É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Crônica: Pecado de Carnaval

Mas, como é do povo ter pouco freio de mão, uma festividadezinha foi chamando outra; essa outra virou uma comemoração, e quando foram ver, os dias que antecediam a quaresma viraram dias de celebração

Publicado em 27/02/2022 às 02h00
Carnaval de Olinda costuma ser realizado nas ruas históricas da cidade, ao lado do Recife
Nesses dias, mesmo quem anda sem razão para comemorar, inventa. Crédito: Arquimedes Santos/Prefeitura de Olinda

Dizem que para torturar alguém é preciso conhecer seus prazeres...

Certamente, torturar não era a ideia... Mas, lá no século XI, quando a Igreja Católica implementou a Semana Santa, convencionando que a mesma seria antecedida por um jejum coletivo (de nada menos que quarenta dias! – a quarentena, como ficou conhecida) - ela sequer imaginava que cercear os prazeres do povo seria um belo tiro pela culatra.

Ora, foi diante da imposição deste longo período de privações que algumas festividades passaram a ser discretamente realizadas. Assim, como uma espécie de “despedida organizada”... (já que os prazeres da carne deveriam dar espaço à melancolia exatamente no primeiro dia da quaresma - ou, na famigerada quarta-feira de cinzas).

Mas, como é do povo ter pouco freio de mão, uma festividadezinha foi chamando outra; essa outra virou uma comemoração, e quando foram ver, os dias que antecediam a quaresma viraram dias de celebração.

E assim nasceu o carnaval!

Aliás, a palavra carnaval está, literalmente, ligada à ideia de deleite dos prazeres da carne, já que a expressão “carnis valles” significava exatamente carne + prazeres. Verdade!

E tem mais um detalhe: os dias de carnaval são também chamados “dias gordos” (para contrastar com a penitência do jejum da quaresma) - especialmente a terça-feira, que também é conhecida e celebrada mundo afora com o nome francês “Mardi Gras”. – Portanto, que fique claro que a culpa não é só nossa... Sim, no Brasil o Carnaval pega fogo, mas aí pelo mundo, o povo também se joga!

Então, além de explicado, fica combinado que os dias de Carnaval são dias de prazer! Dias de liberdade (ainda que temporária); dias de relaxar corpo, a cabeça e algumas (eu disse algumas), moralidades... Dias de viver a alegria, de abandonar os medos, de soltar a franga e os cabelos.

- Ah, Maria, mas nem precisava explicar tudo isso (pensou você), no Carnaval a gente se esbalda mesmo!

Justificadíssimo. Ora, fazer o que se é da natureza do ser humano ser incontrolavelmente atraído pelo proibido? E se justo nesses quatro dias, autorizados oficialmente pelo calendário, quase tudo é permitido?

Nesses dias, mesmo quem anda sem razão para comemorar, inventa.

Pra começar, seria desperdício não aproveitar o fato de termos um feriado inteiro para sermos todos iguaiszinhos... Cada um com seu apito, numa grande tribo sem chefe, onde tomar banho de cerveja pode; homem se vestir de mulher pode; pagar mico pode; chorar de alegria pode; se fantasiar pode; beijar na boca e sambar até cair, deve!!!

Então, tá resolvido! O Carnaval é mesmo um vale-tudo do bem. Ganha quem souber brincar mais e driblar melhor a ressaca moral e a física – (árbitras perversas e vingativas, que ficam na espreita e pegam pe-sadíssimo com os Joselitos).

Que sobre, enfim, bagunça, purpurina, ziriguidum, alegria e um pouco de juízo...

E que, sob o disfarce da felicidade, todos os pierrôs, baianas, piratas e gatos fiquem ainda mais pardos!

Tsc, é como disse, neste feriado, não sentir prazer é o único grande pecado.

Ah, use máscara, use camisinha, use o bem senso e vamos!

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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