Sociedade tem obrigação de levar a sério o desabafo de profissionais de saúde

Eles estão há mais de um ano na linha de frente do enfrentamento da Covid-19 e são as testemunhas mais próximas e confiáveis dessa doença avassaladora e imprevisível

Publicado em 13/04/2021 às 02h00
Profissional da saúde
A presença de médicos, enfermeiros, técnicos e assistentes de enfermagem, fora o corpo administrativo e auxiliar de hospitais e unidades de saúde, tem sido exigida há mais de um ano na linha de frente. Crédito: Freepik

Não existe no Brasil somente uma epidemia de negacionismo, no sentido de colocar em xeque qualquer medida mais racional e cientificamente embasada de enfrentamento da pandemia.  Associada a essa doença que contamina o bom senso, há uma outra cujo principal sintoma é o descaso puro e simples, desvinculado de ideologia ou de alguma justificativa mais organizada. Nem mesmo a escalada assustadora das mortes no país, onde já virou rotina o registro diário em torno das 4 mil óbitos, consegue abalar a indiferença e promover alguma mudança de comportamento. A vida segue normal, sem percalços.

Esse tipo de atitude despreza a própria noção de vida em sociedade. E não se trata de ignorar uma parcela considerável da população que precisa sair de casa para garantir o sustento, gente que não tem a opção de trabalho remoto, em função da natureza da própria ocupação.

Os profissionais de saúde são o exemplo mais extremo: a presença de médicos, enfermeiros, técnicos e assistentes de enfermagem, fora o corpo administrativo e auxiliar de hospitais e unidades de saúde, tem sido exigida há mais de um ano na linha de frente. E eles estão exaustos, e não é só por conta da rotina extenuante. São eles também as testemunhas mais próximas dessa doença avassaladora e imprevisível, que já matou cerca de 350 mil brasileiros.

É preciso acreditar no que eles dizem. É preciso ao menos levar em consideração os relatos cada vez mais assustadores sobre a superlotação dos leitos de UTI, sobre a iminência de escassez de medicamentos para a sedação, sobre a ineficácia e os riscos do tratamento precoce. Quem está na linha de frente não faz suposições, não faz especulações sobre a gravidade da pandemia. Esses profissionais seguem, plantão após plantão, registrando com os próprios olhos as mazelas físicas dos quadros mais graves da doença. Deveria ser obrigatório a cada brasileiro prestar atenção nos relatos de quem está dentro dos hospitais. 

"Se você não acredita que o CTI está cheio, eu não posso fazer mais nada para convencer você", desabafa o médico Marlus Muri Thompson, do Hospital Evangélico de Cachoeiro de Itapemirim, em um vídeo feito para uma reportagem deste jornal que reuniu depoimentos de profissionais de saúde no Espírito Santo. 

O esgotamento profissional é também um indício das dificuldades encontradas para a contratação desses profissionais, registradas no início do mês de março em pelo menos seis Estados, inclusive o Espírito Santo. Médicos intensivistas e profissionais de Enfermagem são exigências para a abertura de novas vagas de UTI, e a falta de disponibilidade no mercado afeta diretamente as ações de enfrentamento da doença. A carência de recursos humanos esbarra na impossibilidade de formação emergencial desses profissionais.

A esperança para quem trabalha na linha de frente do combate à doença são os resultados de levantamentos preliminares que mostram que a vacinação da categoria, iniciada em janeiro deste ano, começa a ter efeito, com a redução de casos e mortes entre profissionais de saúde. A redução da vulnerabilidade se reflete também em menos danos psicológicos de quem tem de encarar a doença diariamente para tentar salvar vidas, sem colocar a própria em risco.

Esse front da saúde precisa de condições de trabalho dignas diante da carga exigida de cada um desses profissionais. A pandemia não dá sinais de melhora, e as demandas provocam um esforço sobre-humano. Já seria uma grande vitória para médicos, enfermeiros, técnicos e assistentes que a população se sensibilizasse com o desgaste físico e emocional dessas pessoas, que têm famílias, medos e esperanças, como qualquer outra. Não são super-heróis, embora mereçam o título. O mínimo que cada cidadão pode fazer é ouvir a seriedade desses desabafos e fazer o máximo possível para se prevenir dessa doença.

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