Próximo de completar 75 anos, dos quais 60 foram dedicados à Polícia Federal, Luiz Macena reconhece que a sua história é inusitada: ele iniciou sua carreira na corporação aos 14 anos. Desde então participou de inúmeras operações, viveu momentos difíceis em países em crise, testemunhou um massacre e comandou a segurança de papa, príncipe e até de um futuro presidente em visitas ao Espírito Santo.
Momentos que ele relembra com carinho e bom humor, enquanto se prepara para a aposentadoria, prevista para ocorrer até o mês de setembro. “Fui encarregado de coordenar e comandar a segurança de algumas autoridades que vieram ao Estado e executei todas com louvor e elogios, até do Vaticano (risos)”, conta, se referindo a visita do papa João Paulo II, em 1991.
A segurança do líder católico, relata, foi a mais difícil, por envolver de 6 a 7 mil homens, com a coordenação vinda do Itamaraty (Brasília) e do Vaticano, com atuação das polícias civil, militar e federal, e pelo volume de detalhes a serem observados. “Isolamos ruas, tiramos quebra-molas e galhos de árvores para o papamóvel passar. Pedi até ajuda ao governador para que fosse feito um teste de força no palco, preocupado com um possível desabamento”.
Mas ainda assim o papa quebrou o protocolo. “Minha preocupação era com a região de São Pedro e o alto índice de criminalidade. Foi feito um palco alto para a proteção de sua santidade, mas ele me olhou e para o segurança do Vaticano e falou: ‘Quero ir lá embaixo’, apontando para a multidão. Não teve jeito”, lembra Macena.
Apesar das muitas preocupações, tudo transcorreu na maior tranquilidade. “O papa se sentiu feliz e saiu realizado. E eu também. Quando a Polícia Federal monta um planejamento operacional, planeja o que pode acontecer, como evitar, e que providências adotar. Assim foi feito”.
Um ET
Já na visita do príncipe Charles à Aracruz Celulose, também em 1991, o desafio foi evitar riscos de uma possível queimadura, em decorrência das diversas caldeiras existentes na empresa. “Fui a São Paulo e trouxe vários cremes e medicamentos para qualquer eventualidade. Coloquei tudo na minha roupa. O príncipe me olhou como se eu fosse um ET (risos)”.
Mas houve momentos em que foi necessário um pouco de ação. Foi o que ocorreu nas homenagens feitas à Nelson Mandela, que três anos após visitar o Espírito Santo se tornou o primeiro presidente negro da África do Sul.
“No campo da Ferroviária, em Cariacica, houve uma confusão com os seguranças do Mandela e a imprensa. Tivemos que agir rápido para tirá-lo de lá”, relata Macena.
O massacre e o ES
O sorriso desaparece quando ele lembra outras fases de sua vida, como os quase cinco anos que passou em Beirute. Lá fazia a segurança do embaixador e da embaixada brasileira. “Várias vezes a cidade precisou ser evacuada, mas por causa da função, precisei ficar. Por todo lado o que se via era destruição, sangue, pessoas chorando, corpos dilacerados. Eu só pensava em sair vivo”.
E lá vivenciou uma tragédia. “Eu fui testemunha do massacre que houve em Sabra e Chatila, cujo número de mortos até hoje é indefinido”, relata ao se referir a morte de refugiados palestinos.
Ao voltar para o Brasil foi designado para trabalhar em Vitória, onde vai encerrar sua carreira de policial federal. “Naquela época era uma outra cidade. Aqui você tinha pessoas que controlavam o crime de uma maneira muito ostensiva. Todo mundo sabia quem era e não havia força policial que conseguisse deter este pessoal. Era toda forma de crime de mando praticado por grupo de extermínio, todos alojados dentro de uma organização criminosa chamada Le Cocq”.
A repressão a esta organização criminosa, que resultou em sua dissolução, assim como a investigação de casos de homicídio que ganharam destaque, como a morte do advogado Marcelo Denadai, variados casos de sequestros, de assaltos a bancos e até de extermínio de menores, contaram com a atuação de Macena.
Ele avalia que com a repressão aos crimes, as mudanças em várias áreas, a Capital capixaba mudou. “O crime em Vitória hoje é muito grande, vasto, mas é patrimonial e na área de drogas, com traficantes brigando por domínio de área e usuários que faltam o compromisso com os traficantes, diferente do passado”, pontua.
E como tudo começou?
Por volta do ano de 1964, com a sua família querendo que aprendesse uma profissão. Assim foi trabalhar na oficina mecânica da corporação. “Em 1965, eu fui 'aproveitado' pelo governo federal, este é o termo jurídico, na função administrativa, o que perdurou até 1968, quando fiz um concurso de agente de Polícia Federal e fui aprovado. Foi quando, de fato, iniciei a minha ação na Polícia Federal”, conta.
Em outubro, quando completar 75 anos de idade, será o limite para a sua permanência na força de segurança. Mas ele vai para a aposentadoria com saudades do que chama de sua “saga”. “Eu participei de todas as atividades da Polícia Federal nestes anos, desde missões internacionais, especiais, investigações de crime organizado, contrabando, crimes federais, homicídios, assalto a banco, sequestro. Uma saga”.
Mas de nada se arrepende. “Sou muito grato por tudo o que vivi. Fui muito feliz na Polícia Federal”. E se prepara para novos rumos, com sonhos iniciados na pandemia, em 2020. “Vou me formar em psicologia e se tiver saúde mental, vou trabalhar na área”, finaliza.
LEIA MAIS COLUNAS DE VILMARA FERNANDES
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.