Jornalista de A Gazeta há 10 anos, está à frente da editoria de Esportes desde 2016. Como colunista, traz os bastidores e as análises dos principais acontecimentos esportivos no Espírito Santo e no Brasil

Quando uma opinião é criminosa ela rompe o limite da liberdade de expressão

O jogador de vôlei Mauricio Souza foi homofóbico em publicação nas redes sociais e abusou do direito de se expressar, cometendo um crime de acordo com a advogada criminal Jamily Bonatto

Vitória / Rede Gazeta
Publicado em 29/10/2021 às 02h00
Mauricio Souza foi dispensado do Minas após declaração homofóbica em uma rede social
Mauricio Souza foi dispensado do Minas após declaração homofóbica em uma rede social. Crédito: DC Comics/Divulgação e Orlando Bento/Minas

Parece óbvio, mas não é. Para muitos se trata de um assunto polêmico ou no mínimo delicado. Posicionamento, opinião, liberdade de expressão ou uma transgressão? O debate que incendiou as redes sociais nos últimos dias foi provocado pela repercussão de várias publicações do jogador de vôlei Mauricio Souza em uma rede social. Em meio a tantos argumentos, debates e “posicionamentos”, uma única certeza: homofobia é crime.

"Todo ser humano tem a garantia constitucional de liberdade. Pode emitir qualquer opinião e ponto. Isso é indiscutível, garantia constitucional. Mas qualquer garantia oferecida pela constituição, como tudo na vida, vai esbarrar na questão da legalidade ou não. A liberdade de expressão tem um limite: quando você emite a sua opinião e ela é criminosa, o crime se sobrepõe", foi taxativa a advogada criminalista Jamily Bonatto.

Na última quarta-feira (27), o jogador Mauricio Souza teve seu contrato rescindido pelo Minas Tênis Clube após a agremiação ser pressionada pelos seus patrocinadores masters por medidas cabíveis com relação a uma publicação do atleta em seu perfil oficial no Instagram, no dia 12 de outubro, em que ele escreveu: "A é só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar…". Comentário que veio acompanhado de uma foto que trazia uma notícia da DC Comics revelando que o Superman atual, filho de Clark Kent, assume ser bissexual nos quadrinhos e a imagem de um beijo entre dois homens.

Questionada se o comentário de Maurício se configura crime de homofobia, Jamily Bonatto, que é pós-graduada em Ciências Penais e Gestão Pública, e defensora dos Direitos Humanos e Direito das Minorias deixou bem claro o que diz a lei. "É crime sim. Desde 2019, o Supremo Tribinal Federal (STF) tipicou homofobia como crime. Na minha opinião jurídica, o jogador abusa do direito de expressão para ferir o outro. Extrapola. Tem o crime de homofobia", pontuou.

O comentário de Maurício relata uma avaliação de algo que não lhe cabe. A orientação sexual das pessoas não interessa a ninguém mais, apenas a ela mesmo. E quando o jogador de vôlei comenta: “Vai nessa que vai ver onde vamos parar”, ele está afirmando que “onde vamos parar” não é em uma situação agradável a ele por conta da orientação sexual de outras pessoas. Ele está sendo preconceituoso e criticando o próximo apenas por sua orientação sexual, o que qualifica seu comentário como homofóbico e não como uma simples opinião.

Nessa situação, Maurício pode, por exemplo, se tornar alvo de processo de qualquer pessoa da comunidade LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis, Queer, Intersexo e Assexuais) que tenha se sentido ofendida. “Sim (pode ser alvo de processo por homofobia). Qualquer pessoa da comunidade LGBTQIA+ poderia se ofender já que ele não direcionou a pessoa x ou y, direcionou a todas as pessoas que têm orientação sexual diferente da dele. Diferente do que ele acredita ser “normal”, informou Jamily Bonatto. 

O posicionamento do jogador agora ex-Minas e ex-Seleção Brasileira não mudou em nenhum momento. No dia 15 de outubro ele fez uma nova publicação reiterando sua opinião. “Hoje em dia o certo é errado, o errado é o certo. Não se depender de mim. Se tem que escolher um lado. Eu fico do lado que eu acho que é certo! Fico com minhas crenças valores e ideais”, postou. Até mesmo em seu pedido oficial de desculpas (veja o vídeo abaixo), na quarta-feira (27), Maurício relatou que apenas defende o que acredita.

QUAL O LIMITE DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO?

Mesmo cobrado e questionado por jogadores de vôlei como o companheiro de seleção nos Jogos Olímpicos de Tóquio Douglas Souza, a jogadora Carol Gattaz (Minas e Seleção), por patrocinadores que pediram para não estarem associados a um atleta com posição homofóbica e por parte significativa da opinião pública, Mauricio em nenhum momento se vê como preconceituoso ou acredita ter se posicionado de forma equivocada.

Percebe-se também que o ocorrido com o jogador levantou questionamento sobre liberdade de expressão. Assim como Maurício, muitos acreditam que o atleta apenas deu sua opinião sobre um tema e estaria sofrendo até algum tipo de censura. O jogador vem recebendo um massivo apoio nas redes sociais, tanto que em dias saiu de 200 mil seguidores para mais de 850 mil seguidores em seu perfil no Instagram. 

Um debate muito parecido com o que surgiu no início da semana quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) teve sua live derrubada pelo Facebook quando mencionou uma notícia falsa que apontava relação entre pessoas totalmente vacinadas contra a Covid-19 e o desenvolvimento de AIDS. Na ocasião muito relevaram ao afirmar que o presidente apenas trazia uma informação e acabou censurado. 

Jamily Bonatto é advogada criminalista pós-graduada em Ciências Penais e Gestão Pública e defensora dos Direitos Humanos e Direito das Minorias
Jamily Bonatto é advogada criminalista pós-graduada em Ciências Penais e Gestão Pública e defensora dos Direitos Humanos e Direito das Minorias. Crédito: Arquivo Pessoal

"A gente vive em uma democracia, e no estado democrático de direito a gente tem direitos e deveres. A gente precisa respeitar o próximo para poder exigir respeito. Quando não respeitamos o próximo passamos por cima do limite. E é justamente a limitação entre a liberdade de expressão e o cometimento de crimes", pontuou a advogada criminalista Jamily Bonatto, que também comentou sobre o apoio que tanto Mauricio, quanto Bolsonaro encontram na internet e os perigos que um discurso pode causar.

“É preciso ter muita consciência sobre o que falar. Quando o presidente se propõe a fazer um desserviço, já que ele tem comprovação científica que o que ele fala não é verdade, ele tem força para causar transtornos na sociedade. Muitas pessoas endeusam outras. Seguidores do presidente o endeusam, seguidores de Maurício o veem como referência, e o que é expresso ali vira verdade absoluta. Quando cai uma live ou um vídeo é excluído estamos vendo que as plataformas têm um compromisso social a ser cumprido. Neste caso não se trata de censura, mas de um compromisso social. Já no caso de Mauricio, ele tem o direito de se expressar desde que seu entendimento ou percepção não fira outra pessoa, ou uma comunidade. É necessário entender que atacar o outro é crime”. 

O caso de Mauricio não foi o primeiro e infelizmente não será o último de homofobia. Diferente do que muitos pensam, o meio esportivo não é um universo à parte, é mais um reflexo da sociedade. O que acontece nas ruas e em diversas esferas também chega ao esporte, o que traz a discussão e reflexão para um grupo muito grande que acompanha esse mundo. Espero que Mauricio repense tudo o que aconteceu e que as pessoas possam compreender que a internet não é terra de ninguém, e estão sujeitas às punições quando desrespeitarem as regras. Há um longo caminho a ser percorrido.

A Gazeta integra o

Saiba mais
crime Homossexualidade Liberdade de expressão Vôlei

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.