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É médico psiquiatra, mestre em fisiologia e professor da UVV

Workaholism: como a pandemia afetou a compulsão pelo trabalho

O aumento das facilidades para trabalhar em qualquer lugar e a qualquer momento efetou a separação entre a vida privada e a profissional

  • Valber Dias Pinto É médico psiquiatra, mestre em fisiologia e professor da UVV
Publicado em 04/07/2021 às 02h00
Home office: trabalho em casa
Estar conectado a todo momento cria a sensação de estar disponível 24 horas por dia. Crédito: Janeb13/Pixabay

Persona era o nome da máscara que os atores do teatro grego usavam durante suas apresentações. Sua função era tanto dar ao ator a aparência que o papel exigia, quanto amplificar sua voz. De "persona" veio a palavra personalidade, o conjunto de qualidades que definem uma pessoa. Na busca de uma forma em lidar com suas próprias demandas, cada pessoa assume uma “máscara” que a acompanha em todo momento.

Existem vários perfis de personalidade.Uma delas, conhecida como personalidade tipo A, engloba um padrão comportamental que inclui ambição, competitividade, agressividade, impaciência, tensão muscular, constante estado de alerta, modo rápido e empático de falar, cinismo, hostilidade, raiva e necessidade de controlar o ambiente. Esse perfil é encontrado com mais frequência em pessoas exageradamente dedicadas ao trabalho (workaholics), que negam a própria vulnerabilidade física e emocional. Esse padrão comportamental tem ainda forte associação com doença arterial coronária.

Esse é o pano de fundo para o workaholic, termo que vem do inglês "work", que significa trabalho, e 'alcoholic", ligado à dependência. Esse comportamento não é considerado a rigor uma doença psiquiátrica, mas pode estar associado a condições de sofrimento mental e desajustes funcionais.

Quem primeiro abordou o fenômeno workaholic como um tema de estudo foi o psicólogo americano Wayne Oates, em 1968, num artigo intitulado “On being a ‘workaholic’”, no qual relatava sua própria experiência e, ao se comparar a um alcoólatra, afirmava ser também um viciado, mas em trabalho. Mais tarde, Oates (1971) definiu workaholism como vício para trabalhar, compulsão ou a necessidade incontrolável para trabalhar incessantemente.

De fato, o comportamento de um indivíduo em relação ao trabalho pode possuir os mesmos aspectos observados nos quadros de dependência química em relação à droga: avidez (ânsia pela droga ou pelo trabalho), pensamentos recorrentes (quanto aos mesmos), negação da dependência (o indivíduo não percebe que está adoecido), sintomas de abstinência e a ocorrência de prejuízos psicossociais significativos. Por isso os primeiros sinais envolvem problemas familiares e comprometimento dos relacionamentos sociais.

O autocuidado também fica prejudicado, uma vez que o indivíduo não abre espaço na sua agenda para atividades físicas ou para realizar consultas de rotina por exemplo. Sendo assim pode ocorrer um adoecimento mental e físico.

Outra forma de entender o workahalismo é a compulsão pelo trabalho. Os atos compulsivos ou compulsões são aqueles em que o indivíduo se sente compelido a realizar, quase obrigatoriamente. Contudo a execução não se dá de imediato, e sim somente após alguma deliberação consciente, havendo, com frequência, luta ou resistência contra a sua execução. Os atos compulsivos nem sempre levam a uma sensação de prazer; muitas vezes produzem apenas certo alívio, em geral temporário, para uma vivência ansiosa, produzindo porteriormente sentimentos de tristeza e culpa.

A tempestade “perfeita” veio, portanto, no contexto da pandemia, com o aumento das facilidades para trabalhar em qualquer lugar e a qualquer momento. Ainda que todo esse avanço tecnológico tenha sido muito útil e apropriado, é inegável que ele facilitou em muito o aparecimento desse perfil de comportamento em relação ao trabalho, uma vez que a separação entre a vida privada e a profissional não é mais tão nítida como antes.

Estar “conectado” a todo momento cria no indivíduo a sensação de estar disponível 24 horas por dia e colocar um limite nesse sentimento é fundamental para controlar essa armadilha que nós mesmos criamos. O preço de não tomar esse cuidado pode ser percebido nas alterações do sono e do apetite, bem com numa maior chance de desenvolver quadros ansiosos e depressivos.

A questão é complexa, mas se há sofrimento psíquico e físico (secundário ao descuido com a própria saúde), sinais evidentes de prejuízo social (pois o indivíduo deixa de viver para si e para sua família por exemplo), deve-se buscar ajuda, pois o corpo fala, basta saber escutar!

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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