Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

Bom "Persuasão", da Netflix, é Jane Austen para fãs de "Bridgerton"

Heresia ou liberdade criativa? "Persuasão", clássico da romancista Jane Austen, ganha adaptação influenciada por "Bridgerton" e "Fleabag"

Vitória
Publicado em 15/07/2022 às 18h18
Filme
Dakota Johnson em "Persuasão", da Netflix, que adapta a obra de Jane Austen com pegada moderna. Crédito: Nick Wall/Netflix

Basta uma breve busca no Google para perceber que a imprensa britânica já tem seu candidato a pior filme do ano, “Persuasão”, da Netflix, que readapta o clássico livro de Jane Austen (1775 - 1817) em uma versão não apenas despida da pompa dos textos da romancista, mas potencializando o tom cômico da autora e conferindo a o clássico uma linguagem mais contemporânea.

Renomada diretora de teatro, Carrie Cracknell faz sua estreia cinematográfica no filme lançado pela Netflix. Seu “Persuasão”, porém, tem pouco da dramaturgia teatral, tendo como referências óbvias dois sucessos recentes das plataformas de streaming: “Bridgerton” e “Fleabag”.

Da primeira, sucesso da Netflix ao adaptar os livros de Julia Quinn, “Persuasão” busca a estética, a recriação de uma Inglaterra multirracial, com negros e asiáticos em posição de poder e como parte da nobreza. Já da série protagonizada por Phoebe Waller-Bridge para a Amazon, o filme utiliza a constante quebra da quarta parede em busca de uma conexão, uma cumplicidade entre a protagonista Anne Elliott (Dakota Johnson) e o público.

“Persuasão” é a história de Anne, uma jovem nobre que encontrou o grande amor de sua vida no marinheiro Frederick Wentworth (Cosmo Jarvis), mas foi persuadida a deixá-lo, pois ele não era parte da nobreza. Oito anos depois, Anne se encontra desiludida, mais interessada em garrafas de vinho do que em supostos pretendentes - seu coração ainda bate pelo antigo amor, mas eles não se falam desde o momento da partida. As circunstâncias, no entanto, cruzará o caminho deles novamente. Será que a antiga chama será reacesa ou cada um seguirá com suas vidas?

Filme
"Persuasão", da Netflix, adapta a obra de Jane Austen com pegada moderna. Crédito: Nick Wall/Netflix

“Persuasão” é considerado o livro mais sombrio e sério de Jane Austen, então é normal que a adaptação de Carrie Cracknell incomode os puristas. Para um público que talvez não tenha Austen como um ícone, o filme funciona. Apesar do sotaque britânico horroroso, Dakota Johnson é ótima como Anne, conseguindo criar intimidade e cumplicidade com o espectador a cada olhar diretamente para a câmera, como se comentasse os absurdos que está ouvindo/vendo com quem está em casa - as conversas às vezes são exageradas, mas também funcionam.

O texto de Ron Bass e Alive Victoria Winslow ridiculariza os costumes e encontra força nas atuações do Dakota Johnson, Richard E. Grant (Sir Walter, pai de Anne) e Yolanda Kettle (Beth, a irmã mais velha da protagonista). É interessante como o roteiro brinca com Walter e Beth conferindo a eles falas absurdas que parecem levadas a sério por todos os personagens menos Anne, que compartilha com o público tal absurdo. O patriarca representa a burguesia falida, vivendo de pompa em uma sociedade em que aparência é tudo. Já Beth é completamente egoísta, pouco interessada nos outros e que vive de perpetuar todas as regras sociais que hoje parecem tão bobas.

Filme
Cosmo Jarvis em "Persuasão", da Netflix, que adapta a obra de Jane Austen com pegada moderna. Crédito: Nick Wall/Netflix

A nova versão de “Persuasão” diminui a tensão o texto original ao conferir a ele um tom mais moderno. Sem levar a sério as amarras sociais, o roteiro constrói o relacionamento entre Anne e Wentworth com poucos empecilhos além dos encontros e desencontros tão comuns nas histórias do gênero. Em determinado ponto, Anne parece mais estar em uma história de Bridget Jones do que em um clássico de Jane Austen.

Isso não acontece apenas com a protagonista, Lady Russell (Nikki Amuka-Bird), responsável por convencer Anne a largar Wentworth oito anos antes, não é corroída pela culpa como nos livros - o sentimento está ali, é citado em um diálogo do terceiro ato, mas o conflito silencioso entre o medo de Anne decepcionar a conselheira que, por sua vez, se sente culpada, é totalmente diluído.

Filme
"Persuasão", da Netflix, adapta a obra de Jane Austen com pegada moderna. Crédito: Nick Wall/Netflix

É claro que o “Persuasão” da Netflix não é o clássico de Jane Austen, mas, ainda assim, é uma boa brincadeira com o livro, trazendo-o para novos contextos e para uma nova geração. Dakota Johnson está ótima como Anne, charmosa e afetuosa, mas também com uma dose de esquisitice para que compremos ela ser uma “pária” na família.

O design de produção de John Paul Kelly e o figurino de Marianne Agertoft mantêm uma pegada mais clássica, mas também menos pomposa, o que combina com alguns anacronismos de comportamento e, principalmente, de expressões que obviamente não eram usadas na Inglaterra do século XIX.

Filme
Dakota Johnson em "Persuasão", da Netflix, que adapta a obra de Jane Austen com pegada moderna. Crédito: Nick Wall/Netflix

Se for possível para o fã de Jane Austen entender o novo “Persuasão” como uma brincadeira, uma homenagem, ele pode até se divertir. Para quem não tem preocupação nenhuma com isso, a atuação de Dakota Johnson e o divertido texto já fazem valer a conferida no filme da Netflix, uma história de amor competente que sabe brincar com as antigas convenções e ganhar uma roupagem atual.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Netflix Literatura Rafael Braz Streaming

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.