Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"A Garota da Moto": filme de ação com Maria Casadevall tem altos e baixos

"A Garota da Moto" leva o universo da série de TV homônima para as telas do cinema com Maria Casadevall dando sopapos em muito marmanjo

Vitória
Publicado em 28/09/2021 às 20h25
Filme
Filme "A Garota da Moto". Crédito: Paris Filmes/Divulgação

Entre 2016 e 2019, 51 episódios de “Garota da Moto” foram ao ar no SBT divididos em duas temporadas. A série criada por João Daniel Tikhomiroff e escrita por David França Mendes contava a história de Joana (Christiana Ubach), uma motogirl que luta para sustentar o filho de oito anos enquanto se vira pelas ruas. Joana é implacavelmente perseguida por uma milionária viúva que acredita seu falecido marido tinha um caso com a motogirl que, por isso, se muda para São Paulo em busca de paz, mas acabou perseguida por seu passado. Joana aprendeu a lutar para defender sua família e também para não se tornar uma vítima no machista ambiente das ruas da maior cidade do país.

Tudo isso é brevemente contado nos créditos iniciais de “A Garota da Moto”, filme dirigido por Luis Pinheiro atualmente em cartaz no Estado. No longa, Maria Casadevall substitiui Christiana Ubach (grávida à época do início da produção) como a heroína e a produção também é bem superior à da série, que pode ser conferida no Amazon Prime Video.

“A Garota da Moto”, o filme, não é exatamente uma continuação da série, mas sim um novo produto, como disse o produtor João Daniel Tikhomiroff em entrevista à coluna. “Jamais se pensou no filme como uma adaptação da série, ele é uma outra história totalmente inédita. O que tem de igual são alguns personagens e o universo em que eles giram. Seria o mesmo que comprar a série de ‘Missão: Impossível’ com os filmes, apenas como referência”.

Assim, o roteiro não se preocupa tanto com as amarras das histórias já contadas, apesar de respeitá-las e inserir elementos como o motoboy Marley (Felipe Montanari), presente nas duas mídias. “Eu gosto de pensar a história da Joana como se aquela da série tivesse existido e, um tempo depois, voltamos a encontrá-la nessa São Paulo distópica. Gosto de pensar nas referências de Hitchcock, Brian de Palma, George Miller, Frank Miller, nos quadrinhos, e colocar isso na perspectiva feminina, na figura da Joana”, explica o diretor Luis Pinheiro.

De fato, a São Paulo de “A Garota da Moto” não é um lugar fácil se se localizar no espaço/tempo. O próprio visual de Joana, como destaca Maria Casadevall, é um pouco anacrônico. “É uma cidade meio distópica, meio Gotham City. A roupa é meio anos noventa, com a cintura baixa, mas tem uma agressividade com o couro”, pondera a atriz.

Maria Casadevall gosta de destacar também que a luta de Joana não apenas física, mas também por um reconhecimento de lugar. “É uma personagem de potência diferente no universo das minhas outras personagens. É uma mulher comum, com um trabalho precarizado, uma mãe solo lutando pra sustentar a família e que passa por uma série de violências físicas e sociais”, pondera. “Meu desejo era falar com meu corpo sobre essas violências. Queria trazer pra cena a minha raiva, a minha fúria e a minha vontade de sair socando tudo”.

Maria diz que a personagem tem inspiração óbvia em heroínas de quadrinhos, como a Mulher-Maravilha ou a Viúva Negra, mas diz gostar também muito da Uma Thurman em “Kill Bill”. “A Joana é uma mulher que não fecha os olhos diante da violência, desses absurdos sociais, políticos e sanitário que vivemos”, ressalta.

Toda a trama do filme gira em torno de um desses momentos. Durante uma entrega, Joana vê uma mulher sendo agredida. Ao investigar o local, desvenda um esquema de tráfico de mulheres. O problema é que o “esquema” também descobre Joana e passa a querer eliminá-la, o que obviamente não será nada fácil.

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Filme "A Garota da Moto". Crédito: Paris Filmes/Divulgação

“A Garota da Moto” tem uma ambientação brutalista interessante e uma fotografia eficiente que torna São Paulo um lugar reconhecível, mas ainda assim distante. Tecnicamente, o filme usa bem a iluminação para criar o clima em torno da personagem - a casa de Joana é escura e inóspita, uma coisa meio industrial que combina com a caracterização já citada por Maria Casadevall.

Como filme de ação, “A Garota da Moto” tem altos e baixo. As lutas são filmadas com cortes rápidos e muito próximas, o que garante a urgência e corrige imperfeições, mas também pode torná-las um pouco confusas. O filme usa mais de uma vez o recurso de o personagem atacar a câmera como se fosse o rival.

É interessante ver como Joana usa técnicas distintas para enfrentar vilões distintos. Se o adversário é muito maior que ela, como vários o são, a protagonista opta por golpes de jiu-jitsu e imobilizações, em outros casos, porém, parte para a “trocação” aberta. Nesses momentos, a impressão que se tem é de estar assistindo a um ensaio da equipe de dublês.

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Filme "A Garota da Moto". Crédito: Paris Filmes/Divulgação

A entrega e a intensidade de Maria Casadevall são notáveis, mas todos os envolvidos parecem ter receio de machucar o colega de cena - falta força à ação. Em outros casos, a opção por diferentes ângulos de câmera resolveriam o problema de um chute que passa muito longo do rosto do alvo, por exemplo.

O grande problema do filme, porém, é o texto. As viradas são previsíveis e falta desenvolvimento a todos os personagens e às relações entre eles. Os colegas de trabalho de Joana, que até ganham importância na trama, são rasos, assim como os policiais vividos por Naruna Costa e Duda Nagle. Apenas Joana, ainda que apressadamente, tem algum desenvolvimento. O roteiro aposta nos clichês imediatamente reconhecíveis pelo espectador para oferecer um reconhecimento imediato. É um recurso, mas confere ao filme uma pegada que o aproxima de séries de TV aberta.

“A Garota da Moto” é um filme de ação bem feito e é compreensível a empolgação de todos os envolvidos com sua estreia nos cinemas, espaço cada vez mais restrito aos grandes blockbusters. Apesar disso, o filme com Maria Casadevall encontraria (e provavelmente ainda encontrará) um espaço mais amigável em alguma plataforma de streaming e talvez até no formato seriado, a origem do material, que possibilite uma exploração maior do universo de ação criado com Joana e de todo o ambiente dos motoboys.

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Filme "A Garota da Moto". Crédito: Paris Filmes/Divulgação

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