Publicado em 7 de novembro de 2023 às 17:46
Conteúdo investigado: Homem fala em vídeo que o “artista Wesley Telles”, que estava passando fome e apoiou Lula, recebeu R$ 1 milhão da lei Rouanet. ”O cara já está em Portugal, gastando nosso dinheiro”, diz o autor do vídeo. “E o hospital do câncer aqui na Bahia fechado por falta de funcionário. E a transposição do Rio São Francisco fechada [sic]. Faz o L que o bolso de otário já sabe onde é”, completa. Ao fundo, há duas fotos retiradas do perfil Telles no Instagram. Uma delas é de um homem em Portugal, e a outra é o rosto de Lula. >
Onde foi publicado: TikTok.>
Conclusão do Comprova: Vídeo no TikTok mente ao dizer que o “artista” Wesley Telles teria recebido R$ 1 milhão via Lei Rouanet este ano e viajado com o recurso para Portugal após apoiar Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições presidenciais de 2022.>
Primeiramente, Wesley não é artista. Ele é diretor-presidente e um dos sócios da empresa WB Produções, que produz e promove peças de teatro. Segundo dados do Ministério da Cultura, há registros de projetos da WB Produções financiados por meio da Lei Rouanet desde 2009.>
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A plataforma VerSalic, que agrega dados de proponentes e seus projetos vinculados às leis de incentivo à cultura federais, mostra que a empresa tem ativos dez projetos autorizados a captar financiamento de mais de R$ 9 milhões.>
A autorização mais recente foi dada em 26 de outubro deste ano e permite que a empresa de Telles capte R$ 1,7 milhão para a realização do 14º Circuito Nacional de Teatro no Espírito Santo. O recurso ainda não foi captado, segundo o sistema do Ministério da Cultura.>
Ainda que o dinheiro seja captado junto a empresas e pessoas físicas, como prevê a Lei Rouanet, ele fica em uma conta bancária monitorada pelo Ministério da Cultura. Dessa forma, o recurso não pode ser usado para gastos pessoais dos proponentes do projeto e nem para pagar despesas da empresa não relacionadas ao projeto específico para o qual foi destinado.>
As regras para obtenção do financiamento prevêem ainda que seja feita uma prestação de contas detalhada de todos os gastos do projeto, com apresentação de notas fiscais emitidas por empresas idôneas e com valores que são tabelados.>
O Comprova contactou o produtor cultural, que confirmou as informações disponíveis na plataforma VerSalic. Ele disse ainda que viajou entre os dias 11 e 17 de outubro para Portugal, durante uma semana, para passar férias com recursos próprios. Essa data é anterior à liberação para a captação de recursos.>
Ele negou que estivesse “passando fome” antes da eleição e confirmou que apoiou Lula em 2022. Afirmou ainda que, após o contato da reportagem, registrou boletim de ocorrência por calúnia contra o autor do vídeo.>
No vídeo, o desinformador acrescenta que o hospital do câncer da Bahia estaria fechado por falta de funcionários. Ele não especifica o nome do hospital, mas a unidade de referência do Estado para tratamento oncológico é o Hospital Aristides Maltez, em Salvador, que é gerenciado por uma instituição filantrópica. Não há informações de que a unidade esteja fechada.>
Ele também diz que a transposição do Rio São Francisco estaria “fechada”, o que também não é verdade. O Comprova fez um conteúdo explicativo a respeito da megaobra, que é alvo frequente de desinformação.>
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.>
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No TikTok, o vídeo teve 29,7 mil visualizações, 2,9 mil curtidas e 239 comentários.>
Como verificamos: O Comprova buscou informações sobre o produtor cultural Wesley Telles através dos dados do perfil de Instagram que aparece no vídeo checado. Em seguida, entrevistou-o por telefone. Também foram consultadas as plataformas VerSalic e Salic Comparar, do Ministério da Cultura, onde foram feitas buscas pelo nome de Telles da WB Produções.>
A reportagem ainda entrou em contato com o Hospital Aristides Maltez por email para saber se houve fechamento ou se havia falta de funcionários na unidade.>
Criada em 23 de dezembro de 1991, a Lei de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet, é um mecanismo de incentivo fiscal do governo federal que permite que empresas e pessoas físicas possam destinar uma porcentagem de seu imposto para iniciativas culturais. O objetivo é estimular e fomentar a produção, preservação e difusão cultural.>
O valor do imposto vai para os programas aprovados pelo Ministério da Cultura, em um investimento indireto. Os principais critérios de avaliação utilizados pela pasta para aprovar um projeto são: a capacidade de ampliar o acesso da população à cultura; compatibilidade de custos e capacidade técnica e operacional do proponente, respectivamente.>
Uma vez aprovados, os proponentes devem buscar empresas e pessoas dispostas a financiarem os projetos através dos impostos. Desse modo, o governo dá a autorização para a captação de um determinado montante, mas isso não significa que o proponente vai obter todo o dinheiro previsto.>
A execução do projeto incentivado é acompanhada pelo ministério, de forma eletrônica, por trilhas implementadas no Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic), que identificam possíveis inconsistências de execução. Esse acompanhamento é diferente dependendo do valor captado do projeto, classificado como pequeno (até R$ 750 mil), médio (de R$ 750 mil até R$ 5 milhões) e grande (acima de R$ 5 milhões).>
Todos os projetos devem realizar a comprovação de despesas de forma eletrônica, durante a execução. Essas informações são cruzadas com os valores utilizados em conta bancária específica e acompanhada, em tempo real, pelo ministério.>
Em abril deste ano, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, assinou instrução normativa que traz novas regras para destinação de recursos pela Lei Rouanet. O texto estabelece procedimentos necessários para apresentação, recepção, seleção, análise, aprovação, acompanhamento, monitoramento, prestação de contas e avaliação de resultados dos projetos.>
Projetos que desejam captar recursos por meio da lei passam agora por quatro fases de avaliação antes da aprovação. A primeira verifica se a proposta atende aos objetivos da norma. Na segunda, ela é encaminhada para a instituição vinculada ao MinC correspondente à linguagem (audiovisual, artes plásticas, etc.), e analisada por um perito que emite um parecer conclusivo. Se a proposta for a realização de um filme, será analisada por um perito em cinema e audiovisual, por exemplo.>
Posteriormente, passa pela análise da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que pode concordar ou discordar da análise técnica anterior, devendo discutir e aprovar no colegiado a decisão final. Por fim, a Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural examina novamente a regularidade fiscal do proponente e sua regularidade no MinC. Se é tudo aprovado, é autorizado o início da execução e liberados os recursos captados para a conta especial monitorada pelo Ministério durante toda a execução.>
A normativa também estabeleceu novos valores máximos a serem captados pelos proponentes, conforme algumas categorias. Artistas e modelos, por exemplo, podem receber até R$ 25 mil por apresentação. Já empresas podem captar entre R$ 1 milhão e R$ 10 milhões, a depender do tipo de atividade cultural.>
O homem cuja foto aparece ao fundo do vídeo checado é o produtor cultural Wesley Telles. Ele é um dos sócios da empresa WB Produções, fundada em 2007, que tem como atividade econômica principal a produção teatral, segundo informações da Receita Federal.>
Segundo a plataforma VerSelic, a WB já obteve autorização do Ministério da Cultura para captar recursos em 35 projetos desde 2009.>
Ao buscar o nome da empresa na plataforma, aparece para cada projeto o valor que foi autorizado para captação e o valor que foi efetivamente captado. Em algumas ocasiões, foi possível captar o recurso proposto na íntegra, em outros, parcialmente. Para alguns projetos a empresa não conseguiu captar recurso algum. Entre as patrocinadoras dos projetos da WB estão empresas como ArcelorMittal, Itau, Nubank, Porto Seguro, PRIO e Vivo, entre outras.>
Para o Comprova, Telles ressaltou que não recebe recurso algum diretamente do governo federal.>
“Eu não ganho nada, só a possibilidade de captar recurso. E o recurso não é da empresa, é do projeto. Quando eu capto recurso, eu tenho que executar, tenho que montar o espetáculo, ensaiar, fazer dois meses (de apresentações) no Rio de Janeiro, dois meses em São Paulo e dois meses de turnê pelo Brasil. Cada peça gera cerca de 300 empregos diretos e 15 mil indiretos”, disse.>
Sobre a autorização de captação mais recente, de R$ 1,7 milhão, citada no vídeo desinformativo, ele afirma que é para um projeto de circulação de espetáculos no Espírito Santo.>
“No Espírito Santo nada acontece sem as leis de incentivo, porque o recurso da bilheteria não paga. Por conta das contrapartidas, a gente vende menos de 40% da capacidade total do teatro”, esclarece.>
Como compensação pelo recebimento do recurso das pessoas e empresas que seria pago em imposto, os espetáculos teatrais têm que distribuir cotas de ingressos gratuitos e a preços populares. A previsão está na normativa 01/2023 do Ministério da Cultura, no artigo 28.>
Sobre a viagem a Portugal, ele afirmou que foi ao país europeu de férias em outubro deste ano, e que pagou as despesas com recursos próprios. “Fiquei uma semana de férias, tenho direito a férias como qualquer trabalhador”, disse.>
O Comprova procurou o Ministério da Cultura a respeito dos projetos apresentados pela WB Produções, mas não houve retorno.>
O Comprova não encontrou qualquer notícia de que o hospital Aristides Maltez, referência em tratamento de pacientes com câncer na Bahia, esteja fechado ou com a capacidade de atendimento reduzida por conta da falta de funcionários. Não há registros similares nem nas redes sociais da unidade e nem em sites de notícias da região.>
O financiamento da unidade vem das contraprestações do Sistema Único de Saúde (SUS) e de doações de pessoas físicas e empresas, visto que o local é gerenciado por uma entidade filantrópica, a Liga Baiana Contra o Câncer (LBBC).>
A transposição do Rio São Francisco é alvo frequente de desinformadores. Recentemente, o Comprova publicou diversas checagens sobre diferentes alegações a respeito da obra. Já comprovamos que é falso que Lula desligou bombas da transposição do São Francisco; que vídeo que relaciona protestos em Pernambuco a Lula e à transposição do rio São Francisco é enganoso; e que trecho do Eixo Norte da transposição do São Francisco não foi fechado pelo governo Lula.>
Também já explicamos como a polarização intensifica a desinformação sobre a transposição.>
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com o perfil que publicou o conteúdo no TikTok e também por um perfil com o mesmo nome e foto no X (antigo Twitter), mas eles não aceitam mensagens.>
O que podemos aprender com esta verificação: Informações falsas muitas vezes são disfarçadas de supostas “denúncias de irregularidades” para atacar determinados grupos. Nesse caso, é possível ver que o desinformador não mostra no vídeo, em momento algum, prova do que denuncia e nem cita a fonte de onde teria retirado tal informação. Ao se deparar com conteúdos similares, é importante buscar no Google ou na imprensa profissional informações sobre o assunto.>
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.>
Outras checagens sobre o tema: O Comprova já fez outras verificações relacionadas à Lei Rouanet. Já checou que o orçamento do governo para hospitais não foi desviado para projetos culturais; que Zeca Pagodinho não recebeu milhões de reais pela lei para fazer musical; e que Ludmilla não receberá R$ 5 milhões por projeto que leva seu nome.>
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