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Ascensão social: 615 mil filhos ganham mais que os pais no ES

Ascensão social: 615 mil filhos ganham mais que os pais no ES

Metade dos filhos subiu na pirâmide social, aponta pesquisa

Publicado em 4 de fevereiro de 2018 às 01:03

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O pai João Batista e o filho André Félix, que se tornou o médico da família e hoje tem uma clínica de tratamento da dor crônica. (Vitor Jubini | GZ)

Mesmo sem completar o ensino fundamental, João Batista Félix, 64 anos, sempre incentivou os três filhos a estudar e a batalhar por um futuro melhor. Ele veio com a família há 25 anos de Itarana para Vitória em busca de melhores condições. Na Capital, o primeiro filho, André Félix, 37, conseguiu uma bolsa e fez faculdade de Medicina, se tornando médico anestesista.

“Meu pai já fez de quase tudo nessa vida. Minha mãe fazia salgadinhos e chup-chup para vender. Eu fui o primeiro da casa a ter um curso superior e uma profissão melhor. Entrei na faculdade, virei o doutor da família, e há dois anos abri minha clínica especializada em dor crônica, que foi a primeira do Estado, e tem dado bastante certo. Mas o incentivo e apoio deles foi fundamental”, conta André.

Depois de André, os dois irmãos mais novos também fizeram faculdade. Juntos com o pai, eles montaram uma oficina mecânica em Vila Velha. Os filhos de João, que subiram na vida graças ao seu incentivo, fazem parte dos 615.980 capixabas que alcançaram a tão desejada ascensão social.

Levantamento feito pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) com exclusividade para A Gazeta, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2014, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que mais da metade dos filhos consegue alcançar uma profissão melhor que a dos pais, subindo degraus na pirâmide social.

O estudo aponta que a ascensão social no Estado, cerca de 53%, é maior inclusive que do resto do país, que gira em torno 50%. Segundo a diretora presidente do IJSN, Gabriela Lacerda, esses números são fruto da vinda das pessoas para a cidade, onde há melhores empregos.

“O Brasil, apesar de ser muito desigual, vivenciou mobilidade considerável. E aqui temos um índice ligeiramente melhor. Afinal é um Estado menor e com bom investimento em educação. Além disso, se vê uma ascensão que está diretamente atrelada ao processo de urbanização, com as pessoas vindo para as cidades, estudando e conseguindo melhores empregos”, explica.

Edna Santana e a filha Amanda, que é gerente de RH. (Carlos Alberto Silva | GZ)

Filha única da empregada doméstica Edna Maria Santana, 50, que estudou até o ensino médio, a auxiliar de recursos humanos Amanda Santana, 23, se formou há um ano em Administração e hoje já ganha o dobro do que sua mãe mensalmente. A vida dura que a mãe levava foi o que, segundo Amanda, a motivou a correr atrás de algo melhor.

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Eu paguei minha faculdade, mas minha mãe sempre me apoiou quando eu não podia. Com meu trabalho, a gente saiu do aluguel e financiou um apartamento. Se subi na vida foi porque ela me deu esse apoio

Amanda Santana Sodré, gerente de Recursos Humanos
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Ascensão social é ainda maior no campo

Na zona rural de Domingos Martins, os irmãos Márcio Plínio e Telmo Marques foram criados pelos pais, que eram agricultores. Das plantações de banana e tangerina, o pai, Antônio, que estudou até o ensino médio, tirou o sustento da família e mesmo com as condições difíceis conseguiu ver os filhos engenheiros.

“Nunca houve nenhum incentivo nem determinação para a gente continuar ali, no caminho da roça. A gente chegou a ajudar na terra, mas o estudo sempre foi prioridade. Assim, eu consegui uma bolsa no Prouni e fiz Engenharia Civil, que era uma área que sempre me identifiquei. Se nós saímos da roça pra nos tornarmos engenheiros, é porque nosso pai nos apoiou”, conta Márcio, que hoje tem 23 anos.

Os irmãos Telmo e Márcio Marques, hoje engenheiros, são filhos de produtores rurais. (Carlos Alberto Silva | GZ)

O irmão dele, Telmo Marques, 33, trabalhou com o pai no campo durante cerca de cinco anos. Mas sempre encarou aquilo como algo provisório. “Era em função da necessidade. Meu pai mesmo dizia que era para a gente estudar e buscar algo melhor. Ele sempre orientou assim e tinha esperança que a gente traçasse uma carreira mais promissora do que a que eles acabaram levando”, comenta Telmo, que é engenheiro de produção.

Os trabalhadores agrícolas, como o chefe da família Marques, estão na base da pirâmide social, de acordo com a divisão do IBGE, que classifica os profissionais em estratos ocupacionais, de A F, levando em conta a renda e a escolaridade das funções. E é justamente entre os trabalhadores rurais onde a ascensão social é maior.

No Estado, um terço dos filhos em que o pai trabalhava na roça deixaram o campo e subiram na pirâmide, alcançando empregos e salários melhores.

“O fato de ser no estrato F que a gente vê a maior mobilidade ocupacional está conectado com a urbanização. A velocidade do processo de urbanização brasileiro foi muito grande, tanto é que temos esse déficit de saneamento e infraestrutura urbana. As pessoas vieram do campo para a cidade, onde há melhores empregos e mais acesso à educação, que também é um dos principais motivos dessa ascensão”, explica a economista Ana Carolina Giuberti, que é diretora de Estudos e Pesquisas do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN).

MUDANÇAS

Além das alterações no estrato dos trabalhadores rurais, com poucos filhos seguindo o mesmo caminho dos pais, outra área em que os descendentes estão seguindo menos a profissão dos progenitores é a da indústria, serviços e construção civil. De acordo com a pesquisa, 4% dos filhos de pais que trabalhavam nessas profissões hoje estão em postos mais altos.

Se os estratos ocupacionais da base da pirâmide ficaram menores com a ascensão dos filhos, os do topo cresceram. Juntos, os três níveis mais altos de profissões – que englobam funções como dirigentes, profissionais com ensino superior, trabalhadores de nível técnico e de serviços administrativos –, cresceram 22%, com mais pessoas ocupando funções mais bem remuneradas.

FÔLEGO CURTO

Apesar de positiva, a ascensão social dos capixabas é, na maioria dos casos, de fôlego curto. Ou seja, muitos conseguem uma ocupação melhor que a dos pais, porém poucos avançam mais de dois degraus na pirâmide social. Outro número preocupante é ainda os 168.290 que desceram de estrato social.

“Para a gente ter uma mobilidade de longa distância, é fundamental ter igualdade de oportunidades e garantir a qualidade da educação. Já quanto a essa regressão, é um fruto da informalidade e da vulnerabilidade social de muitas famílias”, explica a diretora-presidente do IJSN, Gabriela Lacerda.

ASCENSÃO SOCIAL NO ESPÍRITO SANTO

TRÊS EM CADA QUATRO FILHOS ESTUDARAM MAIS QUE OS PAIS

Caçula de 10 filhos, o redator publicitário Epaminondas Paulino, 24 anos, foi um dos primeiros da casa e ter acesso ao ensino superior. A família humilde, natural do interior de Minas Gerais, tem como matriarca Maria da Conceição Soares, 67 anos, que deu o sustento para os filhos vendendo salgados. Apesar de ser semianalfabeta, ela sempre motivou os filhos a correrem atrás do ensino superior.

“Ela estudou até a quarta série e não sabe ler nem escrever, mas dizia que, além do amor, o que podia nos dar era educação, e que não queria que fôssemos trabalhar em bares ou lojas. Assim eu fui atrás, mudei para Vitória, e me formei em Publicidade. Meu irmão fez Farmácia. E fomos os únicos a terem a oportunidade de estudar na casa”, conta.

Epaminondas Paulino e a mãe Maria da Conceição. (Arquivo Pessoal)

Ter que sair de casa e morar a mais de 550 quilômetros da família para cursar a faculdade foi algo difícil para Epaminondas, mas ele sabia que essa seria uma iniciativa necessária. “Tive uma infância que às vezes tudo faltava. Para ter um bom futuro e dar uma vida melhor pra minha mãe, vi que era necessário”, afirma.

Hoje formado, Epaminondas faz parte da estatística de 905.425 pessoas que progrediram na escolaridade em relação aos pais no Estado. De acordo com levantamento do Instituo Jones dos Santos Neves (IJSN), 73,6% dos filhos possui grau de instrução maior que o dos progenitores, ou seja, três em cada quatro estudaram mais que os pais. Essa ascensão educacional no Estado supera, e muito, a ocupacional. Isso porque, segundo especialistas, mesmo com instrução maior, algumas pessoas voltam para as mesmas profissões, mas com salários melhores.

Outra curiosidade é o fato de que a maioria dos estudos realizados até aqui apontarem que o nível de escolaridade da mãe influencia no dos filhos. A subida na pirâmide educacional representa uma quebra desse cenário, em especial, como fruto do incentivo das famílias.

“A maioria dos pais são conscientes de que levam uma vida mais difícil em função da falta de estudo. Então dão incentivo para que seus filhos vão além do que eles próprios foram, e isso é algo positivo”, explica a economista Ana Carolina Giuberti, diretora de Estudos e Pesquisas do IJSN.

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Tivemos a expansão das universidades públicas, o crescimento da ofertas de bolsas e o financiamento estudantil. Tudo contribuiu para que o acesso ao nível superior crescesse

Gabriela Lacerda, diretora-presidente do IJSN
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Com a nova geração mais estudada, a tendência é que no futuro haja um equilíbrio de nível educacional entre pais e filhos. Segundo a especialista em estudos e pesquisas Estefania Ribeiro da Silva, cada vez mais o peso da educação dos pais deve reduzir quanto a dos filhos. “Quanto mais igualitária for a sociedade, com um acesso universalizado à educação superior, cada vez menos vai ser determinante a posição do pai e da mãe para a posição do filho”, ressalta.

ACESSIBILIDADE

Entre os especialistas, não há dúvidas. A ascensão educacional é fruto do maior acesso ao ensino superior, seja via universidades públicas, que criaram programas de cotas para alunos de baixa renda, de escolas públicas e pretos e pardos; ou através das bolsas e financiamentos em faculdades particulares.

“Há poucos anos, as famílias de baixa renda tiveram os primeiros integrantes entrando na universidade. Isso porque tivemos a expansão das universidades públicas, o crescimento da ofertas de bolsas e o surgimento do financiamento estudantil. Tudo contribuiu para que o acesso ao nível superior crescesse cerca de cinco vezes”, explica Gabriela Lacerda, diretora-presidente do IJSN.

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Esse também é o caso de Epaminondas. “Eu entrei na Ufes como cotista. Hoje tenho convicção que sem as cotas e sem o Reuni eu não conseguiria entrar na universidade. E sem as bolsas e auxílios eu também não teria conseguido permanecer. Foi fundamental”, comenta.

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