Me lembro como se fosse hoje de uma noite de sábado, quando eu já estava de pijama na casa da minha prima-melhor-amiga-de-infância brincando de escritório na cama da minha tia. É como se pudesse me ver: uma menina de seus oito anos, sentada de pernas cruzadas, batendo numa caixa de sapato como se fosse uma máquina de escrever.
De repente, meus primos mais velhos, um casal de gêmeos que naquela época devia ter uns 16 anos, entraram no quarto super arrumados. Ela de saia de couro e camiseta branca, ele de calça jeans e camisa xadrez. Mas, uma coisa era estranha em ambos: além de lindos, perfumados e de cabelos molhados, eles estavam “fantasiados” de “olhos disfarçados” – é que eles iam para a festa dos óculos escuros, na “Smoke Island”.
- “Que massa!”, exclamei maravilhada.
A imagem dos meus primos ultra descolados, de óculos espelhados, indo para uma festa na Ilha da Fumaça (!) me deixou encantada. De repente a brincadeira de escritório perdeu toda graça e a gente inventou uma brincadeira nova (e mais divertida). Naquela noite a gente brincou até tarde de “se vestir para festa” (com as roupas da minha tia).
Durante toda vida e ainda, quase todos os dias, experimento esse sentimento de encantamento. Claro, disfarço como posso, mas a verdade é que sou do tipo que se impressiona fácil. Seja por uma pessoa inspirada, uma frase perfeitamente escrita ou poeticamente dita. Seja por uma música, uma idéia ou uma fotografia. Caminho boquiaberta por países estrangeiros; aprecio artistas de rua e fico hipnotizada em qualquer show ao vivo.
Não sei bem o porquê, mas em meu corpo amadurecido ficou preservada a capacidade infantil de ter olhos famintos — e também, claro, uma ingenuidade maliciosa – característica básica dos impressionáveis.
Por isso insisto em seguir meu coração e meus instintos, mesmo correndo riscos (de sofrer queimaduras ou parecer imatura). Então choro, grito, depois abraço e beijo. Amo, odeio, dou uma volta (e meia) e invento outra brincadeira.
Acho que é da natureza da personalidade ser ampla, cheia de curvas, contrastes, vales e montanhas. Por isso somos seres mutantes. O problema é que vivemos numa sociedade que insiste em afirmar que a correção está em ser estável e manter os pés firmes no chão.
Mas, ora, se até para os mais céticos e pragmáticos seguir sempre no mesmo rumo ou, como dizem, ficar ‘dentro do quadrado’, não é fácil. Que dirá para os impressionáveis!
É até engraçado: eu bem sei que o Instagram é uma ferramenta incrível, mas me angustia ter que talhar uma versão idealizada de mim mesma para fazê-la caber num retângulo de tamanho determinado. Imagine que se até para preencher ficha (de hotel ou academia), eu fico aflita! É que eu não sei (ou saberei) o que sou (ainda)! (Se escritora, produtora, stylist, bacharel, fotógrafa, designer ou só criativa).
Honestamente, não vejo problema em reinventar a mim mesma ou, de vez em quando, mudar a brincadeira. E me nego a aceitar que o estágio “adulto” me obrigue a dizer com a voz ligeiramente impostada: “ok, agora eu sou isso; faço parte deste grupo e é esta a minha opinião sobre este e aquele assunto”. Não! Obrigada.
Concordo com Raulzito e pergunto: por que ter sempre “aquela velha opinião formada sobre tudo”?
Enfim, eu que sou impressionável e não duvido nunca do brilho do mundo, vivo a vida com olhos maravilhados. (Mas, em todo caso, coleciono óculos escuros).
Viva a fantasia! Viva!
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