Veríssimo vem do latim verissimus, que é o superlativo de verdadeiro. Por alguns instantes, diante da TV, assistindo a uma entrevista de Luis Fernando Verissimo, divaguei sobre coincidências e contradições. Justamente ele, com esse sobrenome, era um curioso sobre a mentira. Ele, que considerava-se um sujeito sem graça, atingia tão facilmente o difícil alvo de fazer alguém rir. Tão econômico com as palavras, escreveu 70 livros. Tão discreto, subia ao palco para tocar jazz. Tímido, escreveu sobre orgias.
Sabia muito de si o Verissimo, mas deu pistas de que deixava sempre um espaço para surpreender-se até consigo. “Conhece-te a ti mesmo, mas não fique íntimo”, resumiu com sua capacidade genial de síntese.
Mas voltemos à mentira, ou melhor, às mentiras, àquelas que homens, mulheres e LGBTQIA+ contam. Todos contamos. Pequenas ou grandes. Inocentes ou perversas. Sorrateiras ou deslavadas. Para esconder, entreter, ausentar-se ou aparecer. Para poupar ou causar dano. Mente-se para o bem ou para o mal.
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Há pequenas farsas montadas, por gentileza, para evitar constrangimentos desnecessários. A escrita de Verissimo está cheia delas, como na crônica "Grande Edgar", que narra o encontro de dois desconhecidos, em que um finge que não sabe que o outro o confundiu com alguém conhecido. Mas há farsas, em um gradiente que sobe em grau de maldade, com intenções criminosas. Muitas são facilmente desmascaradas, outras levam tempo e algumas duram para sempre.
A Filosofia ri e chora sobre a mentira. Luis Fernando Verissimo fez humor com ela. Escreveu sobre a mentira do dia a dia, as esfarrapadas, as sem pé nem cabeça, as tolas, que complicam a vida. Por respeito a ele, vou manter esta crônica nos limites das pequenas mentiras corriqueiras. Não vou pesar a mão sobre a doença dos mitômanos, a má-fé dos inconfiáveis ou a perversão das máquinas de reproduzir mentiras em massa.
Diante da leveza dos escritos de Verissimo, é justo reproduzir um pouco do que pode equivocar nossas certezas. É humano admitir que as “mentiras sinceras” dos apaixonados nos interessam e, como disse Cazuza, aceitar mil rosas roubadas para desculpar pequenas mancadas. As grandes, não.
Andamos necessitados de mais amor e mais humor. Ainda que seja um amor inventado e um sorriso de canto de lábios. A prática nos leva, aos poucos, a reconhecer que nossas ilusões nos permitem criar verdades melhores. São os devaneios que geram arte. E arteiros mudam realidades.
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