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É jornalista e escritora

Por que temos medo da velhice?

Há exemplos que  mostram que não precisamos temer a velhice; precisamos reinventá-la. Precisamos acolher, ouvir, adaptar, respeitar. Precisamos compreender que envelhecer não é desaparecer — é continuar, é transformar-se, é existir plenamente

  • Isa Colli É jornalista e escritora
Publicado em 30/11/2025 às 10h00

O tema da redação do Enem deste ano nos obrigou a encarar um assunto que atravessa famílias inteiras, mas que muitos tentam manter à margem: o envelhecimento da população brasileira. Falar sobre isso não é apenas discutir políticas públicas. É olhar nos olhos de quem veio antes de nós — nossos pais, nossos avós — e reconhecer que o tempo, cedo ou tarde, nos conduz ao mesmo lugar.

Apesar de avanços importantes, ainda prevalece a ideia de que envelhecer é sinônimo de apagar-se. Como se, ao cruzar determinada idade, a vida perdesse cor, valor, potência. Essa visão limitada alimenta preconceitos e pesa, sobretudo, sobre a chamada geração sanduíche: homens e, principalmente, mulheres entre 30 e 50 anos que se dividem entre cuidados com os filhos, apoio aos pais e a tentativa de não perder a si mesmos no processo. Essa sobrecarga, silenciosa e constante, revela o quanto o país ainda não aprendeu a acolher quem envelhece.

O filme "O Último Azul", usado como repertório por muitos estudantes no Enem, ilustra esse incômodo coletivo. Em sua narrativa distópica, idosos são enviados para colônias isoladas sob o argumento de aliviar os mais jovens. A ficção exagera, mas a pergunta que ela provoca é dolorosamente real: quantas vezes tratamos o idoso como peso? Quantas vezes a sociedade o afasta, o infantiliza, o silencia?

Filme O Último Azul
Filme "O Último Azul". Crédito: Guillermo Garza_Desvia

Essa não é — nem deveria ser — a verdade sobre o envelhecer.

Há quem, aos 60, 70 ou 80 anos, descubra caminhos novos. Gente que inicia projetos, aprende outra profissão, encontra novos amores, recupera sonhos antigos. Pessoas que provam, todos os dias, que a vida não termina quando os cabelos embranquecem; apenas muda de ritmo, de luz, de significado.

Para que essas histórias deixem de ser exceções, precisamos compreender que envelhecer com dignidade é um compromisso coletivo. Conceitos como envelhecimento ativo e desenho universal são fundamentais nesse processo. O primeiro defende saúde, autonomia e participação; o segundo propõe cidades, serviços e produtos pensados para pessoas de todas as idades. Quando esses princípios ganham forma, eles aparecem em gestos concretos: calçadas seguras, transporte acessível, tecnologia amigável, atendimento respeitoso, oportunidades reais de convivência e inclusão.

Essas pequenas escolhas revelam, na prática, o tipo de sociedade que desejamos ser.

E, se ainda nos falta entender como transformar a velhice em um período de plenitude, basta observar lugares do mundo onde isso já acontece. Em regiões conhecidas como Zonas Azuis — Okinawa, Ogliastra, Ikaria, Nicoya e Vilcabamba — pessoas vivem mais de cem anos com vigor, autonomia e alegria. Lá, a velhice não é vista como sombra, mas como colheita. O segredo não está em fórmulas mágicas, mas em hábitos simples: vínculos fortes, alimentação natural, movimento diário, propósito claro e uma cultura que valoriza cada fase da vida.

Esses exemplos mostram que não precisamos temer a velhice; precisamos reinventá-la. Precisamos acolher, ouvir, adaptar, respeitar. Precisamos compreender que envelhecer não é desaparecer — é continuar, é transformar-se, é existir plenamente.

O Enem de 2025 fez mais do que propor uma redação: convidou o país a refletir sobre quem somos e sobre quem desejamos ser quando a idade chegar. Porque envelhecer é, antes de tudo, um privilégio. E garantir dignidade a quem alcança esse privilégio é o mínimo que uma sociedade verdadeiramente humana deve oferecer.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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