Demorou, após sucessivos adiamentos, mas saiu o corretíssimo decreto do Ministério da Educação (MEC) que proíbe que o ensino de Direito seja feito na modalidade à distância. Correto porque o curso exige uma formação técnica, ética e humana muito sólida, algo que não pode ser plenamente alcançado remotamente.
Como presidente de uma Subseção da OAB, vejo de perto o impacto da formação jurídica na vida da sociedade e na atuação profissional. O ambiente presencial é fundamental para o desenvolvimento de habilidades como argumentação, oratória, escuta ativa e convivência em grupo — todas indispensáveis na prática jurídica.
O Direito é, acima de tudo, uma ciência humana e social, que demanda interação constante e reflexão crítica, algo que o EaD não consegue assegurar com a mesma profundidade. Posso garantir que a elaboração de peças, a frequência em juizados e em escritórios modelos e a participação em audiências exigem muito a convivência pessoal, que se perde no espaço online.
Essas atividades criam o ambiente necessário para o amadurecimento intelectual e profissional do estudante. No curso presencial, o aluno participa de debates, audiências simuladas, práticas em núcleos jurídicos, visitas técnicas a fóruns e tribunais — vivências que enriquecem sua formação acadêmica.
Além disso, é na convivência com professores, colegas e profissionais que ele desenvolve valores como ética, responsabilidade, respeito às instituições e ao contraditório. Tudo isso é parte fundamental da formação jurídica e simplesmente não pode ser substituído por videoaulas e fóruns online.
A partir disso é preciso debater a qualidade do ensino jurídico no Brasil, seja presencial, seja à distância, e obter do MEC uma fiscalização eficaz é algo que urge. Dos mais de 1900 cursos de Direito existentes no Brasil, apenas cerca de 10% possuem avaliação satisfatória pela OAB, o que é um importante indicador de que algo não vai bem.
Dos bacharéis que prestam o exame de Ordem, apenas cerca de 20% a 30% conseguem êxito. O número de processos éticos contra advogados aumenta significativamente nos indicando que há algo de errado na formação desse profissional, sem contar os inúmeros erros procedimentais e aumento da litigiosidade.
O ensino jurídico eficaz vai além da transmissão de conteúdo: ele precisa construir uma estrutura ética, dialógica e argumentativa, que dificilmente se reproduz apenas com material didático e videoaulas, sem interação ativa.
Enquanto ciência social aplicada, portanto, o Direito pressupõe uma formação essencialmente humanista. O jurista não atua apenas como técnico da lei — ele opera com valores, interpretações, contextos históricos e realidades sociais. A Constituição Federal de 1988 sustenta, em seu artigo 205, que a educação "visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". Então, cabe aos operadores do Direito e da Educação fazerem com que esse princípio básico seja cumprido em sua plenitude.

Sei que alguns dirão: "Se até a audiência pode ser online, por que a aula não pode ser?". Bom, depois de formado, o profissional pode fazer uso da inteligência artificial na sua rotina de trabalho para agilizar a prestação de serviço, mas ele só saberá lidar com a sensibilidade necessária para a profissão se houver um preparo humanizado.
A luta da OAB pela qualidade do ensino jurídico é histórica e interminável. Sou um crítico irredutível do ensino mecanicista, isto é, baseado apenas em transmissões de normas e princípios, já que não supre as exigências práticas e analíticas da advocacia contemporânea.
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