Não é novidade para ninguém: circular pelas grandes e médias cidades brasileiras virou um exercício diário de paciência — e, muitas vezes, de sobrevivência. O trânsito se impôs como um dos principais desafios urbanos do século XXI. Congestionamentos intermináveis, acidentes, transporte público de má qualidade e escassez de vagas para estacionar são apenas sintomas de um sistema em colapso.
O mais curioso é que, mesmo diante de tantos alertas, a mobilidade urbana segue sendo tratada como um problema técnico — quando, na verdade, é uma questão social, econômica e de saúde pública. Falta ar nos pulmões e sobra buzina nos ouvidos. O caos das ruas afeta diretamente a qualidade de vida da população e impõe deseconomias às cidades.
O trânsito é, paradoxalmente, o espaço mais democrático que existe. Basta colocar o pé na rua e, como pedestre, ciclista, motorista ou passageiro, já estamos inseridos nesse ecossistema coletivo. No entanto, convivemos diariamente com políticas públicas desarticuladas, infraestrutura defasada e decisões que ignoram a complexidade do sistema.
Mesmo os planos de mobilidade mais bem estruturados esbarram em uma verdade inconveniente: não existe solução perfeita. A ilusão de que é possível atender a todos os desejos de deslocamento com conforto e rapidez mascara uma compreensão superficial do problema. É o que especialistas chamam de “ilusão da profundidade explicativa” — acreditamos entender como tudo funciona, mas nossas opiniões, muitas vezes, flertam com o senso comum.
Nas redes sociais, todos viraram especialistas em trânsito. Mas pouco se fala sobre a importância da coleta de dados, do planejamento urbano eficiente, da tecnologia aplicada à engenharia de tráfego e da gestão integrada entre diferentes meios de transporte. A gestão da mobilidade exige decisões duras, que impactam o cotidiano e o espaço público.
A insatisfação é generalizada — e compreensível. Sistemas viários precários, transporte de massa ineficiente, sinais semafóricos mal planejados... tudo contribui para um sentimento de impotência coletiva.
Em meio a esse cenário, pipocam bandeiras e movimentos que defendem transformações radicais nas cidades. Muitos são bem-intencionados, mas pecam pela abstração: propõem soluções desvinculadas da realidade e, por vezes, sem base técnica ou sustentabilidade de longo prazo.
Se queremos um futuro com cidades mais humanas, acessíveis e eficientes, é preciso mais do que vontade política ou ativismo: precisamos de planejamento, escuta qualificada, dados confiáveis e uma abordagem sistêmica. Afinal, mobilidade é mais do que mover pessoas — é garantir o direito de ir e vir com dignidade.
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