Publicado em 7 de outubro de 2019 às 15:24
- Atualizado há 6 anos
(FOLHAPRESS) - Os ganhadores do Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2019 são William G. Kaelin, da Escola de Medicina da Universidade Harvard (EUA), Peter J. Ratcliffe, da Universidade de Oxford (Reino Unido), e Gregg L. Semenza, da Universidade Johns Hopkins (EUA), por suas pesquisas sobre o comportamento de células de acordo com a disponibilidade de oxigênio.>
Já se conhece há séculos o papel fundamental do oxigênio para animais, que necessitam dele para transformar comida em energia a partir da ação das mitocôndrias, mas pouco se sabia sobre como as células se adaptam às mudanças nas concentrações de oxigênio no ambiente. >
Da mesma forma que uma vela depende de uma certa quantia de oxigênio para manter sua chama, as células precisam se adaptar ao oxigênio disponível no ambiente. O processo de mudança nos níveis de O2 é pode ser alterado em diferentes altitudes (como na Bolívia ou no Peru) ou mesmo quando uma pessoa se fere. >
Os pesquisadores conseguiram desvendar o maquinário molecular que regula a atividade de genes dependendo dos níveis de oxigênio, afetando o metabolismo celular e o funcionamento fisiológico.>
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Os estudos sobre como o oxigênio é percebido pelas células permitiram novas estratégias de tratamento contra a anemia e o câncer. >
Os vencedores, anunciados na manhã desta segunda-feira (7), no Instituto Karolinska, na Suécia, dividirão igualmente o prêmio de 9 milhões de coroas suecas, o equivalente a cerca de R$ 3,7 milhões.>
Segundo Randall S. Johnson, pesquisador da Universidade de Cambridge na área de fisiologia molecular que comentou a láurea, as descobertas dos três pesquisadores são fundamentais no entendimento de como as células funcionam, um tipo de conhecimento que estará nos livros escolares. >
O corpo carotídeo, que fica próximo a grandes vasos sanguíneos nos dois lados do pescoço, é uma das estruturas que ajuda na percepção de oxigênio pelo organismo e na rápida resposta a baixos níveis de oxigênio. A descoberta do impacto desse elemento no controle da frequência respiratória, a partir da percepção dos níveis de oxigênio na corrente sanguínea, já rendeu um Nobel de Medicina a Corneille Heymans, em 1938.>
O hormônio eritropoietina (EPO) também participa desse processo de ajuste. Conforme ocorre a hipóxia (diminuição na taxa de oxigênio), aumentam os níveis de EPO, o que leva ao crescimento da produção de hemácias (glóbulos vermelhos), importantes na condução do oxigênio pelo corpo.>
Mas, ainda que o mecanismo hormonal fosse conhecido desde o início do século 20, não se sabia como esse sistema era controlado pelo oxigênio.>
E é aí que entram os laureados de 2019. Semenza e Ratcliffe estudaram o gene relacionado ao hormônio EPO e descobriram que os mecanismos de percepção de oxigênio estão presentes em basicamente todos os tecidos do corpo e em diferentes tipos celulares, e não somente nas células renais, órgão no qual o EPO é produzido. >
A partir de células renais cultivadas, Semenza descobriu um complexo proteico chamado fator induzido por hipóxia (HIF)-que se liga ao DNA dependendo da quantidade de oxigênio disponível. Com o aprofundamento de seus estudos, conseguiu identificar os genes relacionados ao HIF.>
O fator induzido por hipóxia se resume a dois fatores de transcrição (HIF-1alfa e ARNT), ou seja, proteínas que permitem a ligação entre DNA e RNA, e a formação de novas proteínas.>
O HIF-1alfa é sensível ao oxigênio e está presente em maiores quantidades quando os níveis de O2 são baixos, o que possibilita a regulação de EPO e maior produção de glóbulos vermelhos.>
Em momentos em que os níveis de O2 estão normais, a quantidade de HIF-1alfa nas células diminui. >
A pesquisa de Kaelin entra em cena nesse momento. O cientista de Harvard especialista em câncer estudava a síndrome de von Hippel-Lindau (conhecida como doença de VHL), enfermidade genética que aumenta o risco de câncer nas famílias que sofrem com a condição.>
O gene VHL ajuda na prevenção da manifestação do câncer. Kaelin descobriu que células cancerígenas com funcionamento anormal do VHL tinham elevados níveis de genes regulados por hipóxia, o que era normalizado quando o gene de VHL era introduzido nessas células. >
Ratcliffe, por sua vez, conseguiu mostrar que VHL interage fisicamente com o HIF-1alfa e é importante para sua degradação.>
Finalmente, Kaelin e Ratcliffe, ao mesmo tempo, descobriram em 2001 as últimas peças que faltavam. Os cientistas descobriram que, em níveis normais de oxigênio, grupos hidroxila (OH) se conectam a duas áreas específicas do HIF-1alfa, o que permite que o VHL identifique e se ligue ao HIF-1alfa, provocando, assim, a degradação da proteína com a ajuda de enzimas sensíveis ao oxigênio. >
Estavam decifrados os mecanismos de percepção e resposta do organismo aos níveis de oxigênio.>
A descoberta do balanceamento desse sistema é importante porque tem potencial de afetar desde o nosso nascimento até atividades básicas do nosso. A percepção dos níveis de oxigênio é essencial, por exemplo, ao desenvolvimento fetal, com a formação de vasos sanguíneos e crescimento da placenta.>
No dia a dia, durante exercícios físicos, o mecanismo também é importante para que as células se adaptem à variação de disponibilidade de oxigênio. >
Da mesma forma, a importante influência do maquinário sensitivo está presente em doenças. No câncer, a estimulação desse sistema permite a formação de vasos sanguíneos e muda o metabolismo celular para a proliferação de células cancerígenas. As pesquisas acadêmicas e farmacêuticas agora estão concentradas em desenvolver drogas para interferir e alterar o maquinário sensível ao oxigênio. >
Além do prêmio em dinheiro, cada um receberá uma medalha com a inscrição É benéfico ter melhorado a vida humana pelas artes descobertas (frase presente em Eneida, poema de Virgílio) e um diploma. O dinheiro é derivado de um fundo de 4 bilhões de coroas suecas -cerca de R$ 1,6 bilhão.>
A láurea é destinada a pesquisadores que fizeram as descobertas mais importantes no campo da fisiologia ou medicina, segundo o testamento de Alfred Nobel (1833-1896), inventor da dinamite.>
O Nobel de Medicina é entregue desde 1901 e, desde então, não foi destinado a nenhum pesquisador em nove ocasiões entre os anos de 1915 e 1942. Durante a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, menos láureas foram distribuídas. >
Na distribuição de prêmios por gênero, o Nobel de Medicina é a láurea científica (Medicina, Física e Química) que mais premiou mulheres até agora -foram 12 entre 216 laureados. Considerando todos os prêmios (incluindo Paz, Literatura e Economia), o da Paz foi o que mais premiou mulheres, com 17 ganhadoras entre 133 laureados. >
No ano passado, o Nobel de Medicina ficou com o americano James P. Allison e com o japonês Tasuku Honjo pelas descobertas ligadas ao combate do câncer com imunoterapia -com drogas que potencializam o sistema imune contra as doenças. >
Basicamente, a imunoterapia consegue tirar o disfarce do tumor para o corpo luta contra o problema. Trata-se de uma arma a mais no combate ao câncer, junto com quimioterapia, cirurgia e radioterapia. >
Em 2017, três americanos, Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W Young, foram premiados pelas descobertas dos mecanismos moleculares por trás dos ritmos circadianos. >
Para chegar aos nomeados à láurea, o Comitê do Nobel envia mais de 3.000 cartas confidenciais para pessoas competentes e qualificadas, como membros da Assembleia do Nobel no Instituto Karolinska, pesquisadores da área médica e biológica da Academia Real Sueca de Ciências e ganhadores anteriores do prêmio, para indicar os candidatos ao Nobel. Autoindicações não são consideradas.>
Após as indicações serem avaliadas por especialistas, o Comitê do Nobel faz recomendações e, por votação, os 50 membros da Assembleia do Nobel no Instituto Karolinska escolhem os vencedores.>
Na história, já foram premiadas com o Nobel de Medicina as descobertas da estrutura do DNA por James Watson, Francis Crick e Maurice Wilkins (1962), da penicilina por Fleming e outros (1945), da estrutura do sistema nervoso (1906), da insulina (1932), da relação entre HPV e câncer (2008), e da fertilização in vitro (2010).>
Nesta terça (8) será entregue o Nobel de Física e, na quarta (9), o de Química. Também serão entregues nesta semana os prêmios de Literatura, na quinta (10) e da Paz, na sexta (11). Na próxima segunda (14), será a vez do prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel.>
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