Publicado em 19 de abril de 2019 às 23:52
A reforma trabalhista freou a máquina de arrecadação dos sindicatos e trouxe desafios para as organizações patronais e de trabalhadores sobreviverem depois de perderem uma receita milionária do imposto sindical.>
Para os 260 sindicatos registrados no Espírito Santo, o repasse ficou 87% menor ano passado em relação a 2017, segundo cruzamento de dados feitos pelo >
, grupo de jornalismo de dados da Rede Gazeta, a partir de informações da Secretaria de Trabalho, do Ministério da Economia.>
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Em 2017, as instituições localizadas no Espírito Santo receberam R$ 39,6 milhões. Como a taxação passou a ser facultativa, em 2018, a renda foi de R$ 5,06 milhões, quase R$ 35 milhões a menos. Cinquenta e quatro sindicatos, por exemplo, nem receita tiveram.>
Em volume, a maior perda foi do Sindicato dos Comerciários (Sindicomerciários), que deixou de arrecadar R$ 4,5 milhões ao ano, recebendo, em 2018, apenas R$ 375 mil.>
O Sindicato dos Metalúrgicos (Sindimetal) também viu uma queda expressiva nos repasses. Deixou de receber R$ 1,64 milhão ao ano para ficar com R$ 34,8 mil.>
No lado dos trabalhadores, a terceira maior perda foi do Sindicato dos Rodoviários, uma redução de R$ 1,15 milhão. A entidade alcançou somente uma verba de R$ 28,2 mil. O Sindicato dos Bancários também viu a receita de R$ 980 mil se transformar em R$ 862.>
Entre as instituições patronais, a Federação do Comércio (Fecomércio) foi a mais atingida com uma diminuição de R$ 1,2 milhão. Ano passado, a organização recebeu R$ 311,9 mil.>
A Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), que arrecadou R$ 827 mil, em 2017, recebeu R$ 160 mil em 2018.>
Novas regras>
Novas mudanças feitas deixaram a situação ainda mais devastadora para as organizações, principalmente para aquelas que dependiam dessa rubrica para financiar as atividades.>
A lei, que mudou as regras trabalhistas e tornou a contribuição sindical facultativa, continuava a permitir o desconto no contracheque. Para que o empregador fizesse a operação, no entanto, a entidade sindical deveria apresentar as autorizações escritas pelos trabalhadores.>
No mês passado, o governo Bolsonaro endureceu as normas. O pagamento passou a ser por meio de boleto, enviado pela representação de classe para o contribuinte.>
No Estado, pelo menos seis organizações, conforme antecipou o Gazeta Online, conseguiram liminares na Justiça para continuar fazendo a cobrança nos vencimentos dos trabalhadores.>
Caixa-preta>
Até a nova lei trabalhista, o sistema de contribuição sindical era compulsório. Todos os trabalhadores e empresas eram obrigados a pagar.>
O problema é que o sistema não tinha qualquer controle, o que tornava o setor um terreno fértil para multiplicação de instituições, algumas constituídas apenas para ser beneficiadas pelo dinheiro dos trabalhadores.>
Conforme revelou a reportagem A caixa-preta dos sindicatos, do Gazeta Online, em 2016, muitas organizações não conseguiam ter representatividade, não tendo nem 15% da força de trabalho filiada a alguma entidade.>
A contribuição sindical equivale a um dia de salário de cada trabalhador dos setores público e privado. Para as empresas, é recolhida uma quantia baseada no capital social da empresa.>
Na divisão da verba dos trabalhadores, 60% vão para os sindicatos, 15% para as federações, 10% para as centrais, 5% para as confederações e 10% para a secretaria de Trabalho. No caso dos empregadores, 20% ficam com a Secretaria do Trabalho.>
PARA SOBREVIVER, ORGANIZAÇÕES DEMITEM E FECHAM UNIDADES>
Sem o dinheiro certo da contribuição sindical, sindicatos no Estado precisaram se reestruturar para manter as portas abertas. Demissões de funcionários e mesmo o fechamento de postos de atendimento foram as saídas encontradas pelas organizações.>
O Sindicato dos Comerciários, por exemplo, cortou 60% do quadro. Ao todo, 30 pessoas foram desligadas. O presidente da instituição, Rodrigo Rocha, explica que tem sido feita uma campanha para atrair novos filiados e, assim, custear as atividades sindicais.>
Ano passado, após a reforma trabalhista, o Sindicomerciários conseguiu ampliar em 30% o número de associados. Hoje, são 15 mil pessoas. A expectativa é aumentar em mais 30% o número de trabalhadores vinculados.>
Tivemos que reduzir nossos custos, o que é ruim. O trabalhador sai prejudicado, pois deixamos de oferecer vários serviços, afirma Rocha ao dizer que uma das medidas para cortar as despesas foi fechar sete unidades. Em alguns municípios, o atendimento ainda ocorre por meio de uma unidade móvel, mas não todos os dias.>
Outro sindicato com queda expressiva na arrecadação do imposto sindical, o Sindimetal disse que, apesar da perda de receita, as operações não foram tão comprometidas. A contribuição sindical representava apenas 40% da receita total. Nossos principais recursos sempre viveram das mensalidades, das taxas negociais e dos honorários advocatícios, afirma o presidente da entidade Max Célio de Carvalho.>
Ele revela que o Sindimetal sempre foi contra a taxação obrigatória. Estamos recuperando a nossa perda, mostrando aos trabalhadores a importância de se associar. Estamos tendo resultados positivos, acrescenta. A categoria já conta com 7 mil pessoas filiadas. A meta é alcançar os 30 mil trabalhadores que atuam no segmento.>
Filiações>
O Sindicato dos Bancários também tem conseguido mais associados. Temos 70% de todos os bancários sindicalizados e fazemos campanhas permanentes para conquistar novos membros, explica o diretor da instituição Carlos Pereira Araújo.>
Segundo ele, o entendimento da organização foi sempre de que cabe aos trabalhadores financiarem os sindicatos voluntariamente. Nunca defendemos o imposto sindical. Mas, no nosso ponto de vista, ele não deveria ter acabado de uma forma tão brutal. Isso deixou muitas entidades em apuros. A casa caiu para quem tinha pouco associado, diz.>
Mesmo dizendo que o fim do pagamento obrigatório não trouxe tantos impactos, Araújo conta que o Sindibancários precisou também se reformular. Houve algumas demissões para equilibrarmos as finanças. Mas agora a situação está regularizada.>
ALTERNATIVA CERCA DE POLÊMICA>
Com o fim da contribuição sindical obrigatória, sindicatos têm buscado outras fontes de receita para manter as operações. Algumas organizações têm incluído nas convenções coletivas taxas negociais, uma espécie de cobrança com a finalidade de pagar as negociações salariais.>
A cobrança é polêmica por ter, em certos casos, características obrigatórias, fazendo com que o trabalhador passe por uma verdadeira via-crúcis para ficar livre do desconto no salário.>
A advogada trabalhista, Jeane Martins, doutoranda em Direitos e Garantias Fundamentais, diz que com a reforma trabalhista, os sindicatos têm criado alternativas para fazer a recomposição, no entanto, existem jurisprudências afirmando que as taxas assistenciais só podem ser cobradas dos sindicalizados. Em minha opinião, se todos se beneficiam da convenção coletiva, o certo é que todos contribuam. Mas as regras permitem que hoje quem não é filiado tenha direito de se opor.>
O advogado empresarial Leonardo Motta afirma que empresas e empregados têm o direito de não contribuírem. Nem por isso, esses grupos podem ficar de fora dos benefícios das convenções coletivas.>
A situação ainda não está pacificada. Alguns entendem que se o empregado não quer contribuir também não pode receber os benefícios. Para mim, isso pode criar uma concorrência desleal. Entendo que as negociações devem atender a toda a categoria.>
O advogado especializado em Direito Empresarial e Trabalhista José Arciso Fiorot Júnior defende a mesma ideia. Acredito que essa contribuição pode ser fixada no acordo coletivo. Porém, o trabalhador pode não concordar com o desconto das taxas negociais. E precisa estar livre para ir ao sindicato solicitar o não pagamento.>
ENTIDADES PATRONAIS SE REINVENTAM>
Organizações patronais também precisaram passar por mudanças para adaptar os custos à nova realidade. Prevendo a redução de arrecadação, a Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) enxugou em 50% os custos e tem atuado para atrair contribuições voluntárias.>
A arrecadação caiu drasticamente de um ano para outro para todas as federações. Fizemos uma grande reestruturação para gastar com o essencial, para dar mais respeito ao dinheiro coletivo. Não podíamos operar com o mesmo custo de antes, explica o presidente da Findes, Léo de Castro.>
Segundo ele, o planejamento das atividades da instituição teve como foco criar projetos para aumentar a competitividade da indústria e integrar os interesses da sociedade. Estamos criando uma agenda que discuta temas como infraestrutura, inovação, burocracia e tributação. Assuntos de interesse do empresário. Ao falar de pautas coletivas vamos incentivar a contribuição voluntária, explica.>
Neste ano, os sindicatos da indústria vão enviar boletos de contribuição confederativa facultativa e esperam também pagamentos espontâneos. Nosso trabalho é pragmático. As empresas vão reconhecer nossa atuação e, com isso, vamos arrecadar mais do que no período de contribuição obrigatória, acrescenta ao dizer ainda que a Findes tem dado transparência aos gastos para passar segurança aos associados e tem trabalhado para que os diretores sindicais não se perpetuem no poder, abrindo oportunidades para novas lideranças.>
A Federação do Comércio também precisou se reformular diante das perdas. A organização não demitiu funcionários, mas precisou cortar investimentos e não abrir novas unidades de atendimento diante do volume menor de contribuição sindical.>
Estamos num momento difícil. Mas estamos tentando dar retorno aos nossos associados, fazer cursos, dar palestras para captar o interesse das empresas de contribuir para os sindicatos e para a federação, explica o vice-presidente da Fecomércio, João Elvécio Faé.>
G.Dados>
É o grupo de jornalismo de dados da Rede Gazeta, que tem como objetivo qualificar e ampliar a
produção de reportagens baseadas em dados na Redação Multimídia. Jornalismo de dados é o
processo de descobrimento, coleta, análise, filtragem e combinação de dados com o objetivo de
construir histórias. Confira outros trabalhos aqui.>
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