Bolsonaro consegue politizar tudo, mas sem fazer política

Em vez de fortalecer o jogo democrático, abrindo o diálogo com as instituições que modulam os interesses sociais, resolveu entrar em uma guerra inútil

Publicado em 27/04/2020 às 06h00
Atualizado em 25/05/2020 às 15h25
Jair Bolsonaro após ato pró-golpe militar
Jair Bolsonaro após ato pró-golpe militar. Crédito: Instagram

Jair Bolsonaro não é a Constituição, diferentemente do que bradou o próprio presidente um dia após discursar em um ato a favor do AI-5 e da intervenção militar, entrincheirado diante do quartel-general do Exército, em Brasília. Afinal, não atentaria contra si próprio nem mesmo com palavras, como acabou fazendo naquele mesmo domingo. Essa confusão de papéis, que tanto pode ser encarada como um autoritarismo latente quanto uma ignorância absurda do seu compromisso com o Estado democrático de Direito, não é novidade desde muito antes da chegada do capitão reformado ao poder.

O ineditismo do mais recente episódio de afronta à democracia está vinculado ao contexto, quando não só os brasileiros, como toda a população do planeta, atravessam uma pandemia sem precedentes, com autoridades buscando consensos científicos, médicos e políticos para a tomada de ações, quase sempre drásticas, para evitar que o novo coronavírus se espalhe a ponto de colapsar os sistemas de saúde, provocando uma avalanche de mortes. É uma causa comum e humanitária, que não se dissocia de medidas emergenciais para garantir o amparo econômico a quem mais precisa.

Se até bem pouco tempo o Brasil não era para principiantes, atualmente nem mesmo os mais experimentados têm vez, basta ver a forma como o conhecimento acadêmico e a ciência estão sendo desprezados quando mais se precisa deles. Chegou-se a um nível de politização da pandemia no qual vale qualquer subterfúgio para se ter a última palavra, mesmo cercada de uma ignorância orgulhosa. É a politização sem a política, personificada em um presidente que faz ressoar um discurso autoritário justamente por encontrar eco em certos setores da sociedade.

A falta de traquejo político de Bolsonaro, como ficou evidente no próprio pronunciamento após a demissão de Sergio Moro, é pura egolatria, desde quando decidiu que não negociaria com o Congresso ou que compraria briga com o Supremo. Em vez de fortalecer o jogo democrático, abrindo o diálogo com as instituições que modulam os interesses sociais, resolveu entrar em uma guerra inútil da qual nem o próprio tem chances de sair vencedor. Todos perdem.

Bolsonaro acredita ter sepultado a velha política em prol de uma nova, baseada em quem fala mais alto. Não há interlocução, há somente sobreposição de vozes. Faz falta a boa política, capaz de abrir caminhos para que projetos e reformas imprescindíveis para o país caminhem no seu tempo. A relação com o Legislativo, hoje, encontra-se estressada.

Mas o presidente é menos refratário do que faz parecer; ao mesmo tempo que ladra, recua quando pressionado. Os militares têm sido o freio dos arroubos autoritários. Bolsonaro sente o baque do isolamento político, tanto que já ensaia a formação de uma base aliada. Flerta até mesmo com velhas raposas políticas de índole comprovadamente questionável, caso de Roberto Jefferson, do PTB. Ainda está longe, portanto, da política saudável.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Jair Bolsonaro Manifestação

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.