Nenhuma mulher deveria ter medo dos homens que a cercam

Mulheres solicitam medidas protetivas até contra os filhos no Estado, onde crimes de gênero causados por familiares e conhecidos são cada vez mais frequentes

Publicado em 13/12/2021 às 02h00
Agressão
Mulher é agredida e tem cabelo cortado no meio da rua por ex no ES. Crédito: Reprodução

É lamentável a constatação de que a violência contra a mulher esteja arraigada de tal forma à sociedade brasileira que já faça parte da paisagem. Especificamente no Espírito Santo, antes fosse um exagero: para onde se olha, uma nova ocorrência é vista. A cada novo feminicídio, a indignação inicial é rapidamente aplainada, numa espécie de letargia coletiva.

Basta lembrar de um caso de agressão bem recente: um ex-namorado que não aceitava o fim do relacionamento corta os cabelos de uma jovem no meio da rua; a cena é gravada por um celular, mas ninguém consegue reagir ou ao menos chamar a polícia, algo até de certa forma justificável em bairros onde há o domínio do tráfico e impera a lei do silêncio. A prova de que a ausência do Estado provoca um acúmulo de vulnerabilidades.

Nesse contexto, a informação divulgada pelo colunista Leonel Ximenes de que 7% das medidas protetivas solicitadas por mulheres à Defensoria Pública Estadual entre maio de 2020 e outubro de 2021 no Espírito Santo estavam relacionadas a mães buscando proteção contra seus filhos acaba causando menos espanto do que deveria, diante das atrocidades noticiadas diariamente. Nem é o caso de entrar na natureza dessas ameaças, que podem envolver de casos de envolvimento com drogas a questões de gênero, mas o que salta aos olhos é a suscetibilidade da violência contra a mulher em todos os níveis de relacionamento.

Obviamente,  maridos ou companheiros das vítimas lideram a estatística, com 46,9% das denúncias de violência. Outros 46% dos pedidos têm como alvos parentes, namorados ou pessoas com algum tipo de relação próxima com a denunciante. Em todos os casos, são mulheres que convivem com o risco nas relações primárias, com as pessoas mais próximas do seu convívio, sendo que nem os filhos podem ser considerados um porto seguro.

Não se pode falar em apatia: as campanhas estão espalhadas em todos os meios, na tentativa de conscientização. Mulheres agredidas e testemunhas de violência são cada vez mais incentivadas a denunciar, como forma de consolidar uma rede de proteção que, em última instância, seja capaz de inibir a agressividade masculina. E as discussões sobre o machismo estrutural estão em todos os cantos, com o estímulo de uma cultura de respeito às mulheres que tenha início na infância. Nada disso, contudo, tem surtido efeito para diminuir essa violência. Em outubro passado, o Espírito Santo já havia superado em 2021 o número de feminicídios do ano anterior.

A legislação brasileira teve avanços nas últimas décadas, da Lei Maria da Penha à Lei do Feminicídio, mas pouco conseguiu superar esse estigma feminino traduzido em tantas mortes violentas. A lei ainda é incapaz de evitar a recorrência inaceitável desses crimes porque ainda não encontrou o caminho da transformação cultural, na qual homens consigam enxergar as mulheres como pessoas com autonomia, com direito de escolher a vida que desejam viver.

É um caminho árduo, no qual as mulheres ainda precisarão gritar por seus direitos, e o poder público, em todas as esferas, não pode abandoná-las. A lei precisa continuar sendo dura, mas buscando construir redes de apoio que sejam capazes de acolher cada mulher que esteja sofrendo, vítima de quem quer que seja. Um filho, um namorado, um marido. Nenhuma mulher deveria ter medo daqueles que a cercam. 

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