Publicado em 28 de maio de 2025 às 19:39
"É um livro que faz analogias com todos os tipos de terror: o terror corporal, o terror sobrenatural", diz a escritora costarriquenha Larissa Rú ao se referir ao seu volume de contos Monstruos bajo la lluvia (Monstros sob a chuva, em tradução livre). >
E é totalmente verdade. Em todos, há uma mulher; e, em todos, ela vivencia o terror — às vezes mais realista, às vezes mais sangrento, às vezes fantasmagórico ou grotesco — para falar de infidelidade, crueldade, rivalidade, desamor, aborto, desejo, abuso e perseguições.>
Rú é historiadora da arte e se dedica ao gênero de ficção de terror e fantástica. Monstruos bajo la lluvia e sua novela Cómo sobrevivir a una tormenta extranjera (Como sobreviver a uma tempestade estrangeira) receberam o Prêmio Nacional Aquileo J. Echeverría, o maior reconhecimento literário da Costa Rica.>
Agora, ela acaba de tirar do forno seu segundo romance, Canibalia, em que a monstruosidade do canibalismo é exercida no próprio corpo.>
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Aqui, alguns fragmentos para sentir o tom de suas histórias.>
Do conto Cabeza verde (Cabeça verde): "Continuo balançando o facão, com o qual vovô corta o mato para plantar o milho, mas aos poucos, seu peso se agiganta. E minhas pálpebras voltam a pesar mais do que o metal entre minhas mãos.">
Do conto Cuencas (los ojos de Saturno) - (Cavidades, os olhos de Saturno): "Senti de novo, do outro lado do meu pescoço. Desta vez, não contive um gemido de horror. Aproximou o rosto do meu, minha pele estava no limite da dele, no limite do osso exposto.">
A BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, conversou com Rú em meio ao festival Centroamérica Cuenta, realizado na Guatemala entre 19 e 24 de maio. >
BBC News Mundo - Quando começou sua paixão pelo terror?>
Larissa Rú - Comecei a ler fantasia aos 13 anos com os livros de Crepúsculo e Jogos Vorazes. Todos na minha escola estávamos lendo autoras anglo-saxãs, mulheres brancas falando sobre seus problemas.>
Eu adorava, mas às vezes pensava: ai, queria algo que tivesse mais a ver com as minhas preocupações, com o que eu vivo no dia a dia — por que não escrevo eu mesma uma história?>
Foi fácil fazer terror com as minhas vivências, com meu entorno latino-americano, tudo era natural para mim. Não vou dizer que é meu nicho, mas eu amo.>
O curioso é que, quando publiquei Monstruos bajo la lluvia, me disseram que eu fazia parte de um boom latino-americano de escritoras de terror.>
Fui pesquisar e encontrei Mariana Enríquez, Mónica Ojeda, que admiro muito, e percebi que é um movimento coletivo.>
BBC News Mundo - Por trás do aterrador e do assustador, quais são os temas que pulsam de sua obras?>
Rú - Eles vêm da insegurança na América Latina. Existe tanta raiva, tanto medo que foram historicamente ignorados.>
Recolher tudo isso acabou levando a uma explosão: saio na rua apavorada, mas isso é normal, porque você é mulher; estou com medo, bebi um pouco demais e meu namorado está agindo de forma estranha — mas isso é normal, porque é seu namorado e você bebeu demais.>
Sinto que é um despertar, um momento de dizer "esperem, isso não é normal".>
BBC News Mundo - Como você define a monstruosidade? >
Rú - Gosto desde como ela foi vista até como eu posso contá-la, de acordo com as diferentes mitologias universais.>
O grotesco e o monstruoso são qualidades permitidas, desde que sejam viris; para uma mulher, isso é quase inconcebível — um monstro feminino tem certos parâmetros para ser considerado aceitável.>
Quando há monstros propriamente femininos, eles costumam se associar à velhice e ao frenesi sexual. Um exemplo é a vagina dentada na Mesoamérica, que se repete em diversas mitologias americanas.>
Na cultura mixteca, por exemplo, existe a história dos gêmeos guerreiros que precisam matar um monstro que os ameaça, descrito como uma velha que possui uma vagina com dentes; a forma de destruí-la é com um pênis de pedra.>
Em várias versões do mito, arrancam seus dentes, a violentam e a matam.>
A sexualidade é bem vista quando é uma mulher jovem monstruosa; penso nos videogames que mostram garotas sedentas por sangue, mas sexy. Mas quando é uma velha, não: "matem-na!">
BBC News Mundo - É possível ser velha e sexy?>
Rú - Depende para quem você pergunta, porque os padrões sociais dizem que não, que a velhice tem que ser recatada, o epítome da sabedoria — e eu acho que há muita beleza, elegância e sensualidade na velhice feminina.>
Na masculinidade, temos os George Clooney, os "Silver Foxes" (homems grisalhos), isso não lhes é tirado, mas para nós, sim.>
BBC News Mundo - Você diria que é importante desenvolver certa monstruosidade?>
Rú - Para mim, a pergunta é: onde estão os limites que nos permitem ser monstruosas? E o que faz os homens monstruosos?>
No cinema contemporâneo, nas fábulas, temos contos de lição moral, histórias da Bela e a Fera; penso em La novia del rey Lindorm (A noiva do rei Lindorm), onde ele se transforma em uma serpente.>
Temos que aceitar a monstruosidade dos homens, mas em que mundo um homem aceita a monstruosidade de uma mulher?>
Uma mulher com qualidades grotescas nunca é aceitável, e investigar o motivo dessas divisões me parece fascinante.>
É interessante ver como encontramos certa liberdade de expressão ao estabelecer uma relação mais cúmplice com os monstros, explorando os limites e confraternizando com a noção do monstruoso, além da dimensão sexual.>
A gente é muitas coisas, camadas sobre camadas, um ser humano.>
É um tema importante no feminismo, mas estamos diminuindo tudo o que somos, vendo com lupa, quando na verdade a imagem é muito maior.>
BBC News Mundo - O terror corporal dos seus relatos lembra o filme A Substância...>
Rú - O corpo é como um primeiro laboratório, tem tanta dor, tanta potência. É interessante experimentar com uma mulher consciente do próprio corpo, que o maquila, o exercita, o corta, como no meu conto Vaidades.>
Adorei o filme, senti uma conexão forte porque ele fala sobre a velhice. Brinca com o grotesco, os corpos se abrem, mas uma das cenas mais nojentas é quando o personagem de Dennis Quaid está comendo camarões.>
Achei brilhante, porque tem a trama densa de Demi Moore e Margaret Qualley, mas o que nos causa repulsa é um homem, o chefe despedindo ela enquanto está comendo.>
Essa cena deixa claro contra quem devemos antagonizar; não são as mulheres que são um espelho uma da outra, é a sociedade que as coloca para competir.>
Tristemente, já vi muita gente dizendo que, ao fazer 30 anos, seu valor social despenca. Então uma ruga, nesse contexto, pode ser aterrorizante.>
Por isso acho brilhante: quem é o inimigo? Quando começamos a nos tornar peões desse jogo de opressão? É o jogo de comer ou ser comido.>
BBC News Mundo - Esse é o tema que você aborda na sua recente novela Canibalia, onde o terror está na onicofagia (o hábito de roer unhas)...>
Rú - É sobre uma garota que começa a desenvolver tendências canibais. Queria explorar o tema da mulher selvagem, maligna, que enlouquece.>
Ela é uma pianista que não encontra trabalho nas artes e tem que trabalhar em um call center; uma experiência própria, claro, que também é coletiva na América Latina para quem estudou artes.>
Sente-se esmagada pelo peso de uma corporação, sem escapatória no trabalho, o diploma não serve para nada.>
Começa a ficar frustrada, também por um evento traumático, e canaliza isso em seus hábitos de consumo; então começa a praticar onicofagia, a se comer, e deseja ver os outros se comerem também.>
Está presa na máquina capitalista: matar ou ser morto, comer alguém para sobreviver. Usa seu corpo como sua única propriedade.>
BBC News Mundo - Todos os relatos são em primeira pessoa. Como é para você se colocar nessas situações?>
Rú - Me liberta muito. Eu estou atirando, estou na linha de frente do jogo. É libertador usar minhas próprias experiências, amplificá-las, colocar elementos sobrenaturais.>
Em outros contos, foi como pedir perdão a mim mesma por ter sido tão dura; talvez manifestar coisas vergonhosas.>
Com Canibalia foi uma experiência diferente. Quando estava escrevendo, passava por uma situação médica, tinha que fazer um tipo de quimioterapia e sentia que precisava derramar minha saúde nesse livro.>
Posso dizer que derramei lágrimas, suor e sangue. Escrevi sobre pedofilia e o assassinato de uma menina, o que me cobrou um preço alto. Com esse livro, tive conflitos.>
Já com Monstruos bajo la lluvia, há uma relação de carinho, por me permitir me expressar e chegar à paz com minha saúde mental.>
BBC News Mundo - O que é o mais monstruoso destes tempos?>
Rú - Eu diria que é a falta de empatia, os conflitos regionais.>
Me desespera abrir os noticiários e ver o que está acontecendo na Palestina e perceber como essas coisas são reduzidas a números, a decisões frias, a dinheiro: quanto se pode capitalizar com alguns corpos, com algumas mortes? Para as grandes potências, é isso que importa.>
É um monstro de dimensões enormes, que ultimamente tem me afetado muito. Ver essas coisas nas redes sociais me apavora.>
BBC News Mundo - E como se liquida esse monstro?>
Rú - Não tenho a resposta. Neste momento, luto com o quanto realmente um pode fazer, com o que se pode fazer, o que se pode dizer.>
Tudo pode ser dito, mas é um monstro muito abstrato para mim, nunca vi nada tão cru, tão violento.>
Estamos delineando esse monstro, conhecendo-o, porque ele sempre esteve aí, mas nunca tinha estado tão visível como agora, não é?>
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