Mariana Reis é administradora de empresas e educadora física. É pós-graduada em Gestão Estratégica com Pessoas e em Prescrição do Exercício Físico para Saúde. Atua como consultora em acessibilidade e gestora na construção e efetivação das políticas públicas para a pessoa com deficiência em Vitória

O que nos define?

Cada um carrega suas peculiaridades dentro desse universo chamado vida e diante da qual pairam muitas dúvidas, culpas e tantas outras perturbações e sofrimentos que ninguém sabe como ajudar ou melhorar

Publicado em 04/05/2021 às 02h00
Vila Velha
O personagem que figura hoje nesta coluna é um rapaz que cometeu um crime violento ao assassinar dois idosos em uma casa de reabilitação em Vila Velha. Crédito: Reprodução/TV Gazeta

Rafael. Cadeirante. Assassino. A história de uma pessoa reduzida a poucas palavras, mas de tanto significado. Adjetivada por sua condição, por sua ação extrema. E só. Essa é a pequena brecha que os noticiários nos dão, muitas vezes. Cabe a nós, leitores e por natureza, curiosos, buscar a história completa, caso queiramos emitir alguma opinião sobre o fragmento que nos foi mostrado. Para quem não acompanhou o caso, o personagem que figura hoje nesta coluna é um rapaz que cometeu um crime violento ao assassinar dois idosos em uma casa de reabilitação em Vila Velha.

Ao ver nos jornais a história, voltei ao tempo em que coordenava os serviços de convivência e políticas públicas para a pessoa com deficiência, na Secretaria de Assistência Social de Vitória. Lembro-me do Rafael. Na época, morador do município e como ele mesmo disse: se tornou cadeirante há doze anos devido a um tiro no peito. Senti a impotência e a tristeza percorrerem meus sentidos ao relembrar de sua história.

Por muitas vezes a situação dele passou por mim e pela equipe com a qual trabalhava, processos vindos do Ministério Público, da secretaria da saúde, e cidadania; como um caso gravíssimo de abandono pela família, condições precárias de sobrevivência, envolvimento com drogas e, principalmente, nenhuma condição de acessibilidade onde morava. Um caso que merecia urgente uma intervenção multidisciplinar do Estado, mas que encontrava fortes dificuldades para se efetivar. Ele nunca permitia que equipe chegasse até ele e na época recusava qualquer tipo de atendimento. Fomos persistentes e conseguimos avançar um pouco, promovendo o mínimo de cuidado que a saúde de uma cadeirante exige. Muitos esforços para pouco resultado. Muito triste em saber que nada adiantou e nem ele por si só conseguiu progredir.

Cada um carrega suas peculiaridades dentro desse universo chamado vida e diante da qual pairam muitas dúvidas, culpas e tantas outras perturbações e sofrimentos que ninguém sabe como ajudar ou melhorar. Foi pensando na vida humana e suas condições que ao atravessar a semana fui atropelada por uma vontade sincera de entender por que as pessoas matam outras pessoas. Especialmente, nessa atitude tão violenta do Rafael.

Não quero trazer aqui uma análise profunda das pesquisas científicas que existem para descobrir ou entender o que se passa numa mente que mata, ou nos estudos que comprovam as diferenças estruturais no cérebro de pessoas como ele. Disso não há o que duvidar, mas é preciso fazer uma reflexão sobre a violência que garotos iguais ao Rafael passaram e passam na infância, e o quanto os abusos de diferentes naturezas, sofridos por eles, também podem transformá-los em violentadores no futuro. No caso do Rafael, a pobreza se soma nesse histórico.

Patologia ou traumas, a verdade é que muitos fatores influenciam tragédias como essas. E precisam de tratamento. Tratamento que o próprio Rafael e os idosos buscavam na clínica.

Somos tão obscuros e tenebrosos que parece que todos os nomes que usamos para designar assassinos cruéis como Rafael servem de conforto para nos distanciar de pessoas assim. Ouvi tantos adjetivos como: doido frio, doente, psicopata, mas o mais evidente e que estampou os jornais foi: cadeirante. A palavra cadeirante parecia um conforto para esconder uma certa violência que todos nós carregamos.

O fato é que estamos todos a mercê do crime, vivemos o retrato da falta de acolhimento pelas instituições que deveriam nos proteger. O que vemos hoje é a banalização ou de certo modo, a legalização do crime. Cadeirantes ou não, estamos todos nós entregues.

Respeitar é palavra de ordem. Que a justiça faça sua parte e que as famílias dos idosos sejam confortadas. Que a revolta não seja alimento para o ódio e que no culto da compaixão, a paz encontre o caminho.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta

A Gazeta integra o

Saiba mais
opinião

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.