Autor(a) Convidado(a)
São sócias do SVMP Advogados

Riscos ocupacionais: alterações da NR-1 e a regulamentação da incerteza

Empregadores precisarão mapear riscos psicossociais e adotar práticas de saúde e segurança no trabalho, enfrentando desafios de aplicação e fiscalização a partir de maio de 2026

  • Ana Carolina Machado Lima e Camila Correa Ribeiro São sócias do SVMP Advogados
Publicado em 04/11/2025 às 08h30

A partir de maio de 2026 entram em vigor as alterações promovidas no texto da NR-1, relativas à identificação, classificação, monitoramento e prevenção dos chamados riscos psicossociais. Tais modificações impõem novas obrigações aos empregadores quanto à organização do trabalho e buscam compreender os efeitos desta sobre a saúde física, social e psicológica do trabalhador.

A NR-1 é a norma que estabelece as diretrizes gerais de saúde e segurança do trabalho no Brasil, servindo como base para todas as demais normas regulamentadoras. O item 1.5.3.2.1 prevê expressamente que os riscos psicossociais estão enquadrados e devem ser considerados com base na NR-17, norma que trata da ergonomia.

A análise a ser realizada pelo empregador refere-se ao ambiente de trabalho, e não às pessoas que compõem a organização. O problema é que a NR-1, além de não prever quais seriam as metodologias para apuração desses riscos, apresenta conceitos abertos ao exemplificar o que considera um risco psicossocial.

Empresas serão obrigadas a medirem riscos à saúde mental no ambiente de trabalho
Trabalhadora: NR-1 de não prevê metodologias para apuração de riscos ocupacionais e apresenta conceitos abertos ao exemplificar risco psicossocial. Crédito: Freepik

O Ministério do Trabalho e Emprego publicou, em abril de 2025, um guia que traz uma listagem exemplificativa de fatores de riscos psicossociais relacionados ao trabalho, tais como: assédio de qualquer natureza, baixa clareza de papel/função, baixas recompensas e reconhecimento, falta de suporte/apoio no trabalho, baixo controle ou falta de autonomia, baixa justiça organizacional, subcarga ou sobrecarga de trabalho, maus relacionamentos no ambiente laboral, entre outros.

O governo também prometeu publicar um Manual técnico com orientações detalhadas, mais aprofundado que o guia focando em procedimentos técnicos, boas práticas, definições de interpretação e apoio na implementação do PGR com foco psicossocial. Esse manual está sendo elaborado por uma comissão tripartite, com representantes do governo, empregadores e trabalhadores. A entrega desse material estaria prevista para novembro de 2025.

Espera-se que esse Manual possa trazer maior clareza sobre a questão, visto que, até o momento, o que se observa da norma são conceitos extremamente amplos, sem fixação de limites de tolerância, tal como se dá com os demais riscos (biológicos, químicos e físicos). Também não há definição sobre qual seria o profissional adequado para realizar o mapeamento desses riscos.

A regulamentação prevê que as empresas devem documentar algumas ações, citando exemplos: critérios de avaliação dos riscos, capacitação de líderes, simulações de exercícios emergenciais, integração com empresas terceirizadas, manutenção de canais de comunicação eficazes e disponibilização do PGR ao sindicato, além de atender às solicitações de reavaliação de riscos feitas pela Cipa. Os empregadores que não realizarem o mapeamento poderão sofrer penalizações e sanções a partir de maio de 2026.

Nota-se que o desafio do governo será trazer objetividade e clareza à regulamentação. Isso porque mapear processos e medir a organização de tarefas que possam afetar a esfera coletiva do trabalho, sem uma metodologia estabelecida de apuração e controle, gera subjetividade e dúvidas quanto à conformidade. Até mesmo a fiscalização do trabalho estará sujeita a critérios distintos no momento das autuações, o que contribui para o aumento da insegurança jurídica sobre o tema.

Além disso, dados sobre a saúde dos trabalhadores são considerados sensíveis e sigilosos. Portanto, a análise do ambiente pode ser dificultada e entrar em conflito com a Lei Geral de Proteção de Dados. Outro princípio fundamental que pode ser vulnerado é o direito à intimidade do trabalhador. Questões relacionadas à saúde mental são, muitas vezes, de origem genética e envolvem uma esfera ética complexa. É necessário cuidado para que a proteção não se transforme em aumento de estigmas e preconceitos.

As empresas que não cumprirem os preceitos da NR, além de multas administrativas, podem sofrer: interdição ou restrição de setores, ou atividades até que se adeque às exigências estabelecidas; aumento de tributos e perda de benefícios fiscais; elevação do grau de Fator Acidentário de Prevenção (FAP), que influencia diretamente o valor da contribuição previdenciária da empresa; reclassificação do grau de risco da empresa; comprometimento de certificações ISO e auditorias ESG; presunção de culpa com inversão do ônus da prova em ações judiciais trabalhistas, atraindo a responsabilidade civil e, em casos extremos, até mesmo a criminal, gerando prejuízos financeiros e reputacionais.

Independentemente de metodologias e obrigações, o empregador deverá, a partir de agora, pensar o ambiente de trabalho de forma integrada, prezando por boas práticas que contribuam para a manutenção de relações saudáveis: adotar políticas internas claras, capacitar líderes, promover uma cultura acolhedora e uma comunicação eficaz, estimular a escuta ativa, disponibilizar canais de denúncia, implementar políticas contra assédios e reestruturar a organização das tarefas para atender aos preceitos legais. Essas medidas certamente refletirão em um ambiente que não cause impactos negativos à saúde mental do trabalhador.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.