Autor(a) Convidado(a)
É sócio do escritório Sardenberg Oliveira Guidi Advogados, com atuação majoritária no direito tributário e empresarial, mestre em Direitos e Garantias Fundamentais e especialista em Governança, Compliance e Gestão de Risco pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV)

Tributação do lucro desencoraja o empreendedorismo

Ao invés de incentivar quem produz, o projeto sinaliza o oposto: mais custo, mais incerteza, mais desconfiança. Num ambiente em que crédito é caro, logística é precária e o câmbio é volátil, o que sobra de competitividade depois de tanta intervenção?

  • Enzo Scaramussa Colombi Guidi É sócio do escritório Sardenberg Oliveira Guidi Advogados, com atuação majoritária no direito tributário e empresarial, mestre em Direitos e Garantias Fundamentais e especialista em Governança, Compliance e Gestão de Risco pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV)
Publicado em 25/11/2025 às 11h59

Entre as duas certezas do mundo, os impostos é a que nos acompanha durante a vida. É nesse contexto que George Harrison escreve “Taxman”, uma das músicas mais subestimadas dos Beatles, inserida num álbum que marca a mudança nas inspirações do grupo. É nela que está uma frase icônica que representa o momento atual do cenário brasileiro: “Você está trabalhando para ninguém além de mim”, o contexto é claro, após três anos de árduos trabalhos, o quarteto de Liverpool, enfim, consegue parar e pensar em tarefas triviais, como gerenciar seu dinheiro e é aí que descobrem que eles têm muito menos do que achavam, justamente por conta de um “sócio oculto”, o Estado.

E por que estou contando essa história? O Senado aprovou o projeto de lei que põe fim à histórica isenção dos dividendos distribuídos a pessoas físicas. Falta apenas a sanção presidencial para que, a partir de janeiro de 2026, o lucro que sai das empresas passe a ser tributado em 10%, sempre que ultrapassar R$ 50 mil por mês, salvo algumas brechas.

Muitos justificam a aprovação como um verdadeiro avanço civilizatório, pois, o Brasil era uma das raras exceções no mundo a não tributar dividendos. Mas esse discurso é frágil ainda mais com a pegadinha na regra de transição faltando 45 dias para o fim do ano.

O texto aprovado diz que os lucros “apurados até 2025” estarão livres da nova tributação, desde que sua distribuição seja aprovada até 31 de dezembro de 2025 e o pagamento ocorra “nos termos originalmente previstos”. É o tipo de regra que, à primeira vista, parece simples, na prática, é um convite à confusão contábil.

Empresas normalmente têm até abril do ano seguinte para aprovar balanços e distribuir resultados. Ou seja, a própria lei civil permite deliberar sobre os lucros de 2025 em 2026. Mas o texto fiscal exige que o fechamento, a aprovação, a ata e o registro estejam prontos até a virada do ano. Um contrassenso.

Resultado: nós vivenciaremos uma verdadeira correria no fim de ano buscando aproveitar, por uma última vez, que o nosso “sócio oculto” não seja majoritário (apesar de haver controvérsias sem a aprovação da lei).

Somando IRPJ, CSLL e a nova mordida sobre dividendos, a carga total dos tributos relacionados aos rendimentos pode passar de 40%, sem contar com os impostos indiretos, e tudo isso num país em que abrir, operar e encerrar uma empresa ainda é sinônimo de aventura regulatória.

O mais curioso é que, sob o argumento de “harmonizar o Brasil ao padrão internacional”, o Congresso esqueceu um detalhe: os países que tributam dividendos não mantêm a mesma carga sobre as empresas. Lá fora, o imposto sobre o lucro corporativo costuma ser menor. Aqui, não.

Ao invés de incentivar quem produz, o projeto sinaliza o oposto: mais custo, mais incerteza, mais desconfiança. Num ambiente em que crédito é caro, logística é precária e o câmbio é volátil, o que sobra de competitividade depois de tanta intervenção?

Na prática, a nova regra cria também um incentivo perverso. Para fugir do limite de R$ 50 mil mensais, muitos empresários vão fatiar negócios e abrir novos CNPJs. Grupos empresariais inteiros poderão se reconfigurar para distribuir lucros entre diversas pessoas jurídicas, apenas para escapar do teto e da retenção.

Ou seja, aquilo que se vende como “simplificação tributária” vai gerar o contrário. Mais complexidade, mais custos e menor capacidade de fiscalização. A Receita Federal, que já lida com um cipoal de regimes e exceções, passará a monitorar não uma empresa, mas dezenas de clones.

No Espírito Santo, onde predominam negócios familiares e exportadores de médio porte, o impacto pode ser direto. Empresas que reinvestem boa parte do lucro terão de repensar seu caixa; quem depende de dividendos para manter renda e consumo sentirá a mordida no bolso.

Reforma tributária, impostos
Impostos no Brasil. Crédito: Thiago Fagundes/Agência Câmara

Não se trata de negar a necessidade de justiça fiscal. É razoável que dividendos paguem algum imposto, desde que o sistema como um todo seja equilibrado, mas o que o país faz agora não é isso, é apenas acrescentar mais um andar a um edifício que já ameaça ruir de tanto peso.

Tributar dividendos pode até aproximar o Brasil do resto do mundo, contudo fazer isso sem aliviar a carga sobre as empresas é como tentar modernizar um navio abrindo buracos no casco.

No fim, o projeto não pune a renda ociosa nem corrige desigualdades. Pune o ato de empreender. O Brasil escolheu tributar o lucro resta saber se conseguirá manter o que é mais difícil de gerar: a coragem de continuar produzindo.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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