Nessa coluna, Nanda Perim fala de sua experiência como psicóloga e educadora parental, dando seu parecer sobre questões atuais da educação infantil, trazendo dicas, humor e muita novidade boa!

O ciclo do estresse e a atmosfera familiar

Com o isolamento, estamos mais reativos, o que nos torna mais críticos, briguentos e irritáveis. E sabe quem mais recebe tudo isso? A criança, que sofre dos mesmos problemas, mas não tem válvula de escape

Publicado em 09/07/2020 às 20h19
Pais brigando com filho
Na quarentena, as crianças têm ouvido que não podem reclamar, chorar, brigar, fazer barulho, nem correr pela casa . Crédito: Shutterstock

Estamos oficialmente trancados em casa há quase quatro meses e nosso corpos já passaram por vários estágios. Já passamos de "isso é temporário" para "isso nunca vai acabar". Já passamos do "estamos curtindo" para "estamos odiando" e agora "estamos  acostumados, cansados e sem perspectiva". Sim, foram muitos estágios.

Mas tem algumas coisas em comum entre esses estágios: incertezas. As incertezas trazem pro nosso corpo a sensação de perigo, colocando-o em alerta.

Isso faz com que a gente produza cortisol e adrenalina, que nos deixa sensibilizados, estressados, com muita fome e pouco sono. Se identificou?

E, quando estamos assim, ficamos muito mais reativos, o que nos torna mais críticos, briguentos, irritáveis, reclamões. E sabe quem mais recebe tudo isso, na cadeia hierárquica familiar?

As crianças são criticadas, humilhadas, repreendidas, reprimidas, criticadas de novo. Crianças ouvem que não podem reclamar, chorar, brigar, gritar, brincar muito alto nem correr pela casa. Acontece que os corpinhos das crianças também estão passando pelos mesmos processos, com os mesmos níveis altos de cortisol, sem poder ir para parquinho, correr, brincar e dar gargalhadas. Elas estão sem ver os amigos, parentes, vizinhos... Estão sem pegar sol, sem colocar o pé na terra nem na areia. Todas as válvulas de escape das crianças estão fechadas, são como panelas de pressão no fogo alto, que levam uma enorme bronca quando começam a apitar.

Parece sufocante, né? E é. E essas crianças, que também estão estressadas, que estão hiperativas, ficam cansadas de só levar broncas e críticas e começam a agitar ou deprimir. Ou seja, ou a criança fica eufórica sem saber lidar com tanta adrenalina, e leva mais bronca ainda. Ou ela fica quieta, parada em frente a uma tela, sem brincar, nem correr, nem gargalhar, para não incomodar os adultos com sua infância.

Essas crianças que estão sendo válvula de escape dos adultos vão ficando cada dia mais estressadas, comendo muito e dormindo mal. Elas, então, ficam ainda mais hiperativas e sensibilizadas, chorando por ‘nada’ e precisando de muita atenção. E o adulto, por sua vez, sensibilizado, se irrita com esse "comportamento inadequado" e dá broncas, tapas e castigos nessa criança, que apenas não tem maturidade para lidar com tudo isso que está acontecendo. Ufa! Que ciclo! Um ciclo difícil de quebrar, todo mundo estressado, estressando todo mundo. Como lidar?

Primeiro de tudo é se conscientizar que o ciclo existe. Isso já é um excelente começo. Outro ponto de partida é entender que você é o adulto da situação, e como tal precisa ser quem vai tomar as rédeas. Quebrar o ciclo é papel do adulto, que precisa se conscientizar do processo que o leva a descontar esse momento difícil e estressante na criança.

Quanto mais conseguirmos cuidar de nossa paciência e nossas explosões de raiva, quanto mais conseguirmos ser colo em tempos difíceis, ao invés de mais bronca, mas a atmosfera da nossa casa vai se acalmar, abrindo espaço para que a criança se sinta segura, e seu corpo produza menos adrenalina. E quanto mais tranquila essa criança, menos gatilhos você terá ao longo do dia, conseguindo também desestressar com o tempo. Sim, isso é possível, mas não estou dizendo que você se tornará um monge zen que não perde a boa. Estou apenas te sugerindo trabalhar isso para melhorar e tornar possível diminuir o estresse contínuo com sua família.

E como fazer isso:

Precisamos buscar estratégias que possam ajudar a nos controlar e aumentar nosso tempo de reação entre o momento que sentimos a raiva chegando até a hora que efetivamente "explodimos". Isso tornará possível tomar um tempo positivo para respirar e se tranquilizar, para só depois retomarmos. Exemplos:

Criar uma rotina, para que possa fazer cada atividade do dia num momento, sem precisar nos preocupar com as outras coisas, pois teremos tempo para elas.

Analisar quais são seus gatilhos. O que te irrita e te faz perder a calma? Analisando isso, você conscientemente percebe seus gatilhos presentes e consegue decidir por se afastar e se acalmar antes da raiva tomar conta.

Entender seus contextos. Quais são as coisas no seu dia a dia que te deixam mais ou menos reativo, e como organizar sua vida para melhorar isso.

Ter tempo para você, e todo dia fazer alguma coisa que ame e que te faz bem.

Saber o que te acalma. A grande maioria de nós não aprendeu a administrar emoções, apenas a reprimi-las? Sem educação emocional, aprendemos que não deveríamos demonstrar raiva nem chorar, mas isso significa que aprendemos a ignorar essas emoções, engolir até estourar. Isso não é o mesmo que saber lidar! Portanto, muitos de nós não nos sentimos na liberdade de expressar emoções, as guardamos até explodir ou até mesmo não sabermos como nos acolher e acalmar.

Portanto, devemos assumir que estamos aprendendo - assim como nossas crianças - e entrar num projeto pessoal de identificar o que nos acalma.

Além disso, vale ter na sua rotina - diária, semanal e mensal - horários específicos para tranquilizar. Isso é, ter horários na sua rotina para fazer coisas que você AMA, que te relaxam, te renovam, te deixam uma pessoa mais leve e tranquila!

Ter na rotina momentos em que você vai priorizar sua saúde emocional e possibilitar que você esteja bem sempre, todo dia.

Meditar, dançar, cantar, assistir um filme, tomar um vinho, relaxar, bater um longo papo divertido.

Quando perder a boa, o que fazer?

Aqui vai uma dica: quando ficamos bravos, é nosso cérebro primitivo tomando conta. Nosso "dino" sai da jaula e a gente não consegue pensar direito. Acontece que as químicas que "tomam conta" levam SEIS SEGUNDOS para liberar o dino. Isso mesmo, seis segundos. Portanto, a dica que te dou é seis segundos para se conectar:

Fazer uma lista de seis coisas que te acalmam e, na hora da raiva, enumerá-las. Pode ser uma cor, uma lembrança, um cheiro, um lugar, uma música e uma textura. E assim, devagar, quebramos o ciclo do estresse que reina em nossa casa nesses tempos de quarentena.

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