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É doutorando em Geografia pela Unicamp

Preconceitos que não existem: quando opressores se fazem de oprimidos

Em um tempo no qual a conquista de diretos historicamente negados a determinadas minorias é confundida com “privilégio”, temos que gastar tempo (e palavras) para explicar o óbvio

  • Francisco Fernandes Ladeira É doutorando em Geografia pela Unicamp
Publicado em 03/02/2022 às 02h00

Ao longo do tempo, as diversas organizações sociais foram (e ainda são) marcadas por diferentes tipos de antagonismos, relacionados a gênero, cor, orientação sexual, crença e classe, entre outros. Isso significa que, historicamente, há opressão/exploração de homens sobre mulheres, brancos sobre outras etnias, heterossexuais sobre homossexuais, cristãos sobre minorias religiosas e, principalmente, ricos sobre pobres. Evidentemente, tais constatações não se tratam de nenhuma novidade. São demasiadamente óbvias (ou pelo menos deveriam ser).

No entanto, o que tem chamado a atenção nos últimos anos são os movimentos e pessoas que apontam existir uma realidade diferente da descrita no parágrafo anterior, em que homens, brancos, heterossexuais, cristãos e elite seriam os segmentos “oprimidos” da sociedade.

Para os chamados Mgtow – Men Going Their Own Way (“Homens Seguindo seu Próprio Caminho”) – indivíduos que optaram por não ter filhos, não namorar, não casar ou não iniciar uma união estável, pois, segundo eles, estas relações sempre acarretam prejuízos emocionais e financeiros – a sociedade atual é “ginocêntrica”, ou seja, as mulheres detêm certos privilégios em relação aos homens (setor oprimido nos antagonismos de gênero), como, por exemplo, o que designam como “leis misândricas”, como a do feminicídio, do abandono parental ou o extinto Bolsa Família.

Em linha analítica similar, a (controversa) hipótese do “racismo reverso” parte do princípio de que negros teriam “tratamento preferencial” e seriam beneficiados por políticas públicas (como as cotas em universidades) e alerta para a existência de um “racismo preto antibranco”, conforme escreveu o antropólogo Antonio Risério, em polêmico artigo recentemente publicado em um jornal de circulação nacional.

Tão grotesco quanto o “racismo reverso” é a ideia, difundida por setores conservadores, de que, em tempos de “politicamente correto”, estaríamos vivendo uma “ditadura gayzista”, em que homossexuais teriam certos privilégios, não acessíveis a heterossexuais. Não por acaso, em reação a essa suposta realidade adversa, vereadores de alguns municípios brasileiros já propuseram a criação do “Dia do Orgulho Hétero”, como se alguém, em nosso país, já tivesse sofrido constrangimento público simplesmente por ter atração por pessoas do sexo oposto.

Já alguns fiéis neopentecostais alegam ser constantemente vítimas de “cristofobia” (preconceito e discriminação contra cristãos, principalmente evangélicos).

No entanto, desde que Cabral chegou por essas terras, em 1500, não há registro de perseguição a cristãos por aqui. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito em relação aos indivíduos que professam religiões de matriz africana.

Ao contrário dos (supostos) preconceitos listados acima, não nego a existência da “cristofobia”. Porém, ela nos remete ao Império Romano dos séculos I, II e III, quando cristãos eram sistematicamente perseguidos.

Igualdade e fim do preconceito
Igualdade e fim do preconceito. Crédito: wirestock/Freepik

Por mais surreal que possa parecer, também há quem acredite na existência de “preconceito contra ricos” (uma espécie de aporofobia ao contrário) expresso na demonização de grandes empresários ou em “xingamentos” como “patricinha”, “mauricinho" e "playboy”.

E assim, diante desses exemplos de opressores que se fazem de oprimidos, é fundamental repetir: no Brasil contemporâneo não existe sociedade ginocêntrica, não existe racismo reverso, não existe ditadura gayzista, não existe cristofobia e muito menos ricos sofrem preconceito por sua condição social.

Infelizmente, em um tempo em que a conquista de diretos historicamente negados a determinadas minorias é confundida com “privilégio”, temos que gastar tempo (e palavras) para explicar o óbvio.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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