Nomeações de Bolsonaro na cultura são terraplanistas

Roberto Alvim, Dante Mantovani e Sérgio Camargo são exemplos recentes de indicados que não atendem a mínimos critérios técnicos. O alinhamento irrestrito a uma ideologia retrógrada parece ser o único requisito para as escolhas

Publicado em 16/12/2019 às 04h00
Atualizado em 16/12/2019 às 04h01
Presidente da República, Jair Bolsonaro, durante cerimônia do dia do Marinheiro. Crédito: Marcos Corrêa/PR
Presidente da República, Jair Bolsonaro, durante cerimônia do dia do Marinheiro. Crédito: Marcos Corrêa/PR

Discursos de posse costumam ser uma carta de intenções que vale a pena ser revisitada, para aferição da coerência de um governo. O texto lido pelo presidente Jair Bolsonaro no Congresso Nacional mostra, no que se refere à gestão cultural, que há um abismo entre intenção e gesto. Os danos são bem maiores do que a mera ineficiência de políticas públicas. Atentam contra a própria democracia.

Uma das promessas enunciadas no dia 1º de janeiro era de que “o Brasil voltará a ser um país livre das amarras ideológicas”. Não é o que tem feito. Desde que assumiu, Bolsonaro tem loteado ministérios e secretarias com olavistas, perseguido um suposto “marxismo cultural” que grassaria na sociedade e sufocado qualquer voz que não siga sua cartilha. Não há nada mais ideológico do que impor um pensamento único.

Um dos principais alvos dessa cruzada foi a classe artística. A censura instaurada a obras, a transferência para Brasília da agência de fomento ao cinema, Ancine, por alegado “ativismo” do órgão” e a dança das cadeiras promovida por ele na Secretaria Especial de Cultura são nada menos do que aparelhamento ideológico da máquina pública. Incorre, portanto, no mesmo erro de que acusa seus adversários.

Tal postura nasce do raciocínio embotado de que o conjunto de valores dos outros é que é ideologia, enquanto o do seus pares é coberto pelo manto sagrado da neutralidade e da mais pura lógica. Uma miopia incondizente com a de um presidente de uma das maiores democracias do mundo.

Essa mesma miopia é que levou Bolsonaro a afirmar, em seu discurso, que havia montado sua equipe “de forma técnica”. Roberto Alvim, Dante Mantovani e Sérgio Camargo são exemplos recentes de nomeações que desmentem essa declaração. O primeiro, atual secretário de Cultura, arvorou-se em uma missão divina ao dizer que está convicto de que sua batalha contra os opositores do governo “não é contra seres de carne e sangue, mas contra o próprio Mal”.

Mantonavi, que chefia a Fundação Nacional de Artes, disparou que “o rock ativa as drogas, que ativam o sexo livre, que ativa a indústria do aborto, que ativa o satanismo”. Já Camargo, que o presidente planeja instalar na Fundação Palmares, de valorização da cultura negra, sustenta que a escravidão foi positiva para os negros brasileiros. Maçante seria citar mais evidências de que os indicados estão longe de cumprir os mínimos critérios técnicos. O terraplanismo cultural e o alinhamento irrestrito à ideologia bolsonarista parecem ser mesmo os únicos requisitos para as nomeações.

A guerra ideológica de Bolsonaro contra a esquerda pode ter funcionado para levá-lo ao Planalto. No entanto, como presidente da República, ele não governa para aliados. Governa para uma nação. Ao declarar que “cultura é para a maioria, não é para a minoria”, Bolsonaro sugere que não entende nada do seu posto, nem de cultura, nem da Constituição do país que representa, que entende a cultura como direito de todos, não de alguns. Se tem uma promessa feita em seu discurso de posse pela qual deveria zelar por cumprir é aquela que ele mesmo estabeleceu como prioridade, que é a de “proteger e revigorar a democracia brasileira”.

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