É historiador e mestre em Estudos Urbanos pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Pesquisa a cultura capixaba e manifestações populares brasileiras. É comentarista da CBN Vitória, no quadro Histórias do Cotidiano

Como surgiu a devoção a Zé Pelintra, a entidade da malandragem?

Tornou-se protetor dos pobres e marginalizados, das sarjetas, bares e biroscas, dos que trabalham e vivem nas ruas, daqueles que festejam a vida despidos da falsa moral e de bons costumes fajutos

Vitória
Publicado em 10/07/2025 às 05h00

Na última segunda-feira, 7 de julho, os tambores e casacas da banda de congo Panela de Barro rufaram nas margens do manguezal de Goiabeiras, saudando a maternal imagem das paneleiras, artesãs ancestrais do mais autêntico saber capixaba. O Dia das Paneleiras, instituído em 1993 pela Prefeitura Municipal de Vitória, é uma data destinada às homenagens e ações de salvaguarda da memória e saberes das moldadoras de um dos pilares da cultura capixaba.

O mesmo 7 de julho, porém, também foi dia de cantar e bater tambor para uma entidade amplamente cultuada pelo povo, conhecida até mesmo por crentes e descrentes, e aglutinadora das crenças populares do Brasil: Seu Zé Pelintra!

O “dia do malandro”, mesmo que oficialmente seja apenas na cidade do Rio de Janeiro, foi bastante festejado nos quatro cantos do país pelo povo de terreiro e por aqueles que acreditam na força do Príncipe da Jurema!

Cortejo para Zé Pelintra. Aniversário de Deborah Sabará - Bar da Zilda, Centro de Vitória
Cortejo para Zé Pelintra, no aniversário de Deborah Sabará, no Bar da Zilda, Centro de Vitória. Crédito: Divulgação

Mas vamos à história!

Como um elemento popular, são diversas as versões que narram a trajetória histórica do Zé Pelintra. Aqui, trago a que colhi em ensinamentos passados pela minha tia-avó Olguinha, iniciada na umbanda ainda criança; e nas obras do professor Luiz Antônio Simas, referência tremenda quando o assunto é brasilidades.

Ela diz que, carnalmente, Seu Zé nasceu na Vila do Cabo Santo Agostinho, estado de Pernambuco, com o nome de José de Aguiar. Mudou-se para a capital Recife, indo morar na zona boêmia da cidade, tornando-se um exímio praticante da vida vadia e suas malandragens. Mesmo imerso em farras, apaixonou-se por uma mulher chamada Maria Luziara, que arredia à vida malandra de José, não retribuiu o sentimento.

Sofrendo de amor, passou a peregrinar pelo Nordeste, percorrendo matas, praias e sertões de diversos estados da região. Nessas andanças, conheceu a Jurema Sagrada, uma religião de origem indígena, mas com influência de elementos cristãos e afro-brasileiros e também conhecida como uma linha do catimbó. Foi iniciado por Mestre Inácio, um mestre juremeiro.

Após falecer, José de Aguiar tornou-se entidade e passou a baixar em juremeiros, se apresentando como “Zé Pelintra, Príncipe da Jurema e Mestre do Chapéu de Couro!”. Quando se manifesta pelas bandas do Nordeste, Zé Pelintra se apresenta descalço, camisa aberta, calça dobrada, chapéu de couro e portando um cachimbo.

Aos acostumados com a imagem do malandro de terno, chapéu panamá, sapato reluzente, cigarro e com os Arcos da Lapa de fundo, cabe explicar que tal apresentação formou-se apenas após a grande leva de nordestinos que rumaram para o Rio de Janeiro na primeira metade do século XX.

Pelas bandas cariocas, a força da entidade adaptou-se ao meio e aderiu às vestes do malandro, uma típica figura urbana da época. Por lá também passou a baixar em terreiros de umbanda, religião afro-brasileira que atingiu uma grande popularização no país na segunda metade do século XX, levando assim o culto a Zé Pelintra a diversos cantos do Brasil.

Tornou-se protetor dos pobres e marginalizados, das sarjetas, bares e biroscas, dos que trabalham e vivem nas ruas, daqueles que festejam a vida despidos da falsa moral e de bons costumes fajutos.

Diferentemente da demonização imposta pelos paladinos da intolerância, Seu Zé Pelintra, para os que creem, é símbolo de bondade, proteção e sabedoria, sendo caminho, através da malandragem em essência, de uma vida repleta de paz e amor.

Laroyê!

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais
religião

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.