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É sócia-fundadora da Oficina Consultoria, especialista em gestão de crises de alto risco reputacional e autora de “Muito além do Media training – o porta-voz na era da hiperconexão”.

Rage bait, a isca do ódio: sua marca está a um clique da próxima crise

Reputação não se constrói na velocidade de um trending topic, tampouco se sustenta em provocações baratas. Ela exige consistência, coerência e responsabilidade na forma de participar do debate público

  • Patrícia Marins É sócia-fundadora da Oficina Consultoria, especialista em gestão de crises de alto risco reputacional e autora de “Muito além do Media training – o porta-voz na era da hiperconexão”.
Publicado em 11/12/2025 às 16h48

“Rage bait” foi eleita a palavra do ano pela Universidade de Oxford. O termo define conteúdos deliberadamente criados para provocar indignação e, consequentemente, engajamento. Para marcas e lideranças, representa um risco reputacional que cresce na mesma velocidade dos cliques: rápido, viral e potencialmente devastador.

O mecanismo é simples e perverso. Quanto mais ódio um conteúdo desperta, maior sua capacidade de circulação, independentemente de sua veracidade. Os algoritmos das redes sociais amplificam aquilo que provoca reação emocional intensa. A tentação do atalho é grande: visibilidade imediata em troca de uma provocação calculada. Mas o preço é alto.

A neurociência já confirmou: nosso cérebro reage de forma mais intensa a estímulos negativos. Fiz um teste no LinkedIn usando nossa NeuroAI para medir essa dinâmica, e os resultados revelam exatamente como funcionam essas “iscas emocionais”. Elas funcionam, sim. Mas sacrificam algo infinitamente mais estratégico que um pico de visualizações: a confiança.

Todos os anos acompanho com atenção as escolhas dos grandes dicionários globais e da Oxford sobre a palavra que melhor traduz o espírito do tempo. Para mim, é um exercício de leitura do comportamento humano, uma forma de identificar tendências, compreender tensões sociais e observar de que maneira a contemporaneidade molda a construção de reputações e acelera a formação de crises.

Quando analisamos esse conjunto de escolhas recentes, o diagnóstico se torna evidente: do goblin mode ao rizz e brain rot selecionados pela Oxford, passando por permacrise, eleita pelo dicionário Collins em 2022 como reflexo de um período prolongado de instabilidade e insegurança, vemos um vocabulário que não surge por acaso. Ele expressa um pós-pandemia marcado por hiperexposição e uma solidão crescente, e revela, antes de tudo, a aceleração de um comportamento digital reativo, fragmentado e cada vez mais propenso ao conflito. Então, o debate público se esgarça, a desinformação se infiltra com rapidez e o ódio encontra condições ideais para se normalizar.

No mundo corporativo, onde consumidores, reguladores, investidores e colaboradores monitoram cada movimento, esse é um risco que não compensa. Embora muita gente ainda seja presa fácil de armadilhas emocionais, cresce o número de usuários que reconhecem rapidamente quando o conteúdo deixa de informar e passa a inflamar. É nesse ponto que o risco reputacional se torna evidente.

Utilizar provocações baratas para atrair cliques não apenas degrada o ambiente digital, mas também alimenta o terreno da desinformação, considerada pelo Fórum Econômico Mundial o grande mal da década. Mentiras e narrativas que estimulam ódio e polarização corroem credibilidade de forma irreversível.

Nesse cenário, ganha força a chamada Dieta da Comunicação, um princípio simples e transformador. Assim como uma dieta tradicional propõe escolhas mais conscientes sobre o que consumimos, esta convida a selecionar com rigor o que expressamos.

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Em um mundo hiperconectado, cada gesto carrega expectativas de alinhamento entre discurso e prática. Crédito: Shutterstock

Na prática, significa reduzir impulsos, evitar respostas exacerbadas, filtrar estímulos que provocam ruído e priorizar conteúdos que contribuam para a construção de valor. É uma blindagem estratégica para organizações e líderes, protegendo a reputação, reduzindo o risco de incoerências públicas e reforçando a imagem de maturidade em um ambiente que premia o exagero, mas pune qualquer deslize.

Em um mundo hiperconectado, cada gesto carrega expectativas de alinhamento entre discurso e prática. A inconsistência virou o gatilho mais comum para crises reputacionais, pois revela um descompasso simbólico entre o que a marca diz e o que efetivamente entrega.

A arena do debate público mudou radicalmente após a mediação das big techs, que controlam os dados, os fluxos e as lentes pelas quais enxergamos a realidade. Quando Pedro Bial viralizou com seu vídeo sobre filtro solar há 25 anos, os algoritmos ainda não moldavam o comportamento coletivo. O que era espontâneo tornou-se estratégia. Hoje, a lógica do engajamento não é guiada pelo acaso, mas por sistemas que amplificam a indignação.

Reputação não se constrói na velocidade de um trending topic, tampouco se sustenta em provocações baratas. Ela exige consistência, coerência e responsabilidade na forma de participar do debate público. Para manter seu legado intacto em meio a um fluxo informacional volátil e metodicamente perverso, as instituições devem investir de forma contínua em transparência, escuta ativa e zelar pela integridade da informação.

Por isso, o rage bait é, antes de tudo, uma cilada corporativa. O desafio agora não é apenas engajar, mas engajar com critério e bom senso. O futuro das marcas e de suas lideranças depende, sobretudo, da habilidade de sustentar conversas que criem valor, reforcem propósito e mantenham a confiança de seus públicos. Essa solidez, e não a provocação fácil, é que determina quem apenas aparece de quem realmente permanece.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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