As desigualdades em saúde seguem como um dos maiores desafios do século XXI, impactando de maneira mais intensa as populações marginalizadas. No Brasil, enfermidades como malária, hanseníase e doença de Chagas permanecem como sinais do abandono estrutural, principalmente entre comunidades indígenas, moradores de áreas periféricas e pessoas em situação de extrema pobreza.
Frente a esse cenário, o governo brasileiro lançou, em fevereiro de 2024, o Programa Brasil Saudável — uma iniciativa interministerial pioneira que reúne 14 ministérios e tem como objetivo eliminar 11 doenças socialmente determinadas e cinco infecções de transmissão vertical até 2030.
Baseado na proposta da Organização Mundial da Saúde (OMS) “Saúde em Todas as Políticas”, o programa integra setores como habitação, educação, meio ambiente e direitos indígenas ao planejamento de ações sanitárias em todo o país.
As doenças e infecções abordadas pelo Programa Brasil Saudável visando sua eliminação são: Doença de Chagas, Esquistossomose, Filariose Linfática, Geo-helmintíases, Malária, Oncocercose e Tracoma. As doenças incluídas para a Eliminação da transmissão vertical são: HIV, Sífilis, HTLV, Hepatite B e Doença de Chagas. Há ainda as doenças cujo foco é a sua redução e controle dentro das metas da OMS como: Tuberculose, Hanseníase, Hepatites Virais e HIV/Aids.
Ao reconhecer a complexidade para a eliminação ou controle dessas doenças e infecções, o programa adota uma abordagem abrangente, que inclui: ações de enfrentamento à fome e à pobreza - para reduzir as vulnerabilidades sociais; redução de desigualdades – por meio de ações de proteção social e garantia de direitos humanos; qualificação de profissionais de saúde - para melhorar o diagnóstico e tratamento das doenças; incentivo à ciência, tecnologia e inovação - para desenvolver novas ferramentas de prevenção e tratamento; ampliação de ações de infraestrutura e saneamento básico - para melhorar as condições de vida das comunidades.
Nesse primeiro ano do programa cinco frentes de ação foram ampliadas ou consolidadas:
- Inovação digital: aplicativos como Prevenir TB, AppHans e TeleMal ampliam o acesso ao diagnóstico em regiões remotas;
- Integração de sistemas: novos guias unificaram a certificação da eliminação de infecções como HIV, sífilis, hepatite B e doença de Chagas;
- Investimento direto: foram investidos R$ 350 milhões na prevenção de HIV e tuberculose e hanseníase em territórios vulneráveis;
- Produção nacional de medicamentos: fortalecimento da autonomia nacional diante de cadeias de suprimentos globais frágeis;
- Fomento à pesquisa: o financiamento de R$ 35,5 milhões viabilizou 70 projetos, incluindo testes de vacinas para tuberculose e esquistossomose.
Os resultados iniciais mostram avanços concretos, demostrando que investimento em políticas públicas baseadas em evidência tem um potencial de direcionar recursos e impactar a vida das pessoas. É o que foi apontado em recente publicação na prestigiosa revista The Lancet Regional Health – Americas.
O Brasil, em um ano de trabalho focalizado e ações intersetoriais com fortalecimento de infraestrutura e do complexo econômico industrial da saúde, celebra hoje a eliminação da filariose linfática como problema de saúde pública em 2024; o avanço no controle da malária, com aumento de 40% nos testes rápidos e a introdução do novo medicamento, a tafenoquina, que com apenas uma dose tem alto potencial de cura e redução de reeinfecção; o alcance dos critérios da OMS para eliminação do tracoma; e a entrega para a OPAS/OMS em junho de 2025 do dossiê para certificação da eliminação da transmissão vertical do HIV, um marco da potência e liderança do país no programa de controle do HIV/aids.
No entanto, ainda há muitos desafios. Um dos cenários que permanece complexo apesar dos progressos é a região Yanomami, impactada pela oncocercose, que sofre com pressões do garimpo ilegal e degradação ambiental. Além disso, as mudanças climáticas intensificam doenças transmitidas por vetores, principalmente na região amazônica, exigindo respostas adaptativas.
Ou seja, as mesmas estratégias de controle de doenças infecciosas podem não ter o mesmo efeito nessa nova conjuntura de emergências climáticas. Acrescentam-se a isso ainda as desigualdades regionais de infraestrutura em saúde, o que dificulta sobremaneira o diagnóstico precoce e a instituição do tratamento oportunos. Outro enorme desafio é a fragmentação de dados com múltiplos sistemas de informação que dificultam o monitoramento efetivo das políticas.
A experiência brasileira traz lições importantes para outros países de renda média e baixa. Governança intersetorial, inovação com equidade e resiliência frente às mudanças climáticas são fundamentais para romper ciclos históricos de doença e exclusão.
Para que o Programa Brasil Saudável tenha continuidade, será necessário manter a vontade política, o engajamento comunitário e os investimentos sustentáveis. Uma preocupação que se torna evidente frente as múltiplas prioridades em uma país que está entre as dez maiores economias do mundo, mas onde persistem desigualdades estruturais ainda gigantescas, conforme demostrado na carta dos movimentos sociais.
Permitir que doenças evitáveis persistam como símbolo da desigualdade é um fracasso moral e prático que o Brasil não pode mais aceitar.
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