferentes para o destino do “monstro”.

SIMPLICIDADE

Não é difícil ver de onde Guillermo del Toro tirou suas influências – o diretor homenageia diretamente clássicos como “A Bela e a Fera” e “O Monstro da Lagoa Negra” (1954), mas o que torna “A Forma da Água” único e encantador é que o filme é delicado ao construir uma relação singular e mostrada pelo ponto de vista dos excluídos, dos invisíveis para a sociedade; ao lado da criatura, Elisa pode, pela primeira vez, ser ela mesma, completa da forma que é. A simplicidade da relação dos dois, que não precisam de palavras, é o que conduz a narrativa.

Sally Hawkins está tão bem que faz o público comprar a felicidade de Elisa mesmo em uma situação tão absurda. A atriz ainda é ajudada por atores como Doug Jones, Octavia Spencer, Michael Stuhlbarg, Richard Jenkins e Octavia Spencer, todos ótimos em seus papéis. O único que destoa um pouco é Michael Shannon, que parece já levar esse tipo de papel no piloto automático.

“A Forma da Água” tem ação, humor, suspense e até um pouco de gore, mas pouco surpreende. É curioso que o filme esbarre em fórmulas pré-estabelecidas. Os monstros de del Toro podem ter sido domados, mas felizmente o encanto de suas histórias permanece o mesmo.

SIMPLICIDADE

Você interpretou uma infinidade de criaturas para Guillermo del Toro ao longo dos anos. Qual foi sua reação a este roteiro e a esta criatura específica?

Quando li o script pela primeira vez, é claro que o apertei contra o peito e pensei, “É lindo”! Vendo os designs que estavam surgindo da Legacy Effects, minha reação foi falar, “Nossa, é exatamente isso”. Quando você vê a coisa toda finalizada, também, com as guelras, as guelras na verdade criam um elemento distinto da silhueta para a parte superior da criatura.

Ela remete um pouco a "O Monstro da Lagoa Negra". Que o Guillermo vai lhe dizer que é provavelmente seu filme de monstro favorito da Universal. Foi um de seus amores da infância. Agora, "Frankestein" foi sua inspiração para querer ser cineasta. Ele amava os monstros da Universal, de qualquer forma. Mas tinha alguma coisa em "O Monstro da Lagoa Negra", alguma coisa que diz respeito a ele e a bestas aquáticas, acho que ele simplesmente adora. De fato, em "Hellboy", é claro, interpretando o Abe Sapien para ele, mais um homem peixe, houve um momento quando estávamos filmando "Hellboy 2", a gente mal tinha começado a gravar. Ele apenas me viu voltar ao set pela primeira vez em quatro anos. A luz de fundo atrás de mim estava acesa e minhas guelras estavam se movendo, porque elas também funcionavam com baterias. Ele falou, “Tem alguma coisa com a maneira como a luz atravessa as guelras que faz meu coração vibrar”. Foi quando percebi, é mais do que simplesmente uma característica descolada dos peixes. Ele tem um verdadeiro caso de amor com as bestas aquáticas. Por algum motivo.

Foto: Graham Walzer - Foto: Graham Walzer"/>

Doug Jones, o ator por trás dos "monstros" de Guillermo del Toro

Uma vez ele brincou que queria transformar a piscina de sua casa na lagoa negra.

É disso que ele precisa, não é? A criatura precisa estar na piscina dele [risadas].

Na verdade, ele teve sua própria versão de Frankestein em desenvolvimento por um tempo. Este filme, "A Forma da Água", também remete ao passado em termos de narrativa. Ele tem uma atmosfera real da década de 1960, além de apenas ser ambientado nessa época. Acho que ele dá a sensação de evocar aqueles filmes de monstro antigos, especialmente considerando que esta criatura específica é empática. Quando você me vê pelos olhos da Elisa, você enxerga a compaixão e a empatia e até mesmo a atração. Na fase de design, eles dedicaram muito tempo ao trabalho de me fazer parecer beijável. Precisava haver uma atração que fosse além de, “Nossa, que peixe bonitinho”. Aqui, é algo como, “Quero que esse peixe me envolva”. É isso que o público precisa sentir. E esta é uma tarefa difícil de design. Aplaudi todo mundo em cada uma das facetas deste processo, porque realmente é preciso muita gente para fazer uma criatura como esta. Não a interpretei sozinho. Interpretei com todos os que colocaram uma mão artística nela e foram muitos.

Você já perdeu a conta do número de criaturas que o Guillermo pediu que você interpretasse?

Não perdi a conta das criaturas dele, mas de um modo geral, sim (risadas). Venho atuando há 30 anos, então não tenho ideia. Quanto ao Guillermo, este foi meu sexto filme com ele, mas interpretei várias personagens em alguns deles e também fui um vampiro recorrente na série de TV dele, "The Strain". Tive duas personagens nessa série: um dos anciãos e também o mestre original que fez o prólogo de abertura da Temporada 2.

Se eu não estiver errado, acho que o total agora, incluindo "A Forma da Água", é de 11. Eu o conheci em 1997 em "Mutação". E fui muito, muito abençoado por isso, fiquei extremamente entusiasmado e sou muitíssimo grato e agradecido a ele. Esse homem, sozinho, mudou minha vida. Eu já estava trabalhando de forma consistente, de qualquer maneira, mas ele foi o divisor de águas que me transformou de sujeito despercebido que usa um figurino de borracha em – e novamente é uma coisa que remete ao passado – um tipo de estrela do gênero de Boris Karloff ou Lon Chaney ou Bela Lugosi. Perdemos esse tipo de estrela durante um tempo, mas foi o Guillermo quem o trouxe de volta, sendo eu o cara. Agradeço aos céus.

O Guillermo mostra sempre uma afinidade incrível com os “monstros” em seus filmes: ele quer

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Doug Jones como o monstro de "A Forma da Água"

 mostrar o lado bom deles.

Isso mesmo, é verdade. Ele é o homem mais citável do mundo, como você sabe. Ele sempre disse, “Sempre haverá um monstro no meu roteiro de gravações”. Por 11 vezes agora o mostro fui eu. Me sinto muito feliz com isso. Ele designa enredos de protagonistas masculinos e femininos às criaturas. É algo de que outros diretores podem ter medo, mas ele não tem. Ele realmente cultiva um verdadeiro caso de amor com as coisas do outro mundo. Ele nunca perdeu a criança que existe dentro dele. Acho que é por isso que os expectadores o adoram, é o motivo pelo qual os outros cineastas e nós, atores, o amamos tanto, porque estamos sendo dirigidos por um menino de oito anos de idade que acha tudo isso o máximo. No entanto, ele é um visionário brilhante ao mesmo tempo. Ele é muito adulto, mas ele nunca perdeu seu lado criança. É por isso que você vê muitas personagens infantis em suas histórias. Mesmo nesta história, em "A Forma da Água", o papel da Elisa é bastante infantil. A Sally Hawkins canaliza essa linda personagem com jeito de criança que, de fato, tem um lado muito vulnerável. Você quer realmente investigar a fundo e descobrir o que motiva a pobrezinha. Ele se conecta com este aspecto, um lugar familiar dentro de todos nós, em cada personagem que cria. Ele faz isso de verdade.

É claro, o verdadeiro monstro da história é o humano: Strickland.

É sempre o humano. O Strickland tem as mesmas motivações que o Capitão Vidal tem em "O Labirinto do Fauno". Não diria que a personagem é a mesma, de forma nenhuma, mas ele também é um humano que se mostra narcisista e acha que está à frente do mundo. Você percebe que faz uma careta cada vez que o vê aparecer na tela. Você reage assim, “Eca, ele de novo. Esse canalha”. É muito assim. Ele é aquela personagem por cuja derrota o público vai torcer, ao invés da criatura.

Quanto tempo levava para lhe transformar na criatura?

No início eram quatro horas. Depois ficou mais rápido. 

De onde vem o aspecto físico?

Em primeiro lugar, você olha para a ecologia, o ecossistema, você tem o humano e você tem o peixe. De alguma maneira, você tem de combinar os dois. Este homem peixe é um pouco mais masculino, até mesmo mais atlético, eu acho. Ele representa mais uma ameaça do que qualquer outro homem peixe que já interpretei. Especialmente com o Strickland, ele e eu temos um cara-a-cara algumas vezes, em que ele me provoca e eu revido.

Eles me tiraram do meu habitat. Estou assustado e, portanto, reagindo como um tigre enjaulado. É algo como, “Tenho de escapar” e então bato com força. É necessária a personagem da Sally para me acalmar. Quando a vejo, enxergo algo familiar nela, que ambos somos almas feridas de alguma forma.

Talvez o que eu possa canalizar seja um pouco do Surfista Prateado, que interpretei na sequência de "O Quarteto Fantástico", que era uma personagem muito estoica, heroica, com postura, atlética e sexy, e incluir um pouquinho de toureiro. Se você pensar como eles lutam com os touros e com que graciosidade... É isso. Graciosidade é a palavra, acredito. Uma graciosidade atlética é o que acho que buscamos para esta personagem.

Existe um esforço consciente para não repetir o que você fez com o Ape Sapien em "Hellboy"?

Com certeza. Para mim, existe. Porque eu conheço o Abe tão bem. O Abe era mais artístico, mais intelectual, mais conservador. Ele adotava uma postura tão elegante para si que poderia ser um mordomo em uma grande mansão, em Downton Abbey. Ao passo que este homem peixe não fala. O filme não dá a sensação de ser um filme de gênero como foi "Hellboy". Neste sentido, é uma história muito real de 1962. Está acontecendo de verdade. Sou uma criatura que realmente foi encontrada no Rio Amazonas. Com isso, deve surgir um sujeito menos fanfarrão, menos caricaturesco e mais real. Ok, para mim estava ótimo, eu estava feliz, nadando nas águas do rio e comendo o que quer que eu coma. Provavelmente, sou o último da minha espécie. Sou um tipo de raridade. Pode ter havido mais criaturas iguais a mim em algum momento. Não sabemos. É isso que eles estão testando e tentando descobrir.

Como você acha que a alegoria da história reflete o mundo em que estamos vivendo?

Outra coisa que o Guillermo adora fazer, ele adora responsabilizar a autoridade quando a autoridade não sabe o que está fazendo. Este é outro tema que você verá em muitos dos filmes dele. Neste caso, temos o governo dos Estados Unidos tentando derrotar os russos na corrida espacial, ou sei lá, o que quer que seja que se fazia nessa era. A Guerra Fria está em seu auge. A burocracia que acontece, é como se ele estivesse investigando para ver quanta corrupção pode haver e o quão torpes podem ser as pessoas naquele sistema. Esta história faz exatamente isso. É preciso que uma faxineira desestabilize a situação e coloque um espelho em frente às pessoas e diga, “Olhem como vocês estão se comportando”. De novo, ele ama o azarão. Acho que isso vem de um lugar dentro dele onde muitos de nós e muitos de seus fãs e amantes de seu trabalho somos os azarões em nossas próprias vidas. Sentimos que somos uma flor que precisa desabrochar e precisamos do ambiente correto para que isso aconteça. O Guillermo cria um lugar para que nós, os azarões, desabrochemos. Ele faz isso de verdade.

 

 

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