Doutora em Epidemiologia (UERJ). Pós-doutora em Epidemiologia (Johns Hopkins University). Professora Titular da Ufes. Aborda nesta coluna a relação entre saúde, ciência e contemporaneidade

Monkeypox: Brasil segue falhando na testagem, no isolamento e na vacinação

No Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde, existem 3.184 casos confirmados da doença, a maioria deles em São Paulo, com 2.158

Publicado em 18/08/2022 às 02h02

Em 7 de maio de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi informada de um caso confirmado da monkeypox no Reino Unido, em um paciente que havia viajado para a Nigéria. Desde então, a doença se espalhou para mais de 75 países, fazendo com que a OMS em 23 de julho de 2022 decretasse a doença, causada vírus monkeypox (MPXV), como uma emergência de saúde pública de interesse internacional (ESPII).

A OMS estuda renomear a doença conhecida como varíola dos macacos ou monkeypox. A ação quer evitar preconceito contra as pessoas infectadas e até casos de maus-tratos contra os animais. Segundo normas da própria OMS, vírus recém-identificados, as variantes e as doenças relacionadas devem receber nomes que não ofendam qualquer grupo cultural, social, nacional, regional, profissional ou étnico para minimizar qualquer impacto negativo no comércio, viagens, turismo ou bem-estar animal, mas infelizmente a doença foi descoberta em 1958 quando essa regra ainda não existia.

Nesta semana mais de 30 macacos foram encontrados envenenados em São Paulo. Lembrando que os macacos são vítimas da doença, assim como os humanos, ou seja, esse tipo de varíola também adoece macacos, humanos, acredita-se que o principal reservatório, onde o vírus pode ser encontrado são pequenos roedores, o principal deles os esquilos das florestas tropicais da África, principalmente, na África Ocidental e Central.

DE HUMANOS PARA ANIMAIS

Uma publicação desta semana na revista The Lancet também identificou que a monkeypox pode ser transmitida de humanos para animais, estudando um caso através de análise genéticas a transmissão da doença de um homem para seu cachorro. Portanto, esse caso levanta a possibilidade de o isolamento precisar ser feito também da pessoa infectada para seu animal doméstico.

No Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde, existem 3.184 casos confirmados da doença, a maioria deles no Estado de São Paulo, com 2.158. Vinte e dois Estados já confirmaram pelo menos um caso. Até o início de agosto, apenas oito laboratórios do SUS realizavam o teste, o que tem contribuído para um acúmulo de casos suspeitos, devido à demora no diagnóstico.

Uma movimentação da iniciativa privada para aprovar teste diagnóstico para que possam também realizar na rede privada está sendo liberada. No entanto, os planos de saúde não cobrem o valor do teste. Será preciso uma legislação garantindo o acesso ao teste diagnóstico para todos que precisem, assim como foi feito no caso da Covid-19, com a garantia do procedimento incluído no rol de cobertura obrigatória pelas operadoras de saúde.

TESTAGEM ESTÁ FALHANDO

O diagnóstico da doença tem sido um grande dificultador para impedirmos a transmissão. Devido à dificuldade de realizá-lo, muitas pessoas acabam ficando sem diagnóstico e como felizmente a maior parte dos casos tem cura espontânea, a pessoa infectada acaba não procurando o serviço de saúde, ou retardando a procura, o que faz com que a doença siga espalhando. Testar e isolar rapidamente é uma medida de prevenção efetiva na qual temos falhado.

O isolamento tem se mostrado um outro dificultador, já que poucas pessoas conseguem ficar 21 dias afastadas de atividades de trabalho, especialmente os autônomos e diaristas. Em um país com extrema desigualdade social, pensar em formas de facilitar apoio financeiro para pessoas que precisem ficar em isolamento, mas que têm dificuldade de fazê-lo por questões financeiras, deve ser uma prioridade dos governos.

MEDIDAS PREVENTIVAS

Como o isolamento é de contato, diferentemente da Covid que é transmitida pelo ar, a pessoa diagnosticada com monkeypox precisa ter um maior cuidado com objetos compartilhados, segundo as recomendações da OMS devemos observar as seguintes medidas para evitar a transmissão da doença em casa: ficar em um cômodo separado; usar um banheiro separado ou limpar após cada uso; limpar as superfícies tocadas com frequência com água e sabão e um desinfetante doméstico; usar utensílios, toalhas, roupas de cama e eletrônicos separados; lavar sua própria roupa, levantando roupas de cama, roupas e toalhas com cuidado e sem sacudi-los, colocar os materiais em um saco plástico antes de levá-lo à máquina e lavá-los com água quente, acima de 60°C; abrir janelas para uma boa ventilação; incentivar todos na casa a limparem as mãos regularmente com água e sabão ou  álcool  70%:

Essas orientações da OMS encontram muitas barreiras para serem realizadas em grande parte dos lares brasileiros, onde não há condições de isolamento em quarto separado, assim como há dificuldade de separação de objetos e roupas. E assim como em outras doenças infecciosas, haverá uma desproporção da carga da doença em grupos socioeconômicos diferentes, com maior prejuízo para as populações mais vulnerabilizadas.

A doença que se modificou recentemente devido às mutações do vírus que permitiram que ele se adaptasse melhor a espécie humana, a grande preocupação está relacionada a manifestação da doença em grupos mais vulneráveis como: crianças, gestantes e imunossuprimidos. Já há relatos de óbitos na Espanha, Brasil e Índia. Esses óbitos estão relacionados a condições de outras doenças que causavam uma diminuição de resposta imune, de defesa do organismo ao vírus.

VACINAÇÃO

Como uma doença que estava restrita ao continente africano, infelizmente houve pouco interesse da indústria em buscar novas tecnologias para tratar e prevenir a doença. Apesar disso, há uma vacina específica aprovada e um antiviral. Infelizmente também nenhum dos dois está disponível no Brasil. Além da nossas desigualdades intrínsecas nacionais, há no enfrentamento dessa doença as desigualdades globais. Se você adoecer no Brasil e se você adoecer no Reino Unido, ou nos Estados Unidos, sua condição de melhoria será totalmente diferente, visto que nesses países os cidadãos já têm acesso ao medicamento e à vacina.

Assim, como a Covid-19 nos mostrou nossa profunda desigualdade, a monkeypox consolida essa desigualdade e, ao invés de estarmos trabalhando em conjunto para resolvermos o problema global, os países ricos seguem pensando apenas em seus cidadãos.

O Brasil precisa investir em pesquisa e desenvolvimento para que possamos estar mais bem preparados para essas emergências. O investimento em pesquisa nas universidades e institutos é o primeiro passo, o segundo é recuperar a cadeia produtiva de pesquisa e inovação, investindo em empresas que possam colocar os produtos desenvolvidos pelas universidades em larga escala no mercado.

A sociedade precisa compreender a necessidade desse esforço de investir em pesquisa. Sem ele, estamos fadados a depender dos países que investem e produzem ciência, tecnologia e inovação e já vimos a história se repetir. A lógica segue sendo (e tomo emprestado a frase de Bezerra da Silva): “Se a farinha é pouca, meu pirão primeiro”. Precisamos sair dessa lógica e mudá-la para: Se a farinha é pouca, quem precisa mais primeiro.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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