O recente surto de contaminação entre profissionais de saúde no Hospital Santa Rita, em Vitória, no Espírito Santo, é um lembrete contundente do papel central da vigilância oportuna em ambientes hospitalares — e de como ela é determinante para salvar vidas, proteger trabalhadores e manter a confiança da sociedade nas instituições de saúde.
Nas últimas semanas, vimos dezenas de profissionais adoecerem de forma súbita, com sintomas respiratórios e quadros compatíveis com pneumonia. A rápida resposta do hospital e a mobilização da Secretaria de Estado da Saúde foram essenciais para conter o avanço e iniciar a investigação da causa. Esse tipo de prontidão é o que chamamos de vigilância oportuna — a capacidade de reconhecer precocemente sinais de alerta, notificar e agir antes que um evento se transforme em tragédia.
Em qualquer serviço de saúde, a vigilância deve ser contínua, ativa e integrada. Ela começa com a escuta: o relato de um profissional que nota algo diferente, uma equipe que percebe aumento de casos, um padrão que se repete. Atualmente, a vigilância baseada em eventos (VBE), que detecta riscos à saúde a partir de informações sobre eventos, é forma mais rápida de ação. Mas ela só se transforma em resposta efetiva quando existe um sistema capaz de receber essas informações, analisá-las e agir com rapidez e transparência.
A experiência do Santa Rita mostra também como a proteção dos trabalhadores da saúde precisa estar no centro da política de vigilância. São eles os primeiros a enfrentar riscos, e muitas vezes os primeiros a adoecer. Quando cuidamos da saúde de quem cuida, fortalecemos toda a rede.
Além disso, o episódio reforça a importância de ampliar a vigilância ambiental hospitalar — que inclui o controle rigoroso da qualidade do ar, da água e das superfícies. Muitas vezes, o inimigo é invisível e se esconde em lugares inesperados. O monitoramento rotineiro dessas condições deve ser parte da cultura institucional, não uma reação emergencial. No Brasil, esse sistema é coordenado pelo Ministério da Saúde através da Rede Nacional de Vigilância Epidemiológica Hospitalar. Todo hospital público, filantrópico ou privado deve fazer parte para a rápida detecção de potenciais emergências em saúde pública.
Protocolos existem não para ficar no papel, mas para serem colocados em prática. Por isso, investir em treinamentos regulares e na atualização dos protocolos de vigilância permite que profissionais estejam preparados para identificar rapidamente sinais de risco e saibam como proceder diante de situações inesperadas. O que chamamos na gestão de emergências em: Preparação, Vigilância e Resposta às Emergências em Saúde Pública. Essa tríade é essencial na coordenação de crises.
O caso do Santa Rita não é isolado. Ele se soma a muitos outros episódios no Brasil e no mundo que demonstram que a vigilância epidemiológica não é apenas uma área técnica: é uma estratégia de cuidado, solidariedade e responsabilidade coletiva. O surto foi detectado, a autoridade sanitária foi informada rapidamente, ações de desinfecção, coleta de exames para diagnóstico laboratorial foram realizadas, cuidado específico para as pessoas contaminadas com o agente infeccioso foi providenciado e protocolos de biossegurança foram implementados. Isso resultou na contenção do surto, que desde a última quarta-feira não teve nenhum outro caso novo.
O surto segue sob investigação, ainda que já descartada várias hipóteses, como doenças virais e algumas bacterianas. Ainda que o agente infeccioso causador da doença ainda esteja sob investigação, conter as formas de transmissão com protocolos de biossegurança já evidenciados pela ciência é a forma mais efetiva.
Isso mostra o papel fundamental da vigilância em saúde: mesmo diante do desconhecimento do agente infeccioso, a prevenção das formas de transmissão salva-vidas. Foi assim, na investigação conduzida em 1854 por John Snow (considerado o pai da epidemiologia), quando investigou um surto de cólera em Londres e demonstrou que a doença era transmitida por água contaminada, contrariando a teoria miasmática (do ar ruim) predominante na época e salvou muitas vidas, em um período anterior a descoberta do microscópio e da teoria dos micróbios.
Desde o século XIX, o avanço científico transformou profundamente a compreensão de doenças e sua disseminação. Apesar dessas mudanças, um princípio permanece essencial: a inteligência epidemiológica é a base de qualquer investigação de surtos. Ela orienta a tomada de decisões e a adoção de medidas para controlar e prevenir novos casos. O primeiro passo é confirmar que de fato há um aumento incomum de casos, caracterizando um surto. Após a confirmação, é fundamental estabelecer critérios claros para definir quem é considerado caso e realizar o levantamento do número de pessoas atingidas.
Depois disso, é necessária uma análise descritiva dos dados. Essa etapa envolve examinar os casos sob três dimensões principais:
- Tempo: identificação de quando os sintomas começaram, permitindo perceber o padrão temporal do surto;
- Local: determinação dos locais onde os casos ocorreram, o que ajuda a identificar áreas críticas e possíveis fontes de infecção;
- Pessoa: caracterização dos afetados, considerando sexo, idade e condições de saúde pré-existentes que possam agravar o quadro clínico.
Reconhecer quem está em risco é essencial para direcionar ações de controle. A análise detalhada dos dados permite identificar os grupos populacionais mais atingidos pelo surto e aqueles sob maior risco de adoecer. Com base na descrição dos casos, são elaboradas hipóteses sobre a fonte de infecção, o agente infeccioso responsável, o potencial de transmissibilidade e o período de exposição. Essas hipóteses orientam as próximas etapas da investigação e a implementação de medidas de controle. Nesse surto do hospital Santa Rita, todas as etapas foram implementadas e estão sendo cumpridas.
Também precisamos falar de transparência. A comunicação aberta com profissionais, pacientes e sociedade é um componente essencial da resposta em saúde pública. O silêncio ou a omissão, nesses casos, não protege a imagem da instituição — apenas aumenta o medo e dificulta o controle.
Em cenários de surto ou risco à saúde coletiva, a comunicação de risco torna-se componente essencial. Informar de forma clara e objetiva é fundamental para combater a desinformação e garantir que todos compreendam os procedimentos, os riscos reais e as medidas de controle. Assim, a transparência não apenas aproxima a gestão dos envolvidos, mas também contribui para uma resposta mais eficaz e segura.
Por fim, a vigilância oportuna é, acima de tudo, uma expressão de compromisso com a vida. Ela exige investimento, treinamento e valorização das equipes que, muitas vezes de forma silenciosa, protegem todos nós. Que o que aconteceu no Espírito Santo sirva de aprendizado e de impulso para fortalecer os sistemas de vigilância em todo o país.
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A ciência e a saúde coletiva sempre nos mostram o mesmo caminho: agir cedo é o melhor antídoto contra o medo e a incerteza.
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