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É é advogado criminalista (OAB/ES) e mestre em Direito Processual Penal (Ufes)

Violência contra as crianças e o peso da proximidade familiar com o crime

O rigoroso caminho a ser seguido é o da educação familiar básica e a conscientização responsável no exercício do “poder familiar”

  • Roberto Darós É é advogado criminalista (OAB/ES) e mestre em Direito Processual Penal (Ufes)
Publicado em 12/10/2021 às 02h00
Crianças têm sido vítimas recorrentes da violência produzida com arma de fogo
Crianças têm sido vítimas recorrentes da violência em família. Crédito: Divulgação

Quais são os limites da maldade humana? A falta de educação básica e a fragilidade conceitual ética constituem as origens da violência contra crianças e adolescentes. Milhares de famílias em diversos níveis econômicos – sendo que a grande maioria são extremamente pobres - convivem diariamente com a violência urbana e a instabilidade social, trazendo essa cruel realidade para o relacionamento familiar, chegando ao entendimento de que os gestos agressivos fazem parte da realidade dramática absorvida na proximidade cotidiana com o fenômeno criminológico.

Assim, sofrem as influências da criminalidade e vão se tornando parte intrínseca da condição humana. Essa é uma triste realidade existencial transferida para a convivência e as atividades educativas com os filhos.

Sob o enfoque das políticas públicas sociais, muito além da mera análise jurídica da Lei 8.069, de 13/07/1990, o ECA, que no Art. 4º preceitua: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, torna-se imprescindível a análise crítica dos dados estatísticos que demonstraram fatos terríveis e chocantes no primeiro semestre deste ano de 2021, em que 81% dos casos de violência contra crianças e adolescentes ocorreram dentro de casa. Assim, a inviolabilidade do domicílio transforma-se em “masmorra” para abrigar os atos cruéis de tortura praticados contra a infância e a juventude brasileiras.

O total de denúncias registradas, em nível nacional, pelo “Disque 100” no mencionado período foi de 50.100 casos, sendo que 40.822 desses atos violentos ocorreram dentro das casas das vítimas inocentes submetidas aos maus-tratos. Levando em consideração a “subnotificação” como regra geral, esses resultados são ainda piores e aterrorizantes, demandando medidas emergenciais por parte dos gestores públicos.

As agressões em maiores quantidades são praticadas por pessoas muito próximas ao convívio familiar. Os registros expressam que as mães aparecem como as principais autoras da violência, com 15.285 denúncias, sendo seguidos pelos pais: 5.861 agressões; assim como os padrastos e as madrastas: 2.664; além de outros familiares: 1.636 registros.

Notou-se também que 93% das denúncias (30.570) foram contra a integridade física ou psíquica das vítimas. Os registros indicaram ainda que 7.051 violações foram por restrições de algum tipo de liberdade ou direito individual da criança e do adolescente. Nesta estatística dramática, cumulativamente houve 3.355 vítimas quanto aos direitos sociais básicos (proteção e alimentação) que foram suprimidos dos mencionados menores.

Os dados estatísticos mais preocupantes revelam a frequência das ocorrências dos atos de violência (física ou psicológica): 70% dessas violações ocorriam todos os dias, conforme declararam as mencionadas vítimas em 23.147 denúncias, todas durante o primeiro semestre de 2021, sendo que 10.365 já ocorriam há mais de um ano do fato registrado.

A maior parte de todos esses eventos delituosos foram constatados por meio de denúncias anônimas, ou seja, em nenhum caso houve precedência de investigações e intervenções preventivas de órgãos assistenciais ou policiais. Portanto, o rigoroso caminho a ser seguido é o da educação familiar básica e a conscientização responsável no exercício do “poder familiar”, juntamente com adição de outros “fatores de proteções” (saúde, educação e segurança).

Mas, enquanto isso não se verifica, torna-se necessária a sensibilização de todos os segmentos sociais no sentido de que cada cidadão fique atento aos fatos que ocorrerem ao seu redor, colaborando com a denúncia de qualquer fragilização dos direitos humanos, principalmente aquelas em que envolvam a violação ou vitimização das crianças e dos adolescentes, destruindo vidas inocentes, sacrificando cruelmente a dignidade da pessoa humana e comprometendo o futuro da promissora infância e juventude do nosso país. A sociedade brasileira precisa praticar a verdadeira fraternidade que é o exercício pleno da justiça social e da democracia.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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