Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Black Bird": ótima série da Apple tem história de crime real

Com uma pegada similar à de "Mindhunter", "Black Bird" conta a história de um traficante que se aproxima de um serial killer a pedido do FBI

Vitória
Publicado em 12/07/2022 às 16h23
Série
Série "Black Bird", da AppleTV+. Crédito: Apple/Divulgação

Poucos autores são tão cinematográficos quanto Dennis Lehane. Desde “Sobre Meninos e Lobos” (2003), vários de seus livros ganharam adaptações em filmes como ‘Medo da Verdade” (2007) e “Ilha do Medo” (2010). Lehane também escreveu episódios de “The Wire” e foi um dos principais roteiristas de “Mr. Mercedes”. Assim, não é uma surpresa que ele assine como criador de “Black Bird”, série da AppleTV+ que adapta o romance autobiográfico de James Keene “In With the Devil” (inédito no Brasil).

Em seis episódios (dois já estão disponíveis), “Black Bird” é a história surpreendente de Jimmy (Taron Egerton), um charmoso traficante de drogas que acaba preso com uma longa sentença. Ele então recebe uma proposta do FBI: ser transferido para uma prisão de segurança máxima para se aproximar de Larry (Paul Walter Hauser), um serial killer suspeito de ter matado várias meninas; se cumprir sua missão, será liberado de sua sentença. O desespero dos federais se dá pelo fato de um recurso da defesa de Larry estar prestes a ser julgado procedente e anular a condenação. Por isso, Jimmy terá que usar seu charme para conseguir informações e uma confissão que leve a polícia a encontrar o corpo das jovens desaparecidas.

Os episódios iniciais são ótimos ao construir a dinâmica de dualidade dos personagens. Primeiro vem Jimmy, ex-estrela do futebol americano da escola local, inteligente, bonito e charmoso, mas que opta pelo caminho do tráfico. A série volta no tempo para nos apresentar Larry, inicialmente desconsiderado como envolvido no desaparecimento das jovens por ser tratado como o “bobo” da cidade, mas descoberto pelo detetive Brian (Greg Kinnear) como principal suspeito. Sabemos desde o início que os dois construirão uma relação próxima, mas é interessante como os conhecemos antes disso, criando uma antecipação para o primeiro contato entre eles.

“Black Bird” não reinventa nada e tampouco é uma série de narrativa ousada, ao invés disso, ela se sustenta em realizar tudo com maestria e precisão. O texto é enxuto e a série está sempre em movimento mesmo que de forma discreta - não se trata de uma história de grandes solavancos ou cenas de ação, mas de uma narrativa criada nos diálogos que conduzem o espectador pelas viradas não muito diferente da saudosa “Mindhunter”.

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Série "Black Bird", da AppleTV+. Crédito: Apple/Divulgação

Esse estilo narrativo depende demais dos atores, pois é com os personagens que percebemos a dimensão de cada descoberta. Egerton é ótimo como o protagonista, um sujeito inicialmente arrogante, mas que usa a casca para esconder fragilidades. Jimmy se transforma à medida que seu relacionamento com Larry se desenvolve, pois sua busca por liberdade pode ou não estar esbarrando na condenação de outra pessoa. “Black Bird” trata essa dúvida com sutileza, dividindo-a entre personagens e espectadores, levando, assim o público a se questionar “o que você faria?”.

Paul Walter Hauser é espetacular como Larry, um sujeito facilmente manipulável e com fama de confessar tudo para ter alguma atenção. Larry alterna o tom de voz, o humor e a expressão facial rapidamente, segundo a situação e, principalmente, de quem o cerca. É impossível imaginar dois personagens tão antagônicos quanto Jimmy e Larry, mas a relação que a série constrói entre eles é ótima e bem desenvolvida, sem nunca parecer forçada.

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Série "Black Bird", da AppleTV+. Crédito: Apple/Divulgação

A série ainda traz Ray Liotta (1954 - 2022) em um de seus últimos papéis. O ator vive o pai de Jimmy, um ex-policial com saúde debilitada e gradualmente consumido pela prisão do filho. O personagem é desenvolvido em alguns flashbacks, mas tem seus melhores momentos no mix de fragilidade e rudeza de Liotta. Greg Kinnear também vai bem como o detetive obstinado que passa a se questionar sobre o caso.

O caso, a premissa e os personagens se encaixam tão bem que é até difícil acreditar não terem sido pensados para a dramaturgia. É óbvio que o livro de James Keene já trazia situações romanceadas que acabaram potencializadas pelo texto final de Lehane para a série, mas trata-se de uma série true crime. É questionável, assim, a narração em off que confere a “Black Bird” um tom mais lúdico, remetendo ao clássico “Os Bons Companheiros” (1989), dirigido por Martin Scorsese e estrelado por Ray Liotta - a série se destaca mais ao apostar na crueza que lembra o espectador de que aquilo é verdade. A narração pelo menos é pouco utilizada após a sequência inicial.

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Série "Black Bird", da AppleTV+. Crédito: Apple/Divulgação

Reforçada pela trilha sonora original do Mogwai, “Black Bird” é tensa o tempo todo e uma série que mostra a força de uma boa história, com bons textos e excelentes atuações. Em vários momentos, é difícil acreditar estar diante de uma história real, mas basta uma busca no Google para confirmar fatos e situações, algumas tão absurdas que renderiam spin-offs sobre o sistema penal estadunidense. Mesmo despertando curiosidade para outros arcos, a minissérie criada por Dennis Lehane tem a duração ideal, sem floreios ou excesso de tramas secundárias, apenas o tempo necessário para desenvolver os personagens e contar a história de Jimmy e Larry.

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