Autor(a) Convidado(a)
É psicanalista em Vitória - ES, membro da Escola Brasileira de Psicanálise / Associação Mundial de Psicanálise, sócia-fundadora e membro do Conselho Consultivo e Técnico da Associação Pipa (e rabiola), autora de vários artigos e capítulos em livros sobre autismo

Sobre os significados do termo "autismo" em nossa época

A expansão indiscriminada do diagnóstico de autismo serve bastante à tentativa de apagamento das variações subjetivas em nome de uma padronização dos sujeitos, fazendo desaparecer as singularidades

  • Bartyra Ribeiro de Castro É psicanalista em Vitória - ES, membro da Escola Brasileira de Psicanálise / Associação Mundial de Psicanálise, sócia-fundadora e membro do Conselho Consultivo e Técnico da Associação Pipa (e rabiola), autora de vários artigos e capítulos em livros sobre autismo
Publicado em 26/09/2025 às 13h14

Os meios de pesquisas científicas e clínicas têm se dedicado profundamente em estudos sobre a questão do autismo, levantando-se inúmeras hipóteses robustas e provocando polêmicas entre abordagens que se contrapõem. Desacordos que não se atêm somente ao valor dos fatores inatos, talvez, causadores do autismo, mas a questões, muitas vezes, ligadas a uma disputa sobre o domínio de um saber, de uma verdade que se apresente única, ou absoluta.

Há, entretanto, um contexto histórico a ser considerado.

Buscando re-medicalizar a psiquiatria, nos anos 1970, surgiram as primeiras formulações em torno do DSM-III (Associação Americana de Psiquiatria – APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais), que abandonaram a noção de psicose na infância. Contemporâneo a isso, o cognitivismo começou a se firmar valorizando o tratamento das informações pelo cérebro.

Em 1972, nos Estados Unidos, uma estratégia pedagógica visava a incluir os pais e a estender para a casa os métodos utilizados em espaços de aprendizado: o método TEACCH. Em 2015, a AQUAS (agência de qualidade e avaliações de saúde da Catalunha) publicou um relatório independente no qual aponta para a “falta de provas científicas na abordagem das TCCs para tratamentos psicodinâmicos”. Métodos comportamentais, entretanto, são pedagógicos e visam à educação e à adaptação às normas de condutas sociais. Não são métodos clínicos, pois excluem qualquer menção à subjetividade do autista.

Com o lançamento, em 1980, do DSM-III, o autismo foi inserido entre os “distúrbios globais do desenvolvimento” e, em 1987, o DSM-III-R o descreveu como “distúrbio invasivo do desenvolvimento”. Dentre as principais características estão uma dificuldade na aquisição de aptidões cognitivas, linguísticas, motoras e sociais. “Invasivo” significa que a pessoa é atingida da forma mais profunda. Essas mudanças sugerem que o autismo dependa mais da educação especializada que de medicação. Isso possibilita à psicanálise considerar o autismo como fora do campo das psicoses.

No século XXI, a pesquisa genética ganhou força total, fazendo obstáculo às considerações subjetivas em relação aos autistas impondo limites arbitrários entre autismo “verdadeiro” e “personalidades pós-autísticas”, contrapondo-se aos relatos dos próprios autistas que insistem em afirmarem-se como tais, mesmo socializados e estabilizados em suas crises. Da mesma forma, tem se caracterizado por uma ‘epidemia diagnóstica’, diante do aumento estatístico de casos.

Se há uma epidemia de diagnósticos de autismo ou uma epidemia de autismo – ou ambos -, a questão é a quem interessa, visto que envolve toda uma geração de crianças, familiares e uma estrutura de estado em torno do que pode não ser comprovável clinicamente, sendo apenas uma amostragem baseada em fenômenos comportamentais.

Autismo. Crédito: Getty Images
Autismo. Crédito: Getty Images

Se há uma epidemia de autismo, precisamos nos colocar, enquanto sociedade, quanto ao que isso representa de quebra do vínculo com o social. A expansão indiscriminada do diagnóstico de autismo serve bastante à tentativa de apagamento das variações subjetivas em nome de uma padronização dos sujeitos, fazendo desaparecer as singularidades.

Para a psicanálise, no entanto, o autismo não é uma doença e deve sair do campo da medicina. O autismo é um estado, uma forma de estar no mundo, sendo algo que diz respeito à estrutura subjetiva, isto é, às possibilidades de respostas do sujeito na sua relação com o mundo.

O termo ‘autismo’ tem se popularizado no senso comum para dizer de crianças inibidas, meticulosas, quietas ou agitadas demais; de pessoas com dificuldades de relacionamento social, com déficits de aprendizagem ou qualquer dificuldade intelectual; de pessoas neurologicamente comprometidas, com síndromes neurológicas ou genéticas; e mesmo de psicoses – tem sido usado para dizer de muitas coisas que não são propriamente autismo.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais
autismo medicina Psiquiatra Psicanalista

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.