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É advogado, especialista em litígios complexos, mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo e doutorando em Processo na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Tragédia de Mariana: a (in)efetividade do processo de reparação dos atingidos

Entre acordos e decisões ruins, o que fica é o conflito de interesses e a sensação de injustiça entre as vítimas da maior tragédia ambiental brasileira

  • Pedro Luiz Domingos É advogado, especialista em litígios complexos, mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo e doutorando em Processo na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Publicado em 15/03/2022 às 02h00
Lama de rejeitos no Rio Doce, em 2015: municípios capixabas foram atingidos
Lama de rejeitos no Rio Doce, em 2015: municípios capixabas foram atingidos. Crédito: Carlos Alberto Silva

Seis anos se passaram desde o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), que causou o pior desastre ambiental da história brasileira. Foram toneladas de rejeitos de mineração despejadas no Rio Doce, atravessando toda sua extensão até atingir a foz na vila de Regência, em Linhares (ES).

Desde então, milhares de processos judiciais tiveram início, envolvendo dois dos maiores grupos de mineração do mundo - a Vale S.A. e a BHP Brasil – que controlam o capital acionário da Samarco S.A., proprietária da barragem rompida. Nenhum deles, no entanto, conseguiu que os responsáveis sofressem as devidas consequências nos âmbitos civil e criminal.

O tempo excessivo concedido pela justiça permitiu que as mineradoras evitassem utilizar todos os recursos disponíveis para reparação dos prejuízos. Em lugar disso, o que observamos é um descaso social gigantesco, resultado da complexidade da disputa e da sobreposição de interesses, levando à fuga em massa de populações tradicionais em direção às cidades, ao aumento de violência doméstica, da criminalidade e miséria dos ribeirinhos.

Os vários acordos manejados pelas instituições de justiça foram incapazes de envolver plenamente as comunidades afetadas e se mostraram inflexíveis para articular a complexa gama de interesses e prejuízos em modos adequados de reparação.

Um exemplo disso é o sistema indenizatório simplificado que foi desenvolvido pela 12ª Vara Federal de Belo Horizonte com o intuito de facilitar o pagamento de indenizações pela Fundação Renova. Por meio de uma plataforma on-line, alimentada por escritórios de advocacia, em uma complexa disputa de “clientes”, com ampla e irrestrita quitação de direitos, provocando o efeito oposto ao pretendido, deixando a população ribeirinha desnorteada, sem ciência inequívoca da disponibilidade dos direitos que abrem mão em troca de parcos recursos.

Além disso, ainda hoje se discute quem seriam os atingidos e quais os meios adequados para atingir reparação justa. Em relação aos danos ambientais, a situação é ainda mais devastadora, pois não há uma definição sobre como revitalizar o Rio Doce, ou quando isso começaria. São muitas discussões e poucas conclusões, o que mina a confiança na capacidade das instituições de justiça solucionarem o caso.

Por isso, em novembro de 2018, o conflito foi elevado a uma disputa internacional perante o Poder Judiciário da Inglaterra e do País de Gales. O impacto e a repercussão internacional, assim como a expectativa de que o julgamento por meio do processo civil inglês promova justiça integral, têm sido alvo de debate em jornais do mundo e sites jurídicos especializados.

Os atos ocorridos na justiça inglesa parecem impactar também as decisões mais recentes no Brasil. O próprio sistema simplificado acrescentou como critério para acesso à plataforma de indenização que o demandante tenha ingressado na ação inglesa como autor até 30 de abril de 2020, e ainda prevê cláusula de quitação e renúncia da ação estrangeira como condição para homologação do acordo.

Fica evidente a necessidade de seguir na busca de soluções, visto que o Caso de Mariana na Inglaterra e no País de Gales leva àquelas cortes mais de 201 mil atingidos, que buscam demonstrar que a reparação brasileira não tem sido suficiente. A esperança agora é que os conflitos de interesse possam dar lugar à reparação adequada dos prejuízos, para que cada uma das pessoas afetadas pela tragédia conquiste por meio da justiça as condições de seguir em frente e avistar um horizonte melhor de vida.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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