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Victor Reis Mazzei é professor universitário e doutor em Educação Física, e André da Silva Mello é professor universitário, pós-doutor em Educação Física e líder do grupo Naif/Ufes

Soluções criativas não são exclusividade de quem tem um “dom” especial

O cotidiano é vivo, dinâmico e propício a mudanças. Agir taticamente é buscar formas de resistir, burlar e de não se admitir como ser dominado e alienado

  • Victor Reis Mazzei e André da Silva Mello Victor Reis Mazzei é professor universitário e doutor em Educação Física, e André da Silva Mello é professor universitário, pós-doutor em Educação Física e líder do grupo Naif/Ufes
Publicado em 28/07/2021 às 14h00
tem crescido, por todo o país, a criação de ambientes focados em desenvolver soluções inovadoras e criativas
Pensar no ato criativo como algo “glamourizado” é um ponto que deve ser rechaçado. Crédito: Athree23/ Pixabay

Será mesmo que somente aqueles que nasceram com um “dom” especial é que são capazes de ter soluções criativas? Vejamos o que Michel de  Certeau (1936-1985) tem para nos dizer. Nascido na França, o historiador dedicou grande parte de suas pesquisas investigando o cotidiano do sujeito ordinário, o homem comum, e a sua relação com a cultura popular.

De maneira simplista, o cotidiano diz respeito ao próprio fluxo da vida de cada um na sua relação com os demais, bem como à forma como agimos taticamente diante daquilo nos é imposto/estabelecido. Agir taticamente é buscar formas de resistir, burlar e de não se admitir como ser dominado e alienado. O cotidiano é vivo, móvel e dinâmico, e se configura como um campo propício a mudanças, à medida que as peças de um imenso tabuleiro de xadrez vão se movendo e afetando nossas vidas.

Certeau nos informa que os sujeitos não consomem passivamente os bens que lhes são ofertados, sendo capazes de dar a eles significados e até utilizações distintas. Certeau nomeia esse ato de consumo produtivo e pode ser vislumbrado em inúmeras ações autorais que, no entanto, em muitas situações, não sabemos quem são os seus criadores.

Uma arte do fazer interessante é o uso da lã de aço nas antenas de televisão com o intuito de melhorar a qualidade das imagens. Não obstante o slogan que insinua as “mil e uma utilidades” do produto, nos parece um uso bem distante daqueles ligados à limpeza de louças, talheres e vidros. Na infância, até usávamos para tirar ferrugem nos aros de bicicleta. Mas daí para as antenas, o salto é grande e só foi possível pelo experimento de um anônimo.

Quais foram suas motivações em fazer esse teste? Ver o seu time de futebol em uma disputa decisiva? Assistir ao último capítulo da novela? Acompanhar as notícias no telejornal? Para nós, que nascemos em um cenário com o produto ornando a antena nos resta saudar a esse sujeito, que, com sua arte do fazer, colaborou para o lazer de tantas pessoas.

Certeau nomeia de dimensão ética a prática que se relaciona a aspectos ligados à autoria, sobre a necessidade histórica de existir e de se revelar. A dimensão ética pode ser percebida nos dias de hoje no grande volume de publicações que povoam as redes sociais. Seja na busca de se comunicar com nichos específico, seja na tentativa de se tornar um influencer com grande reconhecimento, nota-se como indivíduos vão produzindo seus conteúdos criativamente, a partir dos recursos tecnológicos disponíveis, e assim vão difundindo suas visões de mundo a pessoas que, por meio sua estéticas da recepção, também não recebem passivamente o que é transmitido a elas. E assim o cotidiano vai se transfigurando.

Portanto, pensar no ato criativo como algo “glamourizado” e exclusivo de certas pessoas é um ponto que deve ser rechaçado, se nos basearmos em Certeau. Segundo o autor, o cotidiano é palco de inúmeras ações criativas de sujeitos anônimos, como nós, que, embora, muitas vezes, não tenham suas autorias devidamente reconhecidas, agem dessa maneira para sobreviver e/ou manifestar as suas potências de vida.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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