Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Negociador": Sucesso da Amazon Prime se perde em roteiro medíocre

Sucesso na Amazon Prime Video, "Negociador" tem Malvino Salvador e Barbara Reis como policiais em uma série de boas ideias, mas que recorre a trapaças para surpreender

Vitória
Publicado em 26/07/2023 às 19h24
Série brasileira
Série brasileira "Negociador", da Amazon Prime Video. Crédito: Ariela Bueno/Amazon Prime Video

Desde o estranho sucesso de “Tropa de Elite”, nos anos 2000, filmes e séries brasileiros sobre a polícia pululam ano após ano nos cinemas, na TV e agora no streaming. Para cada obra como a dirigida por José Padilha, no entanto, há incontáveis atrocidades como “Operações Especiais” (2015), “Federal” (2010), “Polícia Federal: A Lei é Para Todos” (2017) ou “Segurança Nacional” (2010). Há bons produtos na lista, como a série “A Divisão” ou histórias que mostram o outro lado do conflito, como as séries “Impuros”, mas, no geral, os dramas policiais brasileiros sofrem muito com a derivação e a falta de criatividade.

“Negociador”, série brasileira sucesso na Amazon Prime Video, fica no meio do caminho: é muito bem realizada, com direção da boa Isabel Valiante (“Temporada de Verão”), e tem algumas boas ideias na estrutura narrativa, mas tropeça em um roteiro cheio de conveniências e muletas. A série criada por Thomas Stavros (do constrangedor e já citado “Polícia Federal”) e Gustavo Mello (do bom “Rota 66”) acompanha o policial Gabriel Menck (Malvino Salvador) em sua volta ao Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais de São Paulo).

Menck esteve afastado das ações desde a traumática morte de sua esposa, meses atrás, mas se considera apto a retornar ao posto de negociador de situações com reféns. Quando chega, encontra novos colegas, como a Major Lara Shakur (Barbara Reis), sua nova superior e uma oficial rígida às normas e aos procedimentos de operação, o que, claro, gera um conflito imediato devido ao estilo “vida louca” de Menck negociar com os sequestradores.

“Negociador” é uma série visualmente bem feita e com uma estrutura narrativa interessante. O texto divide a temporada de oito episódios em duas partes; na primeira, quatro episódios procedurais, com um caso de sequestro em cada um, permitindo que o espectador entenda os personagens e suas motivações. Quando a segunda metade tem início, o arco principal, uma investigação acerca da morte da esposa de Menck, ganha mais espaço e, curiosamente, a série se torna menos interessante.

Série brasileira
Série brasileira "Negociador", da Amazon Prime Video. Crédito: Ariela Bueno/Amazon Prime Video

O arco principal necessita de mais conexões, de um texto mais conectado e bem amarrado, o que “Negociador” nem sempre entrega. Não é difícil entender quem é quem desde o início da série, mas ainda assim há algumas surpresas no desenvolvimento. Freitas (Rodrigo de Odé), encarregado da corregedoria para investigar o caso, é um personagem mal construído e muito mal desenvolvido – ele dá início à investigação sem o interesse de investigar, apenas com o desejo de culpar Menck. Assim, em uma cena, o protagonista está em uma situação tensa, correndo risco de morte, enquanto o oficial observa de longe, comendo seu sanduíche tranquilamente. É quase constrangedor.

A série frequentemente recorre aos clichês de séries americanas estilo “CSI” ou até “House M.D”, com Menck solucionando tudo milagrosamente. O negociador não apenas negocia de seu jeitão “freestyle”, ele também desvenda todo o ocorrido sem muito esforço; quando Malvino Salvador olha para o vazio durante algum tempo e a câmera se aproxima de seu rosto, pode ter certeza de que Menck solucionou o caso. Isso não acontece uma nem duas vezes, sendo uma frequente no texto durante toda a temporada. Da mesma forma, para ressaltar a rigidez de Shakur, por exemplo, o roteiro a faz dizer “este é o procedimento” duas ou três vezes por episódio (e isso não é um exagero); incômodo semelhante à quantidade de vezes que o protagonista repete “minha palavra não faz curva” durante suas negociações.

Série brasileira
Série brasileira "Negociador", da Amazon Prime Video. Crédito: Ariela Bueno/Amazon Prime Video

É curioso como o texto pouco desenvolve seus personagens principais. Entendemos pouco sobre Menck e Shakur, o que prejudica a empatia do espectador. Barbara Reis se sai bem, mas a série, criada por dois homens e apenas com uma mulher na equipe de seis roteiristas, comete erros bobos. Por exemplo, Shakur é colocada em uma posição de poder, uma major responsável pelas operações (e pelo procedimento…) do Gate, mas ela poucas vezes exerce esse poder. No início, isso parece mais um problema de seus policiais, mas o texto a coloca várias vezes confrontando o modo de agir de Menck com ele, ao fim, salvando o dia.

“Negociador” escancara a trapaça de segurar revelações até o final, deixando um gancho para uma inevitável segunda temporada. Ao fim, quando tudo parece resolvido da maneira mais previsível do mundo e sem chegar a lugar algum, a série apresenta uma grande surpresa. O impacto é um recurso obviamente indispensável em obras do tipo, mas essa revelação nunca é ensaiada pelo texto durante os oito episódios nos quais prefere direcionar o espectador para suspeitas infundadas. Funciona? O impacto está ali e faz com que o espectador queira voltar para novos episódios, mas a que custo? Talvez ao custo daquele detalhe que separa uma boa obra de uma medíocre.

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