
Fomos, nos últimos dias, fortemente impactados pela notícia de um importante líder religioso, dito evangélico, que publicamente afirmou não ter autorizado que suas filhas fizessem faculdade. Utilizou-se do argumento de que o homem deve ser o “cabeça da família” e que o estudo poderia colocar em risco esse preceito bíblico, comprometendo, a felicidade familiar.
Esse discurso, aparentemente isolado, carregado de comicidade e insanidade, parece nos remeter aos primórdios da civilização e do obscurantismo que sustentou, e ainda sustenta, o atraso civilizatório em muitas partes do mundo. Faz, na realidade, parte de um projeto maior, consistente e fortemente engendrado na política, na economia e na cultura.
O neoconservadorismo norte-americano, que se alastrou na política brasileira, tem nos submetido a uma onda de falsa moralidade, capitaneada por igrejas evangélicas e por setores conservadores da sociedade.
Por meio da distorção do texto bíblico, lideres religiosos utilizam-se de uma hermenêutica retórica sofista, construtora de falsas verdades e interpretações direcionadas à consecução de suas intencionalidades espúrias. Capturam, assim, mentes e corações, transformando a sociedade e promovendo retrocessos, ainda não devidamente avaliados no que respeita às graves consequências que deles advirão.
Estivesse esse discurso restrito ao universo de instituições religiosas de baixa e pequena representação cultural, sem um escopo doutrinário sólido e validado apenas por lideres e grupos sem credibilidade intelectual, o assunto poderia ir se esvaindo em meio aos milhares de balões de ensaio que todos os dias vemos nas redes sociais.
O problema é que esse discurso vem sendo pronunciado também, ainda que com rebuscadas palavras, por representantes de instituições de credibilidade acadêmica e doutrinária, com sólida vinculação à educação. Os denominados protestantes históricos, sucessores de Lutero, o Profeta da Liberdade, deveriam indignar-se diante de tamanho anacronismo
Ainda que de forma reduzida, acanhada e rechaçada com veemência, no interior dessas denominações históricas, grupos ultraconservadores, denominados de neopuritanos, vêm pronunciando esses mesmos discursos. Tentam desconstruir o ensinamento de seu mestre, Jesus, que assegura dignidade às mulheres na mesma medida em que a garante aos homens.
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Os herdeiros da Reforma protestante, movimento religioso responsável pela vigorosa redução do analfabetismo na Europa e, em especial, do analfabetismo feminino, com desdobramentos em todo o mundo, precisam se posicionar, denunciando os retrocessos que lideres comandados por interesses escusos vem provocando em seu meio, sob o risco de pagar o preço desse retorno à era das trevas.
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