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Mari Ferrer: o que de fato o Ministério Público afirmou sobre o caso

Mari Ferrer: o que de fato o Ministério Público afirmou sobre o caso

Apesar de a expressão "estupro culposo" ter sido amplamente replicada, o termo não foi utilizado de forma literal nos autos

Publicado em 4 de novembro de 2020 às 18:03

Caso Mariana Ferrer: à esquerda, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, que defende André Aranha (à direita), acusado de estuprar a jovem
Caso Mariana Ferrer: Acusado de estuprar a jovem, André Aranha (à esquerda) é defendido pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho (à direita) Crédito: Reprodução

Após grande repercussão sobre o caso da jovem Mariana Ferrer, influenciadora digital catarinense, em que jornais atribuíram a expressão "estupro culposo" para explicar tese levantada pelo promotor de Justiça Thiago Carriço de Oliveira, e diante da inexistência jurídica desse tipo penal, a reportagem teve acesso à manifestação do Ministério Público do Estado de Santa Catarina (MPSC), em processo que tramita em sigilo. Apesar de o termo ter sido replicado, não foi utilizado nos autos de forma literal.

No parecer apresentado ao magistrado à frente do caso, o MPSC usou argumentação que sustenta que não houve dolo (intenção) na conduta do empresário André de Camargo Aranha. Para o promotor, o autor do crime teria agido sem conhecimento da vulnerabilidade da vítima, ou seja, afirmando que agiu com "erro de tipo", que se trata de uma situação em que o indivíduo tem a falsa percepção da realidade no momento da prática do crime. Assim, não conhecendo o estado da vítima, a prática do ato sexual não teria sido criminosa, já que o acusado acreditava no consentimento da vítima. Desse modo, o MPSC, não acreditando se tratar de crime de estupro, pede a aplicação do princípio "in dubio pro reo", que diz que, diante de dúvida, não deve haver condenação, culminando na absolvição por falta de provas.

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Mari Ferre - o que de fato o Ministério Público afirmou sobre o caso

Na manifestação do promotor Oliveira, ele considera que filmagens apresentadas no processo, bem como o exame toxicológico e de alcoolemia realizados, favorecem o réu no sentido de que não houve dolo, ou seja, intenção de cometer o crime. Nos termos utilizados por ele, "tais circunstâncias levam a uma pergunta que talvez seja a principal deste processo: se nem sequer a vítima, no momento dos fatos, sabia ou aparentava que estava sendo ou havia sido estuprada, como se poderia exigir do acusado que soubesse (consciência e vontade) que ela estava sendo estuprada? Só restaria a hipótese de ela estar "dopada" (termo muito utilizado neste processo), com o conhecimento do acusado, o que não restou comprovado ou indicado em nenhum momento do processo", argumentou. 

"Desse modo, não há qualquer indicação nos autos acerca do dolo - em seu aspecto de consciência acerca da elementar vulnerabilidade -, não se afigurando razoável presumir que soubesse ou que deveria saber que a vítima não desejava a relação "

Thiago Carriço de Oliveira

Promotor de Justiça, MPSC

Em outro trecho do parecer emitido pelo MPSC, o promotor de Justiça afirma que o acusado André Aranha chegou a se contradizer sobre versão apresentada em momento anterior, quando alegava que nem sequer havia existido ato sexual entre ele e Mariana. "Nesse sentido, apesar de abalada a credibilidade do acusado em razão de sua primeira mentira (quando negou peremptoriamente ter se relacionado com a vítima), bem como da estranha dinâmica dos fatos que descreveu em seu interrogatório judicial (iniciativa da vítima quando pagava a conta, relato de confusão do seu nome pela vítima com outro homem; inocorrência de penetração e de ejaculação quando os laudos periciais atestam o contrário), sua percepção de que a vítima não se encontrava em estado de vulnerabilidade ou impossibilidade de dissentimento é confirmada pela fala de todas as testemunhas que a viram no final da festa", escreveu. 

A expressão "estupro culposo" foi usada inicialmente pelo The Intercept Brasil, primeiro a ter acesso aos autos, a partir do entendimento que, quando não há dolo em um crime, ele é culposo. O jornal fez um esclarecimento após o termo ser associado à manifestação do MP,  explicando que o promotor Oliveira não usou o termo. 

ENTENDA O CASO

Mariana Ferrer
Mariana Ferrer era virgem, segundo laudo pericial, até a noite em que assegura ter sido estuprada Crédito: Reprodução

Em seu depoimento à polícia, Mariana afirmou que teve um lapso de memória, entre o momento em que uma amiga a puxou pelo braço e a levou para um dos camarotes do Café em que o empresário Aranha estava e a hora em que desce uma escada escura. Ela acredita ter sido dopada. A única bebida alcoólica anotada na comanda do bar em seu nome foi uma dose de gim. Mariana era virgem até então, o que foi constatado pelo exame pericial.

Tanto a virgindade dela quanto a sua manifestação nas redes sociais foram usadas pelo advogado do empresário, que alega que ela manipulou os fatos. "Tu vive disso? Esse é teu criadouro, né, Mariana, a verdade é essa, né? É teu ganha pão a desgraça dos outros? Manipular essa história de virgem?", disse Cláudio Gastão durante a audiência de instrução e julgamento.

Um vídeo publicado na internet, e incluído no processo, mostra a influenciadora digital aparentando estar grogue ao subir uma escada com a ajuda de Aranha em direção a um camarim restrito da casa. Eles sobem os degraus às 22h25. Seis minutos depois, ela desce, seguida por ele.

Não foi possível recuperar as imagens do resto da noite porque a boate alegou que o dispositivo de armazenamento exclui as gravações após quatro dias.

Aranha é empresário de jogadores de futebol e costuma ser visto ao lado de figuras como Ronaldo Nazário e Gabriel Jesus. Ele é filho do advogado Luiz de Camargo Aranha Neto. No dia do suposto crime, ele estava acompanhado de Roberto Marinho Neto, um dos herdeiros da Globo.

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