Publicado em 29 de julho de 2022 às 10:23
SÃO PAULO, SP - É um meme perfeito. Como tudo começou: ao ser procurado para envolver a Faculdade de Direito da USP na articulação de uma carta pela democracia, seu atual diretor, Celso Campilongo, concordou e disse que poderia hospedar o manifesto no site da instituição.>
"Seria bom ter umas 200, 300 assinaturas já na largada, para fazer volume", ponderou Campilongo.>
Deu tudo certo: o documento, intitulado "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito", chegou ao site Estado de Direito Já! na terça-feira (26) com pouco mais de 3.000 signatários; dois dias depois, já passava de 300 mil adesões até a tarde desta quinta-feira (28)>
"Veja como pensei pequeno", diz o diretor, fazendo graça do próprio espanto.>
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Olhando em retrospecto, organizadores do movimento consideram que o sucesso, muito além do que imaginavam, só foi possível devido a um conjunto de fatores, entre os quais um grito metafórico que, para eles, muita gente mantinha travado na garganta.>
"É um sentimento que a sociedade, de forma difusa, carregava no peito. Sem isso, a carta não virava desse jeito", diz o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Prerrogativas, um grupo que reúne diversas pessoas do meio jurídico e que se somou aos autores do manifesto.>
Ainda assim, na avaliação de Campilongo, pesou outro fator: o documento é suprapartidário e legalista.>
"Para que todo mundo coubesse nesta carta, o tom é bastante ponderado, equilibrado, sem referência direta a ninguém", diz o diretor da São Francisco, como é conhecida a Faculdade de Direito da USP.>
"Sempre houve a preocupação de não redigir nada exagerado e que apenas retratasse um valor: este valor é a democracia", afirma Campilongo.>
Carvalho e outros membros do Prerrogativas foram alunos de Campilongo. Isso facilitou a aproximação entre eles quando o manifesto já estava pronto e seus autores começavam a buscar aquelas 200, 300 assinaturas.>
O Prerrogativas, porém, fez mais do que assinar; passou a auxiliar na coleta de apoios e propôs horizontalizar o trabalho. Criado em 2014 e com atuação marcante contra a Lava Jato, o grupo alcança cerca de 2.000 pessoas em suas listas de discussão no WhatsApp.>
E, embora seja um movimento identificado como pró-Lula, logo abraçou a ideia de que a carta pela democracia seria suprapartidária, sem defender o PT nem atacar o presidente Jair Bolsonaro (PL), de modo a angariar apoios inclusive de possíveis antagonistas na arena política ou judicial.>
A atitude não era de todo inédita para o grupo. Em maio de 2020, o Prerrogativas ajudou a divulgar o manifesto "Basta", que reuniu profissionais do direito em torno de críticas a Bolsonaro, além da defesa da democracia.>
À época, o texto passou de 700 signatários, entre os quais o ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, estrela da Lava Jato, e um de seus maiores críticos, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay e defensor de alguns acusados na operação.>
A rede de contatos veio a calhar. Kakay, por exemplo, conversou com diversos ministros aposentados do STF (Supremo Tribunal Federal) e, segundo conta, ouviu aceitação imediata de todos.>
Outra integrante do Prerrogativas, a advogada Raquel Preto coletou centenas de apoios em todos os cantos do país e de diversas áreas, não só do campo jurídico.>
"Mais adesões estão chegando, com pessoas querendo assinar, por perceberem que não se pode mais aceitar discursos abusivos, que desmereçam as instituições", diz Preto.>
"É contra isso que a sociedade se levanta. Estamos vendo atos preparatórios de um golpe. Nossa democracia é jovem e tem o direito de amadurecer", afirma a advogada.>
O Prerrogativas ainda fez a ponte com o 342Artes, um coletivo de artistas brasileiros que lutam contra a censura e a difamação.>
"A recepção dos artistas é um espetáculo, está acontecendo algo muito potente, histórico. Eles não titubearam", diz Mari Stockler, gestora cultural e coordenadora do 342Artes.>
Enquanto conversava com a Folha de S.Paulo, Stockler recebeu uma mensagem da empresária e produtora Paula Lavigne: "Socorro, o celular não para". Era uma referência à quantidade de artistas querendo ler a carta e se engajar no movimento.>
O 342Artes planeja lançar na próxima semana um vídeo em que diversos artistas leem trechos da carta pela democracia, a fim de atrair mais diversidade aos signatários.>
Para o juiz federal Ricardo de Castro Nascimento, a iniciativa é mais que bem-vinda. "Mesmo que a gente chegue a 1 milhão de assinaturas, isso ainda não quer dizer que a gente represente a sociedade brasileira", diz.>
A carta começou com um grupo de homens brancos, bacharéis em direito e, com uma exceção, sexagenários. "Isso é uma realidade. Mas estamos tentando ampliar a diversidade. Estamos atentos a essa questão e vamos trabalhar isso no evento do dia 11 de agosto", afirma o juiz.>
Na data a que se refere, será feita a leitura da carta pela democracia em sessão na Faculdade de Direito da USP.>
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