Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Continência ao Amor", da Netflix, vale pela potência de Sofia Carson

Sucesso na Netflix, "Continência ao Amor" ("Purple Hearts") é bom drama musical, mas se perde em subtramas e na propaganda exacerbada do exército dos EUA

Vitória
Publicado em 02/08/2022 às 20h20
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Filme "Continência ao Amor", da Netflix. Crédito: Mark Fellman/Netflix

Uma das protagonistas da franquia juvenil “Descendentes”, Sofia Carson dava vida a Evie, a filha da Rainha Má (da Branca de Neve), no sucesso da Disney. A atriz se tornou também um sucesso absoluto como cantora e hoje conta com mais de quatro milhões de ouvintes mensais só no Spotify. Sofia cresceu, seu público também, e agora, aos 29 anos, a atriz/cantora leva essa maturidade às telas, deixando a fantasia Disney de lado e lançando o drama “Continência ao Amor”.

Sucesso na Netflix, “Continência ao Amor” é dirigido por Elizabeth Allen Rosenbaum a partir do livro de Tess Wakefield. O filme conta a história de Cassie (Sofia Carson), uma musicista que trabalha como garçonete enquanto luta por uma carreira no mundo da música, mas sua chance parece não chegar nunca. Cassie descobre uma diabetes que acaba com sua organização financeira. A falta de um sistema de saúde pública, sempre relevante em obras americanas justamente por sua precariedade, é a faísca que coloca o roteiro do filme em movimento, pois, como o tratamento para a diabetes é caríssimo, Cassie não tem como arcar com ele e precisa de uma solução.

Um belo dia, um amigo de Cassie, fuzileiro naval, vai ao bar em que Cassie trabalha com um grupo de outros fuzileiros - é necessário ressaltar que a protagonista é uma filha de imigrantes, liberal, progressista, anti-armamentista e contra as constantes invasões americanas em países do Oriente Médio. Nesse dia ela conhece Luke (Nicholas Galitzine, de “Cinderella”), um fuzileiro bonitão e gente boa, mas para quem ela não dá chance alguma. É também nesse dia que Cassie descobre que os benefícios de um casamento com um fuzileiro acabariam com seus problemas. Após alguns acontecimentos, e devido ainda a um problema financeiro de Luke, eles arrumam um casamento por conveniência um dia antes dele partir para o Iraque.

Com seus problemas financeiros resolvidos, Cassie consegue se dedicar à música e emplaca um sucesso viral; não demora e sua banda, a Cassie Salazar and the Loyals, passa a lotar shows na Califórnia. A vida de Luke, no entanto, não está fácil em meio ao conflito com os soldados iraquianos. Sem entrar em spoilers, é óbvio que o casamento de fachada se tornará algo mais e o casal terá que entender os próprios sentimentos para superar as adversidades.

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Filme "Continência ao Amor", da Netflix. Crédito: Hopper Stone/Netflix

“Continência ao Amor” é uma grande propaganda do exército americano e dos sacrifícios feitos pelos soldados em nome da “liberdade”. Cassie é logo tachada de radical e acusada de não entender o drama dos fuzileiros, mas vê sua carreira musical decolar com uma música feita “para os soldados americanos” enquanto Luke se sacrifica pelo país após ter se sacrificado também por ela. O sacrifício, inclusive, é um tema recorrente do filme, que ganha ares de melodrama em diversos momentos justamente por esse aspecto.

O filme tem problemas de roteiro, que prejudicam seu ritmo, e alguns conflitos desnecessários, como o de Luke e Johnno (Anthony Ippolito), que até movimenta o texto, mas o faz de forma artificial. “Continência ao Amor” é muito melhor quando investe na dinâmica entre Cassie e Luke tentando funcionar como um casal, mas pouco explora esse arco, talvez dificultado pela inconstante química entre o casal.

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Filme "Continência ao Amor", da Netflix. Crédito: Courtesy of Netflix

“Continência ao Amor” é interessante também quando aposta em seu lado musical acompanhando a ascensão de Cassie e com as músicas dialogando com a relação dela com Luke, ajudando a contar a história de forma orgânica e pouco didática - há uma forte influência de “Nasce Uma Estrela” em parte da narrativa e isso funciona bem.

Há diversas subquestões a serem discutidas sobre o filme. O texto trata o exército como o fator salvador e transformador, é ele quem salva Luke de sua vida pregressa, é quem, por seus benefícios, possibilita Cassie seguir seu sonho. O roteiro busca o heroísmo, o já citado sacrifício, e nunca sequer discute as consequências ou até a legalidade de um conflito que nunca acaba; é Cassie quem se dobra à importância do exército enquanto o mais próximo que Luke chega de rever conceitos é aceitar um cachorro ou perceber que a polícia ignora o bairro de imigrantes em que a mãe de sua esposa vive.

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Filme "Continência ao Amor", da Netflix. Crédito: Courtesy of Netflix

Tudo no filme é justificado pela luta pela liberdade, pela manutenção do american way of life em que o sacrifício é heroico e a dor vale uma medalha, a Purple Heart (Estrela Púrpura) que dá o título original à obra e que o pai de Luke obteve durante a primeira guerra contra o Iraque, nos anos 1990; uma cena entre os dois momentos antes do fim do filme, quando Luke está diante de um novo sacrifício, deixa essa relação bem clara.

Ao fim, “Continência ao Amor” é um drama musical bem feito e um ótimo veículo para a explosão de carisma e talento que é Sofia Carson. O filme, no entanto, se esforça demais para apresentar subtramas desnecessárias e mensagens patrióticas que roubam tempo de um bom drama musical com doses de melodrama e romance.

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