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"Reforma Tributária vai permitir que o Brasil todo fale a mesma língua", explica tributarista

O advogado Paulo Ricardo De Souza Cardoso é um dos mais respeitados tributaristas do país. Na visão dele, novo sistema vai trazer uma grande simplificação

Vitória
Publicado em 23/08/2025 às 03h00

O advogado tributarista Paulo Ricardo De Souza Cardoso é um dos mais respeitados tributaristas do país. Com passagens, entre outras instituições, por Receita Federal, Federação das Indústrias de São Paulo, Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, ele conhece como poucos o sistema brasileiro e os sistemas lá de fora. Sabe bem o que funciona e o que não funciona. O currículo dá a ele a tranquilidade de analisar, com o distanciamento necessário, a Reforma Tributária em cima do consumo que foi feita no Brasil e cuja transição começa em 2026.

"O sistema tributário brasileiro é muito complexo, não quer dizer que o novo não terá complexidade, pois ele terá, mas essa reestruturação, principalmente a envolvendo União, estados e municípios, que passa até pelo pacto federativo, traz mais objetividade e simplificação na hora de arrecadar os recursos. Nesse sentido, é uma reforma que me parece estar alinhada com outras economias, inclusive com a adoção do IVA, que é o Imposto sobre o Valor Adicionado".

Cardoso estará em Vitória, na próxima quarta-feira (27), participando do "Diálogos", evento organizado por A Gazeta e CBN Vitória para discutir a Reforma Tributária, os seus avanços e os desafios impostos ao Espírito Santo. "Olha, essa questão do turismo é muito importante, afinal, você estará atraindo pessoas para consumir dentro do Estado. É fantástico, são várias as possibilidades. Sobre a logística, de fato o Estado é muito bem localizado, tem toda uma gama de prestadores de serviços que serão atraídos, e consumirão por aí, caso o Espírito Santo se consolide enquanto plataforma logística. E ainda tem a Sudene, na parte Norte do Estado".

O que o senhor achou da Reforma Tributária? Teremos avanços?

Acho que foi a reforma possível. Foi o que a política permitiu. O sistema tributário brasileiro é muito complexo, não quer dizer que o novo não terá complexidade, pois ele terá, mas essa reestruturação, principalmente a envolvendo União, estados e municípios, que passa até pelo pacto federativo, traz mais objetividade e simplificação na hora de arrecadar os recursos. Nesse sentido, é uma reforma que me parece estar alinhada com outras economias, inclusive com a adoção do IVA, que é o Imposto sobre o Valor Adicionado, que no caso brasileiro será dual: o IVA federal (CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços) e o de estados e municípios (IBS - Imposto sobre Bens e Serviços).

O senhor falou em 'simplificação', que é o que os defensores da reforma apontam como fator determinante para um ganho enorme de competitividade na economia brasileira. É isso mesmo que irá acontecer?

Se conseguirmos eliminar 30% ou 40% da complexidade, o ganho no custo Brasil já será muito relevante. A complexidade está muito atrelada a custo. Vamos raciocinar juntos. Nós temos 5.550 municípios, cada um com as suas normas de ISS (Imposto Sobre Serviços), que é de competência municipal. Digamos que cada cidade edite dez normas por ano. Serão 55 mil novas normas. Nós temos 27 estados e, seguramente, eles editam mais de dez normas por ano. Na União, só para ficarmos nesse exemplo, existe uma instrução normativa da Receita Federal que consolida toda a legislação do PIS-Cofins. Estamos falando de uma instrução normativa com 800 artigos. Então, imagine a estrutura que uma empresa que tem operações em vários estados precisa ter para dar conta disso tudo. Para acompanhar a alteração tributária de cada um desses locais, além, é claro, das regras federais. É um custo enorme que, ao que tudo indica, será reduzido com a Reforma Tributária plenamente em vigor. Só de eliminarmos as normas de mais de 5 mil municípios, dos estados e da União, afinal, as regras serão nacionais, já será um enorme avanço. O Brasil todo vai passar a falar a mesma língua. Eu digo que, muito embora o IVA seja dual, o IBS e o CBS são irmãos siameses, univitelinos e interligados. É tudo igual, só muda o nome e o código de recolhimento no Darf (Documento de Arrecadação de Receitas Federais).

Como o cidadão e o empresário vão perceber tudo isso?

Há um desafio aqui. Tudo leva a crer que será menos complexo, mas não agora. O momento atual é de revisão das estruturas das empresas para poder implementar e ver os efeitos das reformas nas mais diversas áreas. Falo da contabilidade, dos advogados, da área financeira, da logística e até da tecnologia da informação. Depois de tudo estruturado (a transição dos modelos vai de 2026 até 2033), o sistema, por si só, será muito fácil de ser manejado, para as empresas e para o cidadão também.

Paulo Ricardo De Souza Cardoso

Tributarista

"Tudo leva a crer que será menos complexo, mas não agora. O momento atual é de revisão das estruturas das empresas para poder implementar e ver os efeitos das reformas nas mais diversas áreas. Falo da contabilidade, dos advogados, da área financeira, da logística e até da tecnologia da informação"

Tem algum exemplo bem prático?

Empresas que produzem em um Estado e vendem em outro emitem uma nota fiscal no Estado de origem e, quando o produto cruza a divisa, precisam pagar o chamado Difal, que é o diferencial de alíquota. Por exemplo, no Estado de origem, o Espírito Santo, o ICMS é de 12% e no destino, o Rio de Janeiro, é de 17%. Essa diferença precisa ser quitada por uma guia complementar. Isso acaba porque o IBS será o mesmo, é muito mais fluido.

E para o cidadão?

Hoje, alguns impostos são destacados na nota fiscal, caso do, mas você não vê o Pis-Cofins destacado. O cidadão não sabe o que está pagando. Com a reforma muda, vai ser como na Europa e Estados Unidos, o tributo estará totalmente separado. Vai ser possível. O consumidor terá uma visão muito mais clara de qual é o custo tributário naquele determinado produto. Isso é cidadania.

Alguns segmentos, principalmente na prestação de serviços, reclamam de aumento de carga. Do outro lado, a indústria apoia o que foi aprovado. Como será esse rebalanceamento?

Há situações de queda de imposto e há situações de aumento de carga. Nos serviços, hoje, a alíquota média que as prefeituras cobram de ISS é de 5%. Com o IBS não será mais assim, vai ser a alíquota que ainda será determinada (entre 26,5% e 28,5%). O setor de serviços vai pagar. A indústria deve pagar menos, porque o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) é praticamente extinto. Tem uma questão relevante aqui: não pode haver aumento de carga, a reforma precisa ser neutra do ponto de vista do peso dos impostos. O legislador inclusive colocou uma trava de alíquota justamente para não permitir um aumento sem limites, o que acabaria com o efeito econômico da reforma. O debate inicial falava em 26% de IVA, mas muitas exceções foram criadas (setores que, pelos mais diversos motivos, terão alíquotas menores), o que acabou elevando a alíquota padrão.

O Espírito Santo, que não é um grande centro de consumo, é apontado, por mais diversos estudos e especialistas, como perdedor sob o ponto de vista da arrecadação. Como será isso?

De fato tem essa mudança. O Estado precisará refazer contas e olhar com atenção para o seu orçamento, afinal, a arrecadação se dará onde o produto é consumido e não mais onde ele é produzido. A saída temporária é a transição distributiva do IBS (até 2079), que visa justamente suavizar essas perdas, mas isso acaba. Acho que é importante olhar para a base de arrecadação. O ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, que é dos municípios, como o IPTU (Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana), por exemplo. Boa parte da tabela de valores está muito defasada. Assim como os estados devem olhar com atenção para o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), que é um tributo muitas vezes pouco observado. Estou dando exemplos, mas é importante olhar para a base de arrecadação e também para o orçamento como um todo.

Teremos também o Fundo de Desenvolvimento Regional, que virá para fomentar a atividade econômica, que é outra preocupação capixaba, afinal, os incentivos fiscais acabam. Muito se fala em turismo, de negócios e lazer, e do Espírito Santo como plataforma logística...

Olha, essa questão do turismo é muito importante, afinal, você estará atraindo pessoas para consumir dentro do Estado. É fantástico, são várias as possibilidades. Sobre a logística, de fato o Estado é muito bem localizado, tem toda uma gama de prestadores de serviços que serão atraídos, e consumirão por aí, caso o Espírito Santo se consolide enquanto plataforma logística. E ainda tem a Sudene, na parte Norte do Estado. Pode ser debatida na parte da reforma que discutirá os impostos sobre a renda, mas é uma ferramenta importante dos capixabas e deve ser bem utilizada. Mas é bom sempre lembrar que os fundos criados são temporários, portanto, tem de usar o recurso com inteligência e transparência.

Paulo Ricardo de Souza Cardoso, advogado tributarista
Paulo Ricardo de Souza Cardoso, advogado tributarista. Crédito: Divulgação

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