Formado em Economia pela Fucape e mestre em Contabilidade com foco em finanças e mercado de capitais pela mesma instituição; assessor de investimentos e sócio da Valor

O velho cabo de guerra entre política e economia

A independência do Banco Central é uma tentativa de atenuar o conflito entre política e economia. É essencial que os tomadores de decisão sobre política monetária possam tomar suas decisões de forma técnica

Vitória
Publicado em 21/02/2023 às 14h52
Edifício-Sede do Banco Central em Brasília
Edifício-Sede do Banco Central em Brasília. Crédito: Marcello Casal JrAgência Brasil

A economia é por vezes a pedra no sapato dos políticos e a política é quase sempre a pedra no sapato dos economistas. O embate entre política e economia sempre existiu e sempre existirá, pois tem origem em aspectos fundamentais dessas duas ciências.

A ciência econômica tem uma fraqueza estrutural, principalmente a discursos de cunho populista, que reside no fato de que os resultados de políticas econômicas são quase sempre contraintuitivos e aparecem em lags temporais, o que dificulta construir relações de causa e efeito.

Geralmente, o caminho correto a se seguir exige sacrifícios de curto prazo para colher bons frutos no futuro. Invertendo a lógica, é possível lançar mão de medidas que criem uma artificial sensação de melhora a curto prazo, a custo de criar problemas maiores para o futuro.

A última faceta deste embate é a tentativa por parte do Governo de influenciar na política de juros do Banco Central. O argumento é intuitivo e, analisado pela superfície, parece fazer sentido: O Brasil atualmente paga juros de 13,75% a.a. enquanto a inflação estimada para o ano de 2023 pelo relatório Focus do Banco Central é de 5,79%. Se descontarmos as taxas, o resultado é uma taxa de juros real (acima da inflação) próxima a 8%a.a, o que é alto mesmo comparado a países de nível semelhante de desenvolvimento.

As altas taxas de juros desincentivam investimentos, encarecem crédito, aumentam as despesas do Governo com o serviço da dívida e, no limite estrangulam a atividade econômica. Com tantos efeitos nocivos, por que não reduzir imediatamente a taxa Selic para níveis mais estimulativos?

O argumento do Banco Central, que é defendido quase que pela integralidade dos economistas de cunho mais ortodoxo, é que o fato de a inflação corrente ter cedido não é suficiente para que os juros caiam e que existem outras condições que devem ser atendidas antes de iniciar tal processo. A instituição ainda alerta (e a história comprova) que o custo de cair juros de forma precitada pode ser ter de voltar a subir ou mantê-los em níveis elevados por mais tempo.

Pensando na primeira parte do argumento, quais seriam as condições necessárias para criar um cenário adequado para queda estrutural dos juros? Para entender este ponto, faz sentindo relembrar quais são os fundamentos por trás da formação das taxas de juros:

Os juros de um país representam em essência a remuneração que um determinado investidor requer para financiar este país em determinado prazo. A taxa requerida pelo investidor para emprestar o recurso ao país, como em qualquer outro projeto, deve remunerá-lo pelo tempo em que este capital está sendo empregado e pelo risco que este investidor tem de não receber o seu investimento de volta. Logo, a taxa de juros depende da credibilidade, força das instituições, segurança jurídica e saúde financeira de determinado país. É por isso que países de primeiro mundo conseguem se financiar a taxas de juros muito menores do que de países em desenvolvimento.

Ao traçar um paralelo com as condições atuais e perspectivas para a economia brasileira, não é difícil perceber porque o investidor exige cada vez uma remuneração maior para financiar a nossa dívida. A dívida pública brasileira, atualmente em 74% do PIB, já é alta para os padrões de países em desenvolvimento e, na ausência de reformas estruturantes, deve continuar subindo em ritmo forte pelos próximos anos.

O principal arcabouço que tínhamos para limitar o avanço da dívida, a regra do teto dos gastos, foi driblada nos últimos anos do Governo Bolsonaro e será substituída por alguma outra regra sobre a qual o mercado tem baixas expectativas. Os ventos que sopraram em 2022, com commodities subindo e impulsionando a arrecadação do Governo, criando a sensação momentânea de sobra de orçamento, dificilmente se repetirão. Olhando para este cenário, o Banco Central se vê obrigado a continuar a apertar o freio monetário, enquanto o fiscal pisa no acelerador.

A economia não é ciência exata e existem nichos que criticam intensamente a postura do BC. Deste lado, tem destaque André Lara Resende, formulador do Plano Real e um dos mais respeitados economistas do Brasil. Segundo ele, defensor da Modern Monetary Theory (MMT), o Banco Central deveria adotar postura mais branda.

Entretanto, olhando para a história, quando o BC pisou no acelerador sem ter as condições necessária para fazê-lo, a conta a pagar foi severa. Em 2011, quando Dilma e Tombini resolveram iniciar um ciclo de queda de juros, ignorando a teoria econômica mais ortodoxa, os juros rapidamente tiveram que ser elevados a taxas ainda mais altas e o Brasil viveu a pior recessão da história.

A independência do Banco Central é uma tentativa de atenuar o conflito entre política e economia. É essencial que os tomadores de decisão sobre política monetária possam tomar suas decisões de forma técnica, buscando o melhor para o país a longo prazo e que estejam protegidos das pressões imediatas inerentes à política.

O caminho para ter juros mais baixos consiste em criar as condições institucionais para que o risco associado ao país diminua. Esse caminho é longo e exige diversos sacrifícios, mas não existem atalhos.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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