É escritora de ficção e professora de cinema. Escreve às terças-feiras sobre livros, filmes, atualidades variadas e fatos contemporâneos

Fernanda Montenegro e as mulheres nas academias de letras

A eleição de Fernanda Montenegro, como candidata única e sem concorrentes à cadeira 17 da ABL faz parte desse cenário inevitável de transformações

Publicado em 12/10/2021 às 02h00
Fernanda Montenegro completa 90 anos
Fernanda Montenegro terá candidatura única à Academia Brasileira de Letras. Crédito: Companhia das Letras/Divulgação

atriz Fernanda Montenegro está eleita por antecipação para a Academia Brasileira de Letras. Alguém me pergunta o que eu penso sobre isso, já que o objetivo comum a todas as academias de letras é o cultivo e a defesa de uma língua e da literatura que nessa língua se expressa, tarefa normalmente atribuída a quem se dedica ao ensino linguístico e à produção literária.

Bem, as academias de letras são comunidades muito antigas. Os seus membros são sucessivos como uma corrente de elos superpostos. Tratá-los por “imortais” é apenas uma pequena amostra das tradições que nelas persistem. Por vezes esse tratamento (que vem do lema da Academia Francesa de Letras: “À l’immortalité”) provoca estranhamento ou é levado ao terreno da jocosidade.

Haja vista a lenda de que o poeta Olavo Bilac, cansado da pergunta de um jornalista que indagava por que acadêmicos eram imortais, respondeu em tom de brincadeira: “Porque não têm onde cair mortos”.

Mas se as tradições acadêmicas persistem, ao longo dos séculos elas foram sendo modificadas. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a admissão de mulheres. No Brasil de Machado de Assis, o escritor fundador da Academia Brasileira de Letras, isso era uma coisa impensável!

Já era impensável desde os tempos da primeira academia de que se tem notícia, fundada por Platão, pelos idos dos anos 384/383 antes de Cristo. Os passeios acadêmicos de Platão na companhia de seus discípulos pelos jardins perto do cemitério de Atenas eram essencialmente masculinos. As mulheres que desejavam fazer parte deles, como as filósofas Lastenia de Mantineia e Asioteia de Flios, tinham de se disfarçar usando roupas de homem.

Acontece que, no século XXI, as mudanças são muito mais profundas e aceleradas que antes. Atuam como um fluxo permanente. São capazes de transformar as culturas e as sociedades. Hoje, a questão principal de comunidades tradicionais talvez seja a habilidade de lidar com essas inevitáveis mudanças sem que os rastros da tradição se desmanchem. O desafio sempre será manter o equilíbrio entre essas duas probabilidades.

A eleição de Fernanda Montenegro, como candidata única e sem concorrentes à cadeira 17 da ABL faz parte desse cenário inevitável de transformações. E dá provas do respeito e do reconhecimento com que o nome da atriz é recebido. Só lamento que em outra anterior eleição os membros da ABL não tenham escolhido a magnífica escritora Conceição Evaristo, o que seria um reconhecimento de mérito tão acertado, tão feliz, tão digno e tão atualizado como foi este de agora.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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