O ginecologista obstetra Conrado Ragazini, de 31 anos, tem um lapso curto de memória que data de 3 de janeiro deste ano. Ele se recorda de estar na sala da sua equipe, no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, e ser chamado pelo acompanhante de uma mulher que dera à luz havia poucos dias. O médico, então, esticou a mão para cumprimentá-lo e, depois disso, só se lembra de acordar no chão, sendo socorrido por amigos após ter levado um soco no rosto, que fraturou os ossos da face e o afastou por 30 dias do trabalho.
O filho do casal nasceu com complicações e precisou ser internado na UTI neonatal. O pai pensava que eu tinha feito algum mal para o filho dele, contou Ragazini. Como profissional de saúde, ele integra uma estatística que preocupa cada vez mais os conselhos de classe: vítima de agressão física ou verbal. Um levantamento inédito apontou que mais de 70% dos médicos, profissionais de enfermagem e farmacêuticos do Estado de São Paulo já sofreram algum tipo de agressão.
Os dados foram compilados em uma iniciativa conjunta do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), do Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) e do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), que se uniram para analisar a questão e estão lançando uma campanha contra a violência com os profissionais de saúde.
Para a pesquisa, foram ouvidas 6.832 pessoas e 71,6% afirmaram já ter passado por situação violenta. Segundo o levantamento, o tipo de agressão que mais ocorre é a verbal e os profissionais mais atingidos são da área de enfermagem - 90% afirmaram já ter sofrido. O índice foi de 47% entre os médicos e 89% entre os farmacêuticos.
Para Conrado Ragazini, é preciso maior conhecimento e paciência da população quantos aos procedimentos, principalmente os realizados na sua área. Os acompanhantes veem uma mulher numa situação de dor e tendem a pressionar a equipe com ameaças veladas ou diretas, disse. Após a agressão, ele relata, colegas o aconselharam até a não retornar ao mesmo local de trabalho.
No caso de agressão física, os profissionais de enfermagem também são as principais vítimas (21%), seguidos dos médicos (18%) e farmacêuticos (7%). Nas três categorias, as principais vítimas são as mulheres e a faixa etária que sofre mais agressões é até os 40 anos.
Os dados mostram ainda que a maior parte das agressões é feita pelos próprios pacientes. Em segundo lugar, estão familiares e, em terceiro, acompanhantes. A pesquisa perguntou as motivações para as agressões e as três categorias informaram que foi a demora e fila para atendimento.
O presidente do Cremesp, Lavínio Nilton Camarim, destaca que a falta de estrutura, que resulta na demora no atendimento, é um problema que afeta tanto o paciente como o médico. Por isso, é necessário, primeiro, respeito, e também atendimento das reivindicações quanto a investimentos na saúde, especialmente no setor público. Falta desde uma maca adequada, um leito de observação, até medicamentos básicos, como dipirona, seringa e esparadrapo. A pessoa que busca atendimento já está emocionalmente debilitada e se depara com isso. Mas é preciso entender, como dizia nossa campanha anterior, que violência não resolve. E, agora, como estamos destacando: quem cuida, merece respeito.
Camarim ataca a promulgação da emenda constitucional 95, a que estabeleceu teto de gastos para os próximos 20 anos. Em 20 anos, a população vai aumentar, envelhecer e o serviço médico vai contar com uma tecnologia mais avançada, o que demanda mais dinheiro. Congelar os investimentos, que já são insuficientes, se mostra como um absurdo e temos de lutar pela reconsideração dessa emenda por quem for eleito, disse. A categoria luta ainda pela aprovação do projeto 6749 de 2016 que aumentaria a pena contra quem cometesse violência contra profissionais de saúde.
Cerca de 20% dos entrevistados denunciaram as agressões, mas apenas 15% dos profissionais de enfermagem e 11% dos farmacêuticos afirmaram ter recebido acolhimento após a queixa. Os números são diferentes em relação aos médicos. De acordo com os dados, 59% das queixas foram acolhidas pela polícia, Justiça ou pela instituição onde eles trabalham.
Para conscientizar a população, as entidades estão lançando a campanha "Quem cuida merece respeito", que tem como objetivo mostrar que as agressões devem ser combatidas e que elas prejudicam o atendimento.
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