Mariana Reis é administradora de empresas e educadora física. É pós-graduada em Gestão Estratégica com Pessoas e em Prescrição do Exercício Físico para Saúde. Atua como consultora em acessibilidade e gestora na construção e efetivação das políticas públicas para a pessoa com deficiência em Vitória

Vamos falar sobre sexo? Puxa uma cadeira

Em pleno século XXI, ainda acredita-se que a mulher e o homem com deficiência não têm sexualidade. São vistos (ainda) de forma infantilizada, a serem protegidos e cuidados – postura bastante comum com adolescentes com deficiência intelectual

Publicado em 03/11/2020 às 16h46
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A pessoa com deficiência precisa ser um homem ou mulher em busca de prazer, com responsabilidade e equilíbrio, seguros de sua capacidade de se envolver, de se apaixonar, de se entregar. Crédito: Reprodução/ Instagram @90scigarettes

Um dia ouvi que somos todos sedutores natos. Naquele momento não entendi muito bem e no processo da vida fui descobrindo que uma das maiores forças, depois do meu acidente, e que envolvem a sexualidade, é a sedução. Sempre tratei com leveza o fato de ser cadeirante e acho que isso facilita o fluir das emoções com o outro. Quando me apaixono, mergulho num mar repleto de afetividade. E são muitas as ondas que uma pessoa com deficiência precisa pular para se permitir encarar a paixão livre de regras e desinformação.

As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental, disse um dia Vinicius de Moraes, resumindo e definindo as aspirações da maioria dos homens em relação às mulheres. A intenção aqui não é discutir o quanto o nosso poeta foi machista ao dizer essa frase. Mas sabemos que além de machista, ele foi também um grande galanteador e deixou o amor e a suas dores bem mais bonitos. Enfim, Vinicius de Moraes deixou o país inteiro um pouquinho mais belo. Felizmente, a beleza é um conceito relativo. E tudo depende de comparado com o quê.

Bonito é o que

Entretanto, em nossa sociedade, a beleza física e a perfeição ainda são muito valorizadas, e maciçamente divulgadas pela mídia, fazendo-nos, erroneamente, atribuir ou restringir a sexualidade ao aspecto físico. Podemos perceber que mitos abrangem os modelos normativos relativos à sexualidade (vida social, afetiva e amorosa que envolve os relacionamentos, a auto-imagem, questões de estética e atração, sedução e gênero) e às práticas sexuais (desempenho sexual funcional e o sexo considerado saudável). Em todos os casos, baseiam-se em modelos normativos que são ideológicos e construídos socialmente e prometem uma felicidade idealizada e exagerada a todos nós, mas que atinge, diretamente, àqueles que vivem com uma deficiência visível e por ela são estigmatizados.

Em pleno século XXI, ainda acredita-se que a mulher e o homem com deficiência não têm sexualidade. São vistos (ainda) de forma infantilizada, a serem protegidos e cuidados – postura ainda bastante comum, principalmente, com adolescentes com deficiência intelectual. Os mitos sobre a sexualidade e deficiência referem-se às ideias, discursos, crenças, inverdades que são ideológicas e que existem para manter e reproduzir as relações de dominação de uns sobre os outros.

O que a gente deseja

Conhecer, se informar e esclarecer mitos e ideias errôneas sobre sexualidade de pessoas com deficiências é uma tarefa importante porque essas crenças podem afetar a todos, quando por meio delas se incentivam as relações de discriminação e de dominação que podem ocorrer entre pessoas sem deficiência sobre as com deficiência, entre homens com deficiência sobre as mulheres. A deficiência não é sinônimo de impotência, e sim, uma forma de desenvolver novos métodos para sentir prazer e de igual modo sentir-se desejada ou desejado.

Essa total desinformação a respeito do assunto também traz outros grandes equívocos. Por exemplo: mulheres com deficiência física, em cadeira de rodas, não podem ter filhos ou exercer o ato sexual; ou que as mulheres e/ou os homens cegos possuem um toque mais sensível, o que tornaria o ato sexual muito mais prazeroso. Certa vez, um amigo que é cego me disse que faz amor em Braille. Fiquei curiosa mas não entrei em detalhe, embora nossos anos de amizade facilitasse a minha pergunta. Resolvi apenas praticar o amor em Braille copiando ele. Foi uma descoberta e tanto. Uau! Também paira o mito de que as pessoas com deficiência intelectual são sem-vergonhas, inconvenientes e masturbadores compulsivos, por terem uma suposta sexualidade exacerbada e sem governo. Enfim, são muitos os equívocos que precisam ser desfeitos.

Muito mais que beleza

Se por um lado já identificamos que projetos e programas de políticas públicas mundiais têm lutado pelos direitos de acesso à educação, à saúde, e à vida social daqueles com deficiência, por outro, muito pouco se tem feito ou divulgado no sentido de incentivar a inserção afetiva e sexual deles. Ampliar essas visões para além do patológico favorece o resgate da sexualidade e do erótico das pessoas com deficiência. Considero um caminho para a inclusão social. A verdadeira saúde sexual é possuir a vida, a liberdade, o movimento, o calor compartilhado. A pessoa com deficiência precisa ser um homem ou mulher em busca de prazer, com responsabilidade e equilíbrio, seguros de sua capacidade de se envolver, de se apaixonar, de se entregar.

E foi ouvindo Vinicius que terminei esse texto. E é claro que um poeta não decepcionaria assim tão rápido, exigindo apenas beleza física como critério de seu amor.   “Senão é como amar uma mulher só linda. E daí? Uma mulher tem que ter alguma coisa além da beleza. Qualquer coisa feliz. Qualquer coisa que ri. Qualquer coisa que sente saudade." Um viva às paixões.

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